ANSIEDADE
A ansiedade é uma coisa terrível! Ela é ruim até quando o desejado é realizável e causador de grande prazer e felicidade.
Eu estava em Campo Grande sofrendo a maior infelicidade sentida até ali. Tinha convicção de que, se existia inferno, eu estava no pior lugar dele. A alma, ou seja lá o que for, sofria dores agudas e profundas, constantes, sem tréguas, sem um segundo sequer de alívio. Não sentia fome, nem sono; nem mesmo raiva, por maiores que fossem os motivos, eu conseguia sentir. Só tristeza, imensa, constante, dolorida.
A causa fora a perda do grande amor de minha vida. Não perdera só um grande amor, o maior; perdera a mulher que me admirara, respeitara, compreendera; uma companheira solidária, corajosa, sensível, inteligente; uma amiga leal. Não bastasse tudo isso, ela era linda. Foram cinco anos de uma felicidade inenarrável. Não consigo imaginar algo que possa ser comparado a uma perda como essa. Era um valor extraordinário! Não acredito que a perda de uma fortuna, por maior que seja, sirva de parâmetro para comparação. O sofrimento da perda é proporcional à felicidade que aquilo causou. Quanto maior a felicidade conseguida, maior é a tristeza de sua perda. A felicidade que eu tivera, ultrapassara qualquer fantasia que eu tivesse produzido; portanto, a perda foi catastrófica.
Não houve brigas nem discussões. Eu fora para Campo Grande, fazer um trabalho experimental, enquanto ela fora esperar o resultado da experiência, na casa da mãe. Se a experiência desse certo, partiríamos para uma nova etapa de nossa vida em comum, que fora cheia de aventuras. A separação não deveria ser maior do que um mês.
Nos falávamos freqüentemente por telefone. Numa das ligações, ela dissera que conhecera um rapaz e que estava confusa quanto a suas emoções. Disse-lhe para experimentar, buscando segurança no que fosse melhor pra ela. A racionalidade me obrigou a dizer aquilo, embora a emoção me forçasse a entrar pelo cabo do telefone e ir arrebatá-la naquele instante.
O choque foi brutal! Foi como se um raio tivesse atingido a emoção, sobrecarregando a tristeza com uma energia infinita. Senti a terra se abrindo sob meus pés e eu despencasse num buraco sem fim.
Estávamos a mil e duzentos quilômetros um do outro, fisicamente, embora ela estivesse dentro de mim, em cada célula.
A falta de notícias era angustiante, embora eu a sentisse perdida desde o primeiro instante. Imaginava que ela tivesse encontrado um cara com muitas qualidades, que a tivesse valorizado suficientemente, e que tivessem se apaixonado. Isso seria ótimo para ela e, eu, sempre quis o melhor pra ela.
A emoção brigava com a razão, uma briga hercúlea, A emoção queria seu corpo junto a mim, enquanto a razão torcia para que ela tivesse o melhor.
A razão me indicava que eu nada poderia fazer. Ela me conhecia suficientemente, o que dispensava que eu pudesse lhe mostrar algo de novo. Tinha inteligência suficiente para analisar e decidir. Se a emoção a impedisse de racionalizar, não seriam argumentos que pudessem convencê-la do contrário. Portanto, não me restava alternativa, a não ser esperar.
A razão me dizia que deveria esquecê-la até que o veredicto fosse confirmado, que era bobagem ficar sofrendo; que eu deveria tocar a vida, buscando satisfações. Se ela optasse em voltar, a questão poderia ser retomada, analisada e concluída. O melhor a fazer era esquecê-la, libertar a mente e retomar a busca da felicidade.
No entanto, enquanto a razão lutava desesperadamente para me livrar do sofrimento, sua força era extremamente insignificante diante da força da emoção que preenchia a mente com pensamentos sofríveis, desejando vingança, me provocando a tentar recuperá-la a qualquer custo, provocando lembranças do quanto eu fora feliz, não para provocar prazer e, sim, para aumentar o sofrimento, o tamanho da perda. A ansiedade me fazia esperar cada segundo pelo toque do telefone.
