quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

continuão de ponto

Quando analisei os problemas que ela poderia Ter em relação ao trabalho que pretendia fazer pra ele, considerei, como ela confirmou no texto, que ele não saberia como organizar a administração, que era do tipo que administra de acordo com a situação presente, sem critérios. Aleguei que o conhecimento que ela tem é muito pequeno para implantar um sistema de controle. Questionei se conseguiria informações que lhe possibilitassem desenvolver o trabalho. Nunca me referi a que ela não buscaria informações. No entanto, sei o quanto é difícil aprender o mínimo necessário para montar um sistema de controle. Ela diz que por não entender de mecânica, fica mais dificil administrar a oficina, por exemplo. Para administrar uma oficina, não é preciso entender de mecânica, pois as informações necessárias poderão ser conseguidas junto aos mecânicos. O que é necessário e conhecer administração, implantar formulários de orçamento, de controle de compras, de recebimentos, cronogramas e coisas do tipo.
É só observar o texto dela para verificar a dificuldade. É preciso muito esforço para tentar entender o que ela quer dizer. Tem dificuldade de expressar suas idéias. Dá para imaginar como escreveria uma carta a um cliente ou fornecedor e o que eles poderiam entender. Acusei muitas vezes esse problema nela. Só que e3u acreditava que teríamos tempo para que isso fosse corrigido. Sempre achei mais importante que se empenhasse primeiro em pensar, analisar, compreender. Que a redação se resolveria mais tarde. Essa dificuldade ela também tem na interpretação de textos. Me recordo que eu sempre tinha que intervir para que entendesse os textos de biologia, matemática, etc.
Ela coloca que eu teria dito que ela não tem humildade para buscar informações, o que não é verdade. Sempre reconheci sua capacidade de aprender. O problema é que coisas como administração, não se aprende com facilidade porque depende de conhecimentos mais abrangentes e profundos.
Ela declara o que para mim não é nenhuma novidade, que ele está vivendo um verdadeiro sonho de fadas. Que conseguiu o que não imaginava Ter mais: a companhia del, desfrutar a mulher amada. Acredito que, pra ele, ela não precisaria fazer mais nada, só o fato de poder desfruta-la como mulher já de um valor inestimável.
Ela declara que ele é quem precisa tomar cuidado para não provocá-la, pois o interesse da continuidade do relacionamento é dele. Que pra ela, não faria diferença se não pudesse continuar a seu lado. Por isso demonstra sentir-se superior ao perceber a submissão dele, fazendo tudo para não desgostá-la. Chega a ser engraçado que ele tenha pedido ao amigo, que pretendia que o acompanhasse a S.Paulo pra comprar um caminhão; que o amigo a procurasse e conseguisse sua autorização. Por que ele próprio não pedira essa autorização?
Quando ela se refere as qualidades do Rodrigo, que teriam propiciado o sucesso nos negócios, ela faz afirmações que com certeza não tem condições de saber, descrevendo qualidades incompatíveis com o resultado. Parece que ela pretendeu defendê-lo de ataques que eu tivesse feito, o que não é verdade. Não o ataquei, só considerei o que ela mesma confirmou: que ele deveria administar tudo pessoalmente de acordo com a necessidade presente, sem critérios.
Não consigo imaginar que a Mari pudesse defender essas idéias, concordar com o que ela está fazendo.

