sexta-feira, 23 de maio de 2008

Rir ou chorar?

Este texto foi escrito pra provocar risos, mas se quiser chorar...

Saí pra fumar um cigarro, o décimo desde a hora que cheguei no hospital pra fazer uma ressonância magnética. A espera, principalmente pra isso, é um saco. Um velho, que também estava lá dentro, se aproximou e pediu o isqueiro emprestado. Acendeu o cigarro e foi dizendo:
- Rapaiz, isso aqui é o cu do capeta! Num sei u qui to fazeno aqui! Qué dizê, num sabia, agora sei. Tô aumentano minha vontade di morrê!
O homem estava bravo. E continuou:
- Isso aqui é quenem aqueles cabra qui num ganha nem pra pagá as pinga que bebe e qué tê duas ou treis muié. Esses porra num consegue nem atendê a gente, muito menos curá e, ao invéis de facilitá nossa morte, fica segurando a gente na vida, que nem vaquero cercano frango no pasto. Qué dizê: a gente nem morre, nem vive. Fica si fudeno por esses corredô, fazeno exame,tomano remédio e injeção, seno cortado e custurado e, pra que?
Quando eu pensava em alguma coisa pra dizer, o velho foi emendando:
- Ocê já reparo nesse povo aí dentro? A maioria ta precisando mais de padre e extremunção do que de médico e consurta. Já pássaro do tempo de tá aqui na terra, já deviam tê desocupado a moita faiz tempo! É uma veiarada, feia pra cacete, cum dor pra tudo que é lado. Cê óia pra cara dos infeliz i é sofrimento puro! Num pode comê isso, num pode bebê aquilo, num pode fumá; trepá num cunsegue mais; que porra de vida é essa? Vida? Isso é vida?
O velho puxou outro cigarro, acendeu-o na brasa do que estava terminando e continuou:
- Eles inventa essas modernage, todas cheia de nhe, nhe, nhe e trec, trec; que podem, até, ajudar a descobrir o que a gente tem. Só que, é pouca geringonça pra doença de mais. Como os médico não consegue mais trabalhar sem esses exames todos, i cuma eles num consegue examiná todo mundo que precisa, as fila istica, o tempo demora e o coitado do doente sofre. Pra quem vai sê curado, tudo bem, vale a pena. Mais muita gente, principalmente essa veiarada toda, só vai tê o tempo esticado aqui na Terra; sem podê cumê, bebê i fazê o qui gosta; escravos de remédio, injeção i médico. Isso é vida, rapaiz? Né não! É um ganho muito pequeno prum preço grande demais.
Ele tossiu, cuspiu e continuou:
- Além de sofrê, esses veio atrapaia todo mundo; na rua, na cundução, na fila i até nu trânsito. Vira e mexe, um é atropelado porque num inxerga, num acha o rumo. O trânsito para, o motorista se ferra e o disinfeliz, muitas veis, nem morre! Além de tudo isso, ainda dá dispeza pra família e pro governo. Si pelo menos a velhice fosse bonita, mais não; além de tudo é feia, desengonçada i pelancuda! E a conversa intão! É só recramação – “Tô cansado”, “Ai como dói!”, “Tô qui num guento de dor!”, “Fala mais arto, qui num iscuto.”, “Fala baixo!”. Óia eu aqui, fazeno teu ouvido di pinico, discarregano minha raiva. Qui curpa cê tem dessa revorta que eu sinto? Agora, mi fala a verdade: vale a pena tudo isso pro coitado levá uma vida de merda dessa?
Eu não sabia se ria ou chorava. Comentei que aqueles idosos estavam ali porque não queriam morrer, que eles consideravam aquele sacrifício menos ruim do que a morte. Inclusive ele. Ele me olhou com a expressão de quem havia ouvido o maior absurdo do mundo e disse:
- Não! Eu não. Si eu pudesse escolher, já tinha morrido! Já pensei muitas veis em mi matá, mais quando pensava nos parente, nu qui eles ia sofre, cabava disistino. Acho qui é muito ruim pras pessoa vê um parente suicidado. Mais qui eu prefiria morre, prefiria! É muito ruim vivê desse jeito! Muié dano lugar procê sentá na cundução, Cê sinrolano cas coisa, trupicano. Outro dia, tropiquei i caí. Uma moça bunita i cherosa mi ajudo a levantá. Ela perguntô si eu tava machucado. Eu disse pra ela qui, se subesse qui ia sê ajudado por moça tão bonita, caia toda hora, só levantava pra caí de novo. Ela riu, mais o pió era o olhá de preocupação, pena, dó, que ela mostrava. É duro ocê vê qui provoca dó. Num faço nada qui presta, vivo atrapaiado, atrapaiano os outro, isqueceno as coisa, trupicano, sofeno dor, sem esperança di miora. Isso é vida?
Argumentei que há muitos idosos vivendo bem, trabalhando, se divertindo, felizes, O homem me interrompeu, dizendo:
- Eu num tô falano desses. Muitos desses vive mio qui muinta gente nova. Tô falano di quem num tem utilidade, sem saúde, cum dor, sem esperança. É desses qui tô falano, num importa se é veio ou novo. Si num dá pra vivê bem, é mió morre. Si murresse um tanto desses traste, qui nem eu, ficava mais fáci pra cuidá dus qui tem cura. Invés di gastá dinhero cum exame, operação i remédio; era só dá uma injeção qui a pessoas dormia i num acordava mais. Já penso qui beleza! Si livrá di toda essa encrenca, na hora, sem dor?
Quando ele ia acender outro cigarro, chegou uma mulher, que parecia ser filha dele, dizendo que o haviam chamado. Ele guardou o cigarro no maço, me disse tchau e entrou capengando atrás da mulher.

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