Quando muito, eu dormia duas horas por noite e comia meio pacote de miojo em cada refeição, na marra. Enquanto não estava trabalhando, preenchia o tempo escrevendo, derramando lágrimas sobre o papel, juntando letras para formar palavras de desespero, forçando a razão a combater a emoção. Minha mente era um campo de batalha, das mais cruéis, sem descanso, numa luta feroz.
Ao invés de minimizar o sofrimento, a passagem do tempo, o acentuava. Minhas forças físicas diminuíam, enquanto a energia da batalha mental se intensificava a cada dia.
Depois de dois meses, que pareceram séculos, ela me ligou perguntando se poderia voltar. Foi como se o raio que havia me enterrado, surgisse das profundezas e me arremessasse para o infinito do espaço. Depois de um instante de torpor, a ansiedade me provocava a puxá-la pelo cabo do telefone e abraçá-la imediatamente. Ela disse que tinha um assunto pendente para resolver e que me ligaria nos próximos dias para marcarmos a melhor maneira de nos encontrarmos. Disse que me amava e que não via a hora de nos juntarmos.
Minha mente parecia uma corrida de fórmula um onde todos os carros se chocassem, com pedaços pulando por todos os lados. A razão tentava organizar as idéias, enquanto a ansiedade queria solução imediata, pra ontem.
A alegria era imensa, o corpo vibrava intensamente, os pensamentos se atropelavam, a dúvida de se era um sonho ou realidade dominou por algum tempo. O medo de que ela pudesse mudar de idéia ganhou espaço e uma nuvem negra dominou o pensamento.
No entanto, a esperança de recuperá-la foi maior. Era realidade, ela dissera que queria voltar, repetiu várias vezes. Que assunto pendente seria o que ela tinha que resolver? Ela se negara a dizer, alegando que contaria quando nos reuníssemos. Que poderia ser?
Pelo menos, agora, os pensamentos ruins tinham a companhia dos bons e se alternavam descontroladamente. A razão me recomendava que me agarrasse aos bons, mas que considerasse a possibilidade de ela desistir, preparando-me para a retomada da tragédia. A mente era um caldeirão em ebulição.
Ela ligou dois dias depois, para combinar nosso encontro. Sugeri que ela fosse pra São Paulo, pois estava com nosso carro; que eu iria de ônibus, nos encontraríamos lá e voltaríamos juntos. Ela alegou que não tinha dinheiro para ir até São Paulo. Fiquei de fazer um depósito na sua conta bancária. Ela ficou de ligar no dia seguinte para confirmarmos o dia da viagem, uma vez que aquele assunto ainda não fora resolvido.
Já era noite, fui até o centro da cidade para fazer o depósito. Nas duas agências que havia ali, os caixas eletrônicos não estavam funcionando. Bateu o desespero!
No dia seguinte, fui até uma agência do banco e fiz o depósito.
Ela me ligou dizendo que seu cartão magnético apresentara defeito e que não conseguira tirar o dinheiro, o que só poderia ser feito em São Paulo, na agência de sua conta. Ela ficou de tentar conseguir um empréstimo e me ligar quando tivesse resolvido a pendência.
Ligou dois dias depois, dizendo que estava liberada, mas que não conseguira o empréstimo. Eu já não agüentava, estava a ponto de explodir! Decidi ir buscá-la na cidadezinha, onde ela estava na zona rural. Disse-lhe que pegaria o ônibus na noite seguinte, iria para São Paulo, pegaria o outro ônibus e que, no Sábado pela manhã a encontraria na cidadezinha, no ponto de ônibus, na beira da estrada.
Na manhã seguinte, comuniquei aos donos da empresa em que estava trabalhando, que viajaria naquela noite, por isso precisaria sair um pouco mais cedo. Um deles, que era de São Paulo, e estava voltando pra lá, me ofereceu carona. Saímos naquela mesma manhã. A ansiedade era tanta que eu tinha impulsos de apertar o pé do motorista no acelerador.