16/10
Acordei cedo e um pensamento não me saia da cabeça: Ligar pra ela, agradecer por ter me mandado os escritos e o dinheiro, pedindo perdão pelo mal que lhe causei. Acho que é isso que tenho que fazer mas, porque isso não me sai da cabeça?
Já esperava que ela buscaria justificar sua atitude, buscando causas que fossem suficientes para desencadear o acontecido. A tendência natural que temos de nos defender, repelir a possibilidade de estarmos errados, costuma distorcer os fatos e adaptá-los à nossa conveniência.
Tenho consciência de que sou utópico na obsessão de acreditar que a racionalidade está a disposição de todos e que, se as pessoas optarem por ela, grande parte de seus problemas podem ser resolvidos. Já tinha compreendido que isso é realmente utópico e que a maioria das pessoas não consegue agir dessa maneira, continuando prisioneiros de preconceitos, egoísmo e prepotência, afinal, nasceram nesse meio e vivem rodeados de gente assim.
Meu instinto agressivo me impede de ter serenidade para tratar com isso e, por mais que me esforce, é comum que me dirija com agressividade verbal e de expressão a quem pretendo modificar. Está mais que provado que isso age no sentido inverso do que pretendo.
Tenho me esforçado para conviver com as pessoas, procurando aceitá-las como são, evitando as mais exageradas e, quando acredito que possa provocar alguma mudança, procuro fazê-lo com cuidado.
Minha maior agressividade sempre se dirigiu para as pessoas de quem gosto mais e que, acreditava ter obrigação de me empenhar para que entendessem os erros que cometiam, forçando-os a buscar mudanças.
Continuo acreditando que a racionalidade pode ajudar a resolver muitos dos problemas que afetam as pessoas. No entanto, sou a maior prova de que ela não pode resolver tudo e que a emoção e o pensamento involuntário tem autonomia, impedem a racionalização e usam a racionalidade para apoiar o que lhes interessa.
A escolha de valores também é significativamente influenciada pela emoção. A tendência à facilidade inicial, preguiça mental , vontade incontrolada, etc., propiciam às pessoas optar por valores maus, sem sentimento de culpa.
Minha história é um exemplo de exagerada sensibilidade e obsessiva racionalidade. O resultado disso está escancarado no que sou e no que já passei. Embora não tenha motivos para me queixar do que pude desfrutar, só eu sei o que sofri, principalmente quando me senti injustiçado. Tenho consciência de que cometi muitas injustiças, mas não me pesa a consciência porque, quando elas aconteceram, não fui alertado para isso, não tive ajuda para evitá-las. Isso não me isenta de culpa mas me serve de consolo.
Continuo acreditando que a Mari era como eu, não conseguindo aceitar preconceitos, pura e simplesmente. Era questionadora, sensível, corajosa, inteligente, humilde e solidária. São características inatas, acredito que nascemos com elas. Ela, porém, consegue uma coisa que nunca consegui: Agir de acordo com o que acredita sem se deixar influenciar por qualquer mal que isso possa causar aos outros. Não é uma constante na sua vida, mas já demonstrou essa característica algumas vezes. Isso demonstra uma coragem grandiosa, ao correr os riscos pessoais que envolve e, principalmente, para desconsiderar as conseqüências que atingirão outras pessoas, tendo que superar seu sentimento de solidariedade. Na verdade essa já é a Mara, com valores bastante diferentes dos da Mari.
Isso aconteceu na nossa separação. Ela decidiu deixar-me por estar insatisfeita com a vida que estava levando e por não vislumbrar maiores perspectivas de mudanças satisfatórias. Não se deixou influenciar pelo que me causaria, nem pelas dificuldades que poderia enfrentar.
Aproveitou minha característica de acusar defeitos para justificar sua atitude. Isso lhe propicia não sentir culpa, pois estaria agindo em legítima defesa, livrando-se de algo que lhe causava mal. Teve que desconsiderar minha amizade e conseqüente ajuda que lhe poderia oferecer, porque isso a obrigaria a conversar e expor a realidade de seus sentimentos, que contrariam o que sempre defendeu enquanto Mari: lealdade, solidariedade e humildade.
É difícil entender esse negócio de dupla personalidade, porque muitas características são comuns as duas. Isso, para quem não se detém a um exame mais atento, indica que é uma personalidade só, com variações normais a qualquer pessoa. É importante diferenciar o que seja dupla personalidade e o que é interpretação.
Existem pessoas que passam grande parte da vida interpretando papéis. É o caso de estelionatários e outros tipos de marginais, que interpretam personagens, demonstrando valores diferentes dos adotados por sua personalidade real. Mostram-se humildes e solidários, quando na verdade são egoístas e prepotentes; mostram-se piedosos enquanto agem para castigar e assim por diante. Muitos homossexuais, interpretam papel de heterossexuais para esconder sua verdadeira opção sexual. Muitos vendedores, profissionais de propaganda, entre outros profissionais; defendem muitas coisas com as quais não concordam, nem aceitam para si. A principal característica dos interpretes é que conscientemente defendem o que não aceitam pra si, não concordam.
A dupla personalidade que considero, é o caso de pessoas que tem características alteradas, principalmente valores, assumindo-os totalmente, acreditando na sua validade, defendendo-os e argumentando para convencer a si e aos outros, de sua validade.
Como dito acima, a dupla personalidade não altera todas as características e valores do indivíduo. Ela, normalmente, se restringe a parte deles. Aparentemente, isso acontece para possibilitar ao indivíduo agir, pensar e defender, de maneira contrária, às características e valores defendidas pela outra personalidade, sem sentir culpa, sem se martirizar por estar agindo contrariamente, principalmente, aos valores que a outra defende.
Consideremos o caso da Mari e da Mara. A primeira tem grande respeito pela amizade, considerando-a como um dos valores maiores do indivíduo. Tem grande respeito pela inteligência e a admira. Naturalmente, tem bastante humildade, o que a dispõe a discutir abertamente, sem preconceitos, aceitando opiniões que se apresentam razoáveis e contestando quando verifica contrariedades que pode demonstrar e defender.
Era comum conversarmos a respeito do nosso relacionamento, considerávamos sua excepcionalidade e, principalmente, o quanto nos era importante a amizade, o companheirismo, o respeito e admiração mútua que nos dedicávamos. Isso nos permitia não ter segredos entre nós, o que nos facilitava abordar os assuntos mais íntimos de nossos outros relacionamentos, que nos ajudavam a compreender muitas coisas.
Tínhamos plena consciência das diferenças entre nós. A idade que, além de chamar a atenção quando mostrávamos que éramos um casal e não pai e filha, provocando os mais variados comentários; nos mostrava que a passagem do tempo, poderia ocasionar problemas em mim, que dificultariam a parte sexual do relacionamento, por exemplo. Considerávamos que a maior probabilidade é que eu morresse primeiro, o que terminaria o relacionamento inexoravelmente. Que se isso acontecesse, por eu não ter herança econômica pra deixar-lhe, ocasionaria que ela teria que providenciar sua própria sobrevivência, o que sempre me levou a incentivá-la e ajudá-la a capacitar-se profissionalmente. Que a juventude dela poderia sentir necessidades que eu não conseguisse atender. Considerávamos a diferença cultural entre nós e a experiência, que ao invés de ser um problema, nos propiciava análises muito ricas e interessantes, onde nós dois aprendemos muito.
Era um relacionamento extraordinário, totalmente diferente da maioria, que nos causava muita felicidade propiciada pelo amor que nos dedicávamos, somado ao apoio que sentíamos receber um do outro, o aprendizado que acontecia constantemente, que nos propiciava o prazer de perceber o quanto crescíamos e nos tornávamos melhores; o prazer causado pela admiração que sentíamos um pelo outro, que nos fazia sentir orgulhosos de desfrutar a companhia de alguém admirável e de ter o égo massageado ao se sentir admirado por alguém tão importante. Eu sentia muito orgulho ao perceber que ela era admirada e tinha suas qualidades reconhecidas e exaltadas. Ela sentia o mesmo em relação a mim.
Sempre consideramos que o amor poderia terminar, pois não dependia de nós. Se não fomos responsáveis pelo seu aparecimento, não teríamos como evitar que desaparecesse, em qualquer um de nós, o que dificilmente aconteceria ao mesmo tempo. Tínhamos consciência que um poderia terminar primeiro mas concordávamos que nada poderia destruir a amizade que nos unia. Que, mesmo separados como casal, continuaríamos unidos pela amizade, ajudando-nos e apoiando-nos.
Esse verdadeiro paraiso de felicidade sofria interferências significativas, o que nos obrigava a constantemente aparar arestas criadas no convívio social. Eu vivia cuidando pra impedir que o ciúme que sentia não atrapalhasse o relacionamento. Sempre me apeguei na grande confiança que sempre me inspirou. No entanto, a ciúme é um sentimento, comandado pela emoção, que tende a rejeitar a racionalidade. Portanto, ao menor descuido, ele aparecia me obrigando a enfrentá-lo e corrigir eventuais ações que ele provocava. Ela também tinha que controlar o seu. No entanto, isso nunca nos causou maiores problemas.
Os maiores problemas sempre se originaram nas famílias, tanto da dela como da minha. A minha sempre gerou maior número de problemas, no entanto eu não tinha dificuldade em enfrentá-los, procurando contorná-los da melhor maneira possível e, as vezes, agia com firmeza para eliminá-los. No caso dela isso era mais difícil, uma vez que ela se sentia mais responsável e considerava a fragilidade de seus parentes, tanto emocional quanto economicamente, o que era agravado pela pouca instrução e conseqüente deficiência de conhecimento e dificuldade pra lidar com situações diferentes. É natural que alguns membros da família dela pretendessem que aproveitasse sua beleza e outras qualidades para casar-se com alguém que lhe pudesse oferecer uma vida confortável e segura, tendo dificuldade para aceitar que estivesse casada com um velho, sem dinheiro e sem possibilidade de proporcionar qualquer segurança para o futuro. Além disso, havia as dificuldades que alguns parentes enfrentavam e que geravam preocupação nela. Como ela tinha dificuldade de agir para força-los a buscar conhecimento e capacidade de enfrentar dificuldades, isso acabava gerando contrariedade em mim, que procurava controla-la mas que nem sempre conseguia, o que acabava gerando pequenos atritos. Com minha família eu tentava agir com o máximo de razoabilidade mas ela acabava sendo atingida muitas vezes e discordando de meu procedimento em outras.
Finalmente, havia a interferência do mistério, que também gerou problemas, os maiores.
Como se pode verificar pelo relato, o relacionamento era quase perfeito no que se referia ao casal, mas as interferências externas nunca deram descanso, obrigando-nos a agir constantemente, resolvendo problemas ou convivendo com eles. Isso sempre nos exigiu muita racionalidade e administração de valores e emoções.
A Mari sempre enfrentou as dificuldades, as vezes com bastante sacrifício, mas nunca a senti fraquejar. Sua racionalidade e valores fortes, amparados pela coragem, propiciavam-lhe superar tudo.
Quando, por algum motivo, os valores foram afetados, seu comportamento mudou e ela se viu obrigada a adaptar a racionalidade para justificar que tais mudanças seriam naturais.
Aparentemente, ela começou a sentir insatisfação pela falta de novidades e, principalmente, de objetivos a serem alcançados, de desafios e aventuras. A situação era essa mesma, havíamos nos acomodado na vida da roça, superamos os problemas iniciais e entrávamos na fase de começar a poder desfrutar resultados do que fizéramos até ali. No entanto, a não ser a venda de roupas e utensílios, nada de novos projetos.
Minhas críticas a respeito de seu comportamento, principalmente no tocante a dependência de estar presente junto à mãe, deixaram de ser consideradas construtivas e passaram a ser motivo de insatisfação, e passaram a ser consideradas como intolerância de minha parte. No entanto, aparentemente, elas não eram infundadas, o que a impedia de refuta-las com racionalidade. Isso a levou a sentir-se incomodada por elas mas evitando acusar o que sentia. Isso foi minando a confiança de que sempre desfrutamos e que nos permitia enfrentar as dificuldades e resolvê-las.
A junção da falta de perspectivas atraentes com a insatisfação com as críticas, podem ter formado um bolo difícil de digerir que crescia sem parar, mesmo que os ingredientes acrescentados fossem poucos e em pequenas quantidades. É o efeito fermento, que faz o bolo crescer sem necessidade de acrescentar mais material.
Sabe-se que uma única gota é suficiente para transbordar um copo que vinha sendo enchido. Nesse ponto, ela resolveu que o limite de suportar aquela situação havia chegado, tornando o convívio insuportável.
Como confessar que havia traído a confiança, sonegando a informação sobre o que vinha sentindo, a contrariedade e insatisfação? Numa situação assim, nem é necessário que o amor tenha terminado, ela é suficiente para que a pessoa se sinta tão mal, que mesmo que ainda exista amor, ele perde importância, sendo suplantado pelo sentimento ruim.
Ela sabia a importância que tinha para mim e que eu faria o possível e tentaria o impossível para mantê-la junto a mim. Sabia da minha capacidade de argumentação e não se sentia com confiança para defender o que considerava ser a solução, que era a separação, para que pudesse se livrar do sentimento ruim que vinha sentindo e buscar satisfação. Percebendo que não teria como defender racionalmente o que pretendia, ao que se somava a traição de não ter denunciado os sentimentos que vinha tendo, tinha que evitar discutir a situação, sabendo que não teria como argumentar em favor do que pretendia.
O sentimento ruim, sem a interferência da racionalidade, dominou-a e fê-la considerar que a situação era irreversível. Como não tinha como argumentar a favor de algo totalmente irracional, optou pelo que pode ser considerado uma fuga, E foi o que fez. Para tentar minimizar a covardia implícita, deixou o bilhete dizendo que estaria disponível para conversar, talvez na desesperada esperança que eu não quisesse fazer isso.
Quando tentei conversar, aproveitou que não forcei a conversa, limitando-me a pedi-la, respeitando seu direito de aceitar ou não; ela continuou fugindo e evitando enfrentar o que acreditava estar impossibilitada de defender.
Enquanto isso, deveria pensar nas alternativas de futuro, o que poderia fazer para conseguir sua caminhada em direção à satisfação pretendida. Depois de uma semana, não vislumbrou nada melhor que trabalhar numa das indústrias de Santana da Luz, alugar uma casa lá e recomeçar a vida ali.
Estar nessa situação, nada agradável, muito aquém do esperado, não deve ter sido fácil. Nisso aparece a oportunidade de fugir daquela situação, de experimentar uma chance de trabalhar numa cidade agradável e tendo o apoio de alguém que lhe propiciaria moradia e sustento, além do próprio trabalho, deve ter sido encarado como verdadeira tábua de salvação. O risco de ter que se relacionar com alguém que lhe causara tantos problemas no passado, era bem menor que ter que enfrentar-me sem condições de defender o que fizera. Era, pelo menos, uma oportunidade de sair do sufoco. Se não desse certo, partiria para outra.
O rapaz apaixonado, tendo a possibilidade de concretizar o sonho tão desejado, deve ter feito o impossível para reconquistá-la. Deu-lhe a oportunidade de sentir-se importante, tanto pessoal como profissionalmente, propiciou-lhe conforto e divertimento, além de muito amor. Ela sentiu a possibilidade de que aquilo poderia ser a solução, sentindo-se importante, culturalmente superior, sem críticas e com perspectiva de reconhecimento e sucesso.
A sorte lhe propiciara a possibilidade de sucesso no seu objetivo, mas como enfrentar o problema que deixara para traz? Não conseguia argumentos que justificassem seu procedimento no episódio da separação. Como justificar ter traído princípios defendidos com tanta veemência?
A solução tradicional, tão usada por grande número de indivíduos, de atacar como meio de defesa, foi a alternativa encontrada. Fazer inchar as causas que desencadearam o processo de insatisfação e torna-las com importância suficiente para justificar o procedimento. Como a realidade não seria suficiente para justificar o ataque, seria necessário incrementá-la. A solução encontrada foi destacar com letras garrafais as críticas e a intolerância, fazendo desaparecer os valores significativos como amor, amizade, dedicação, respeito, companheirismo, admiração, etc. Para que esse ataque pudesse ser usado como defesa suficiente, seria necessário dar ênfase às causas. Mais importante que convencer as outras pessoas, era convencer-se a si própria de que as causas eram suficientes para justificar as atitudes. Uma maneira de conseguir isso é comentar as causas, acentuando-as e divulgando-as o máximo possível. Uma boa colaboradora para isso foi a Marta.