Eu estava indo ao encontro da felicidade, do paraíso, fugindo do inferno. Deveria estar radiante, curtindo o deleite que seria aquele reencontro, no entanto, sentia angústia, medo de acordar e verificar que não passara de um sonho. Eu me beliscava, mas não adiantava. O medo de que ela pudesse desistir me agoniava. A viagem era interminável. As horas corriam, enquanto a distância se arrastava, lentamente, teimando em não ser vencida.
Chegamos em São Paulo no começo da noite. O primeiro ônibus para a cidade onde ela estava, só sairia na manhã seguinte. Fui para a casa de meus pais, liguei para a rodoviária, para saber o horário do ônibus, mas ninguém atendia. Tentei até altas horas e nada.
A ansiedade fazia a angústia aumentar, como se isso fosse possível. Eu sabia que o ônibus saia por volta das sete horas, mas não tinha certeza. Só havia aquele pela manhã e outro no final da tarde. Se não conseguisse ir naquele, ela poderia pensar que eu houvera desistido. Esse pensamento me provocava pânico.
As cinco e meia da manhã, eu já estava na rodoviária, comprei a passagem e esperei as duas horas que faltavam para o embarque. Os nervos do meu corpo, desde o menor até o maior, tremiam, vibravam como as cordas de um instrumento. Eu andava de um lado para o outro, comprei um jornal, tentei lê-lo, mas era impossível; a mente se negava a registrar as palavras.
O ônibus parou na rodoviária de São José dos Campos. Eu havia combinado que, como não tinha como ligar pra ela, que ela me ligasse no celular, por volta das oito e meia, pois eu estaria numa região em que havia sinal. Depois disso, o sinal não existiria e não teríamos como nos comunicar, caso algum imprevisto surgisse.
Eu segurava o celular na mão, com tamanha força que parecia que o esmagaria e o dissolveria com o suor que jorrava dela. Aliviei a pressão e enxuguei-o, mas ele não tocava.
O ônibus partiu, chegou na região onde não havia sinal e o toque da campainha continuava mudo. O pensamento de que ela desistira tomou conta e o domínio do desespero foi uma tarefa hercúlea.
Desci do ônibus e olhei para o ponto vazio. Senti aquele buraco imaginário se abrir sob meus pés. Permaneci estático, com o olhar fixo naquele ponto de ônibus, não sei por quanto tempo. Pensei em procurá-la, afinal a cidadezinha era minúscula. A possibilidade de darmos voltas desencontradas aumentou meu pavor. No entanto, não poderia ficar ali, imóvel, presa daquela angústia terrível.
Desci uma rua e, na primeira esquina, encontrei dois conhecidos. Quando lhes perguntava se a haviam visto, vi nosso carro se aproximando, com ela ao volante. O mundo desapareceu, só ficou aquele carro cor de vinho, aqueles olhos verdes e o cabelo loiro. Fui até o carro como um robô, sem correr, a passos lentos, com medo de que fosse uma miragem.
Entrei no carro, ela dirigiu até a estrada, parou no acostamento, nos abraçamos e beijamos longamente, entre lágrimas que expulsavam a angústia represada.
A cidade sofrera um apagão telefônico e nenhum aparelho funcionava, por isso ela não conseguira me ligar. Tudo contribuiu para que não se perdesse nem um único segundo de agonia.
Não teria sido problema encontrá-la, mesmo que estivesse na casa de parentes na roça. Eu poderia Ter pego um taxi e procurado-a. O problema é que o motivo de ela não estar me esperando, poderia Ter sido a desistência e, a ansiedade, colocava esse como o único motivo possível.
Eu me empenhei profundamente e acionei todas as forças disponíveis para fortalecer a razão e a moral, no entanto, a emoção dominou o tempo todo, massacrando a racionalidade e desconsiderando a moral.
A ansiedade é uma componente da vontade, grande causadora de sofrimento e terrível empecilho para a racionalidade. É muito difícil de ser dominada, provocando pressa, forçando a tomada de atalhos, que geram enormes atrasos e, muitas vezes, impossibilitam atingir o desejado. A ansiedade é um câncer da vida.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
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