Não acredito que a personalidade da Mari, com suas características e valores assumidos, fosse capaz de agir dessa maneira. Portanto, outra personalidade teria que assumir valores tão diferentes.

17/10
Considero que a Mara está agindo acertadamente, seguindo as necessidades sociais que permitem ao indivíduo buscar satisfação. É necessário conviver com valores distorcidos, egoísmo, prepotência, preguiça mental e todo tipo de acomodação para evitar sentimento de culpa. É impossível conviver com essas coisas, participando delas, tirando proveito do que isso possa oferecer, preso a valores como humildade, solidariedade, amizade, companheirismo e racionalidade. É preciso que os valores sejam maleáveis, se adaptem as necessidades do momento. Agindo dessa maneira, a Mara poderá concretizar uma vida de conforto, reconhecimento e futuro promissor. A Mari não conseguiria isso e estaria fadada a uma vida parecida com a minha.
Por isso disse à Mara que ela está certa, que concordo com suas atitudes e lhe desejei felicidade, desculpando-me pelo dito e escrito, o que contraria esta posição. Não mudei de idéia e continuo defendendo as teses que racionalizei e argumentei a favor. Claro que a cada dia, alguma novidade se oferece para mudanças nos conceitos e pensamentos, no entanto a espinha dorsal deles continua quase que inalterada. A defesa da racionalidade, da administração possível da emoção, a reação ao pensamento involuntário e a defesa de valores como: humildade e solidariedade, que propiciam a dignidade. No entanto, sou obrigado a reconhecer que esses atributos são totalmente ineficientes para o convívio em sociedade, dificultando, quando não impedindo, a obtenção de vantagens econômicas e de sociabilidade.

Fui no Chico Bento combinar com ele quando poderíamos ir em São José resolver o problema do computador e combinamos pra Terça feira. Ele me disse que, ontem, passou na casa da Marta e que ela e a Mara começaram a falar mal de mim e ele pediu que parassem. Disse que o Luizinho também me defendeu.
Não fui na festa de aniversário do Felipe para evitar constrangimentos.

18/10
Fui com o Chico em São José. Perguntei-lhe o que a Mara e Marta haviam falado de mim no sãbado. Ele disse que quando o Luizinho falou algo sobre mim, a Mara disse: “Não quero nem ver a cara daquele filho da puta.” Ele disse, também, que o Nelson não foi na festa. Disse que a Marta brigara com o Miltom, com a participação das filhas e que esta decidiu que a Marilia terá que decidir entre ela e o Miltom para trabalhar alí, pois do jeito que está, não dá mais.
Embora considere normal que a Mara faça o possível pra me considerar ruim, agarrando-se aos mínimos detalhes que lhe propiciem isso, não é nada agradável saber que age dessa maneira. Fico me perguntando em que deverá se basear pra me considerar dessa maneira. É uma verdadeira loucura, inexplicável, não consigo acreditar que a Mari fizesse algo parecido.
Estou sentindo que a Marta pode ser a causadora desse estado da Mara. O que me indica isso, é o comportamento dela, destilando tanto ódio sobre mim, sem que eu tenha feito absolutamente nada para merecê-lo. A influência que sempre verifiquei que ela tem sobre a Mara, pode ser o desencadeador dessas crises. Se é que são crises. Se tudo não passar de ação do mistério, pode ser que ele use a Marta para provocar esse estado. De qualquer maneira, é muito difícil que não haja a intervenção de algo muito forte, provocando tudo isso.
Esse problema com a Marta, Miltom e o emprego, já era esperado, pois estava demorando pra que isso acontecesse. Mas por que eles precisam criar esses problemas? Por que eles não aconteceram antes? Os motivos de agora, sempre existiram. Por que agora? Será que a reunião familiar propicia a união de forças do mal? Não sei... mas que é estranho, é!

19/10
Estou bem melhor. Sinto uma certa repugnância em relação à Mara. O que ela teria dito no Sábado, na casa da Marta, “Não quero nem ver a cara daquele filho da puta” me incomoda, soa como tremenda injustiça. Continuo acreditando que é fruto do mistério e que ela não é a Mari. No entanto, ela é o objeto dos males que estou sofrendo e não posso deixar de sentir essa repulsa.

Continuo pensando na influência da Marta nos últimos episódios. Tenho quase certeza que ela tem influência, só não sei quanto. Me ocorreu que é como a influência que a Darcy tinha sobre a Célia e a Daiane. Elas viviam em atrito com ela mas eram influenciadas pelo que ela dizia.
Ocorreu-me o fato dos instigadores em revoltas e rebeliões, por exemplo, onde estes podem ser insignificantes, até desconhecidos, mas atiram a primeira pedra e provocam o desencadeamento da violência.
Fico me perguntando: Se a Mara não tivesse contato com a Marta, será que agiria como está agindo?
Quando me disse pelo telefone que as pessoas lhe diziam que agira bem, mas que ela não estava considerando assim, e que gostaria de conversar comigo, pedindo-me para ligar-lhe na Segunda-feira próxima, para marcar-mos um encontro, acredito que estava percebendo a incoerência de seu procedimento. No entanto, voltou atrás e resolveu continuar como estava.
Quando liguei pra ela, alguns dias depois, me disse que iria resolver sua vida, mas que não voltaria porque sabia que em pouco tempo os problemas que motivaram nossa separação, se repetiriam. Estava implícito que, pra ela, as causas da separação seriam muito fortes. No entanto, até aqui, tudo que ela acusou foi a minha crítica, mostrando problemas no seu comportamento e que, como já disse várias vezes, se restringiam ao relacionamento dela com a própria família, dificultando que eles corrigissem os problemas que tem. Se isso for motivo suficiente para a atitude dela, eu é que estou ficando louco.
Me parece que, agora, a causa principal de sua revolta é o fato de eu dizer que ela está sob domínio do mistério, que estaria doente, em fim, que não é ela que está agindo nem pensando. Claro que isso não é agradável, mesmo porque ela acredita que tem total domínio sobre si e que, tudo o que está fazendo é de sua responsabilidade. Nesse caso, ela seria a única responsável por todas as coisas que está fazendo e que não me parece que possa se orgulhar disso.
Quando lhe disse que ela está certa agindo como está; foi encarando que ela está agindo como uma pessoa normal, dominada pelo egoísmo e pela prepotência. Nessa condição, pra conseguir sucesso, o melhor caminho é o que está trilhando. Ser solidária comigo, por exemplo, seria um grande entrave ao sucesso de seus objetivos. Por outro lado, considerando-me uma pessoa ruim, que lhe causou muito mal, se livrará de peso na consciência. e justificará tudo que tem feito. Não duvido, inclusive, que esteja considerando que perdeu esses sete anos que viveu comigo. Seria muito difícil viver com a consciência acusando-a de ter abandonado alguém que tanto a amou, respeitou e fez tudo que estava a seu alcance para que ela fosse cada vez melhor. Não fosse suficiente o abandono, sem qualquer explicação nem a menor oportunidade de defesa, usou todas as possibilidades de prejudicá-lo, inclusive moralmente. Como alguém pode confiar num homem que a ex-mulher, que parecia conhecê-lo tanto, afirmou que ele não merecia o mínimo de confiança, ao negar-lhe usar sua conta bancária, a firma e o crédito no posto de gasolina?
O sucesso da Mara depende de atitudes assim. Os valores da Mari impediriam o sucesso numa empreitada dessas e, acredito, ela nunca se atreveria a tentá-la. O sucesso da Mara depende muito de que me considere uma coisa ruim.
Tenho a consciência tranqüila de ter lhe proporcionado o que estava a meu alcance. Acredito que ela viveu nesses sete anos, o que não teria vivido em vinte se tivesse ficado no Caracy, Jusco ou, até mesmo, Parreiras com o Rodrigo. No entanto, continuo defendendo que para alcançar o sucesso no caminho que escolheu, tem que agir como está agindo e me considerar o pior possível.
A racionalidade me mostra claramente que ela está certa, que para continuar comigo teria que ter muito mais coragem que teve para me abandonar, pois isso a destinaria a uma vida como a minha, abrindo mão de conforto e luxo, defendendo idéias em que acredita e tendo humildade para reconhecer a grande quantidade de erros. Não é tarefa fácil! Já que a Mara conseguiu se livrar dos valores da Mari, torço para que seja eficiente e consiga o máximo possível que as coisas materiais podem oferecer.
Hoje ela faz parte do mesmo grupo que a Marta, Darcy, Teresa e tantas outras.

20/10
Como escrevi ontem, estou sentindo repulsa pela Mara, por ser o oposto do que sempre me causou admiração. Continuo reconhecendo que para obter sucesso nos objetivos que está buscando, está agindo da melhor maneira.
Não consigo deixar de me sentir incomodado. As vezes mais, outras menos. Percebi que o que me angustia mais é a esperança de que volte. Quando considero que não voltará mais, como totalmente perdida, a sensação é menos ruim. O difícil é não considerar que a volta seja uma possibilidade, uma vez que há evidências de que ela está agindo sob influência do mistério. Alguns detalhes não permitem desconsiderar isso. O seu choro, ao se referir à possibilidade do término de nossa amizade, em caso de separação, no dia que foi embora, durante a conversa que tivemos, é um dos indicativos. Seus olhos vermelhos, quase chorando, ao iniciar-mos a conversa na casa da Marta, quando da conversa sobre o trator. O seu pedido para conversar, quando sentiu que não estava agindo da melhor maneira. Além desses detalhes, há a evidência de que a Mari não conseguiria agir dessa maneira. Por isso, é difícil considerar que não voltará ao normal e procure se redimir.
A lógica mostra que as condições que está vivendo, dificultarão muito que isso aconteça. A sensação de liderança, de ser admirada, de estar no comando, é muito gratificante. Sentindo-se amada e sem carência de carinho, aliada ao conforto; tudo isso forma um conjunto agradável e difícil de ser deixado de lado. No entanto, se sua ação se deve ao mistério, ela pode voltar à personalidade antiga e abandonar tudo isso, resgatando os valores que tinha antes.
Sei que se tivesse certeza de que a situação fosse irreversível, me sentiria melhor, no entanto, a emoção não me permite considerar isso e, a racionalidade me impede de considerar que nada mudará. Enquanto isso, continuo nesta angústia. Hoje, ela é muito menor, bem mais suportável mas continua incomodando.

Esse marido que tenho
Quero ver longe de mim
Vou ajeitar minha vida
Isso aqui chegou ao fim

Mandei o patrão escolher
Ou fica ele ou eu
Os dois juntos não dá mais
Agora o sangue ferveu

Tô trabalhando pra fora
Trabalho pra dois patrões
Pra esse traste só volto
Se conseguir uns milhões

Um dos patrões já arrumou
Pra mim um bom casamento
Com um moço ajeitado
Tô pensando no momento

Vou Ter casa e trabalho
Carinho desse rapaz
Viver sem dificuldade
O resto deixo pra trás

Se tudo for ajeitado
Vou trançar bem o baralho
Vou viver as custas dele
Assim nunca mais trabalho

Tô rezando toda hora
Pra esse caso dar certo
Vou pra longe do pinguço
A boa vida está perto

Quero que ele se dane
Que suma nesse mundão
Dele só quero notícia
Quando mandar a pensão

No final da tarde fui no Nelson. O Chico estava lá. O Nelson ainda não havia conversado com o Martim, portanto não tinha resolvido, ainda, o problema de caseiro.
Fui na Maria e entreguei-lhe o poema que eu escreví quando da morte de seu pai. Ela perguntou se era verdade que a Marta e o Martim estavam se separando. Disse-lhe que era o que estavam dizendo. Que achava estranho o fato de não haver nenhum motivo novo, a não ser a reunião dela com as filhas e o Luizinho. Como o Zé não estivesse lá, tomei café e vim embora.
Na volta passei novamente no Nelson e ele continuava sem ter conversado com o Martim.
Comecei a imprimir o arquivo Ponto. Corrigi e imprimi 24 páginas.

21/10
Continuei imprimindo o arquivo Ponto, fui até a folha 85. Depois não pude continuar porque o cartucho de tinta que comprei não funcionou.
O Martim veio morar aqui, pois o Nelson preferiu ficar com a Marta.
Ele disse que não sabe o que aconteceu no Sábado. Só sabe que brigaram e que estavam todos bêbados, inclusive Luizinho, Rose e Mara.
O Nelson veio trazer as coisas do Martim. Conversamos um pouco e ele se referiu ao que havíamos combinado de preparar algum prato, jogar truco e conversar. Disse-lhe que a falta de compreensão do que é a vida, é que nos leva a fazer isso: desconsiderar essas coisas que são simples e que valorizam a vida. Comentei sobre o Luiz Lopes que desperdiçou os últimos meses de sua vida, correndo atrás de uma cura que sabia não ser possível.
Comentei que a Mara teria dito: “não quero nem ver a cara daquele filho da puta” e que isso me machucara, porque tenho consciência de que, nos sete anos que viveu comigo, ela viveu o que não viveria em cinqüenta anos, em outras condições.

22/10
Estou com raiva da Mara e com muita saudade, sentindo muita falta da Mari.
Me ocorreu que a próxima vez que a Mara me procurar, será pra pedir o carro, corroborando tudo o que fez até aqui.
Continuo lendo o Ponto, uma vez que não consigo imprimi-lo por causa da impressora. Estou lendo e corrigindo erros. Já estou na página 113.
Fui no aniversário do Fio e, na saída, quando entrei no carro, chegou um carro, que poderia ser um tempra. Acho que era um Santana da Luz mas, minha imaginação já o transformou num tempra, que, claro, poderia estar trazendo a Mara. Como controlar a mente para que coisas assim não aconteçam?

23/10
Consegui fazer a impressora funcionar e imprimi Ponto até a página 150.
Resolvi tentar escrever nossa história ambientada na construção civil, com um peão e uma engenheira.
A mente oscila entre a condenação do comportamento da Mara e a esperança da volta da Mari. Gostaria de não pensar nem numa nem na outra, esperando calmamente o desenrolar dos fatos com o passar do tempo. O problema é que não consegui descobrir o interruptor que possa desligar esses pensamentos.
Ontem, no aniversário do Fio, comentei com o Chico Bento a maré de azar que estou vivendo. Além da separação, o problema que tive com a equipe do trator, o tê-los que registrar na serraria por não Ter como abrir outra firma; a compra do computador e da impressora que não funcionaram a contento até agora; o fato de ficar sem ajudante na fazenda. Não é a primeira vez que essas fases acontecem.

24/10
Como ia pra Santana da Luz, pensei em ligar pra ela, perguntar como estava e pedir que me escrevesse, contando o que pensa e o que está fazendo, pra que eu a conheça, pois a Mara me é totalmente desconhecida. Tudo que sei dela é o que me contou na época que ia casar com o Valdir e o que tenho sabido, ouvido e visto, agora.
Saí daqui por volta das 11:30hs e liguei pra ela logo que cheguei em Santana da Luz. Ninguém atendeu. Tentei mais tarde e, também ninguém atendeu. Tentei na hora que vim embora e nada.
Estou mais calmo e sem maiores problemas.
Encontrei a Lola na porta da fábrica e lhe paguei o saldo do tanquinho. Quando fui dar-lhe a mão para cumprimentá-la ela me abraçou e beijou. Disse que eu não lhe devia nada, uma vez que eu não comprara nada. Disse-lhe que o tanquinho estava comigo e que achava justo pagá-lo. Ela me convidou pra ir em sua casa. Disse que o Zé Olé vai me convidar para passar o natal com eles.

25/10
Dei uma geral na cozinha, pela manhã. Enquanto lavava e limpava, o pensamento nela me colocava a insensatez de seu comportamento. Me ocorreu que o mais importante não é o “que”, mas o “como “. Como já disse ene vezes, que ela me deixasse, era uma probabilidade grande e considerada em nossas conversas muitas vezes. O problema foi como ela me deixou, seu comportamento. Isso não estava previsto em nossas considerações a respeito de separação.
O fato de fugir de falar comigo, é o mais significativo, inexplicável.
Quando ela mandou me chamar pra conversar a respeito do trator, achei que ela estava quase normal. No início da conversa, ela ficou com os olhos vermelhos, quase chorou. Por que? Na última conversa que tivemos, antes da separação, ela chegou a chorar ao se referir que temia perder nossa amizade.
Na conversa, ela disse que as suas “apologias”, espécie de premonições que sempre teve, haviam voltado. Que essa estada com o Rodrigo era passageira. Que ela tinha um destino a cumprir, que já dissera a ele que ela voltara para que ele tivesse problemas quando ela fosse embora.
Quando lhe disse que estava acontecendo o mesmo que acontecera na época em que ia casar com o Valdir; ela disse que naquela época estava abobada, não conseguia reagir ao que acontecia. Dizendo que, agora, estava consciente, sabendo o que estava fazendo. Disse que, dali em diante, continuaríamos conversando, permitindo-me acompanhar os acontecimentos.
Disse que o Rodrigo é burro. Demonstrando que não tem muito respeito por ele.
Enquanto não entramos no assunto do trator, acreditei que era a Mari que estava falando, com algumas distorções que considerei naturais para a situação. Mas acreditei que fosse ela.
No entanto, quando abordamos o problema do trator, desconfiei que era a Mara que estava ali. Considerar que tinha direito a parte de nossos bens, é mais que coerente, afinal ela me acompanhou em tudo, no tempo que estivemos juntos, e nada mais lógico que tivesse direito a participar do que conseguimos. No entanto, ficou claro que ela pretendia dividir somente o que não era dela, ou que ela considerava assim, como a moto, carro, guarda-roupas, cômoda, etc. Além disso, quando lhe perguntei se estava precisando do dinheiro que essas coisas pudessem lhe render, ela respondeu: “O pior é que estou”. Argumentei que se estava com o Rodrigo e, conforme dissera, ele estava bem de situação financeira, lhe propiciava tudo que ela precisava; pra que estaria precisando de dinheiro? Ela não respondeu. Nesse ponto, acreditei que era a Mara que estava ali. Interesseira, interpretando um papél com a intenção de atingir um objetivo, não dando a mínima para o meu emocional, escancarado, sofrido.
Me saltou aos olhos hoje, sua argumentação aparentemente razoável. Quem não se der ao trabalho de uma análise mais profunda, acreditará que ela está plena de razão. Para verificar isso, fui reler os escritos que ela me mandou.
Escrevi os comentários sob o texto que ela escreveu.

26/10
Os comentários e análises que estou fazendo sobre os textos que ela me mandou, está sendo sofrível. Esta noite dormi muito pouco e mal.
Durante a tarde tive alguns ataques de choro, uma tristeza muito grande.
Como amanhã devo ir à Santana da Luz, pensei em ligar pra ela e perguntar como estava. Pensei, até, em mandar um recado pra Mari, dizendo do quento estou triste.
À noite, me ocorreu o seguinte: Se o mistério provocou tudo isso, nada do que eu fizer vai adiantar. Tudo que tentei, até aqui, foi usado por ela para deformar o que eu disse, criando motivos que justificassem suas atitudes. Portanto, só me resta esperar que o próprio mistério resolva que é hora de terminar, se isso tiver que acontecer. Portanto, não ligarei mais e esperarei os acontecimentos.
Me ocorreu a possibilidade de tentar conversar com a Lola. Pode ser que ela me ouça, dê opiniões, em fim, uma conversa, como não consegui Ter com ninguém, desde que a Mari foi embora. Sinto uma falta muito grande desse tipo de conmversa. Não aguento mais ficar fechado em mim mesmo. Na primeira oportunidade, vou procurar a Lola e tentar conversar.

27/10
Acordei com o firme propósito de não procurá-la mais. Esperar que o mistério determine os acontecimentos. Sinto-me totalmente impotente, sei que os acontecimentos não dependerão de mim. Só me resta esperar.
Desci para Santana da Luz com o Chico Bento, por volta do meio dia. Ele deu carona para a Neusinha, que lhe comunicou que vai haver curso de alfabetização na escola do Matol e que ela já o inscreveu.
Embora tivesse decidido não ligar mais pra ela, uma força incontrolável me fez ligar-lhe. Ela me disse achara ótimo que tivesse ligado, que precisava falar comigo. Que resolvera abandonar o Rodrigo. Que combinara com a mãe, que ficara de ir com o Jacinto, na camionete do Aurélio visitá-la. Só que não será visita. Ela virá embora definitivamente.
Disse ao Rodrigo que virá, por uma semana, para resolver problemas, e receber de algumas pessoas que lhe devem. Que só lhe comunicará sua decisão, depois. Disse que quando chegar, conversaremos, que tem uma idéias.
Me perguntou se ainda estou disposto a ajudá-la. Respondi que sim, que farei qualquer coisa. Ela me pediu para ligar amanhã, à tarde, pois pode acontecer algum problema que impeça a mãe de ir buscá-la. Nesse caso eu daria um jeito de ir buscá-la.
Não me sai da cabeça que pode ser mais um alarme falso. Que amnhã, ela diga que resolveu continuar lá ou coisa parecida. Isso não é tão dificil de acontecer, a experiência já mostrou que isso é uma grande possibilidade.
Eu que já tinha decidido tentar evitar pensar nela, buscando com quem conversar, enquanto o mistério não decidisse que era hora de mudar; volto a ser inundado pela esperança e pela ansiedade. Até encontrá-la, cada minuto demorará meses pra passar. Se pelo menos conseguir a amiga de volta, tudo isso será barato. No entanto, se for mais uma falsidade, terei mais um sofrimento adicionado a todo que já sofri.

À noite comecei a ensinar o Martim a escrever e ler. Ele conhece o alfabeto, o que facilita bastante. Escreveu seu nome, Tora, tomada, piracicaba, toco, toca, etc. Depois de uma hora, o cansaço se mostrou e, ao escrever o nome do pai (José Francisco de Almeida) não conseguiu escrever o Almeida, que já havia escrito seis vezes ao escrever o próprio nome.
O pensamento é uma merda! Ficou especulando o que poderá acontecer amanhã, ou no Sábado.
Ela poderá simplesmente mudar de idéia e não vir para cá.
O motivo que a teria feito sair de lá, poderia não Ter sido a retomada da consciência, mas problemas que tenha tido com ele. Nesse caso, ela não teria mudado e contiaria agindo erradamente.
É provável que não me ame mais, nem um pouco (o que é amar um pouco?). Isso não seria impedimento para que morasse aqui, no entanto, pode ser que não consiga.
O mais importante é que possamos conversar. Que ela diga, o mais detalhadamente possível, o que lhe passou pela cabeça desde os últimos tempos que esteve aqui, até agora. Que se disponha a discutir tudo que observei e pensei. Que consigamos entender o que aconteceu para que possamos decidir o que fazer para evitar a ocorrência de novos problemas.
Poderemos voltar a ser marido e mulher. Poderemos ser amigos, morando juntos. Amigos, morando separados. Se ela não se dispuser a discutir profundamente tudo o que aconteceu, o mais provável é que nem amigos conseguiremos ser. Isso seria o pior.
Uma das coisas que ficou muito clara, é a necessidade dela continuar estudando, mesmo que em casa, para conseguir se expressar e interpretar textos com segurança. Ela precisa verificar o que é administração, seus fundamentos e o que é indispensável para atuar nessa área. Em fim, existem conhecimentos básicos que ela precisa adquirir para se preparar para o que vier.
É muito importante tentar descobrir o que acontece com ela, que a faz agir dessa maneira, nesses períodos (serão aleatórios ou haverá algo que os determine?). Seria aconselhável consultar algum espírita. Desde o começo algo me diz que seria possível encontrar alguma explicação ai. Para isso, é fundamental que ela concorde que algo de misterioso acontece com ela. Acredito que se se dispuser a discutir com serenidade, dificilmente conseguirá justificar que esteve no comando de suas ações, agindo com plena consciência. Se não foi ação do mistério, será muito difícil que ela consiga justificar razoavelmente suas atitudes.
Pode ser pura pretensão minha, mas se ela dispensar minha ajuda, terá dificuldades e problemas que eu poderia evitar-lhe. Acredito que só o mistério ou uma burrice exagerada poderia leva-la a fazer isso.
Não consigo deixar de pensar que, se ela tiver um mínimo de consciência, pedirá que a deixem aqui, uma vez que passarão pela entrada. No entanto, pode ser que se renda a sua mãe e vá pra casa dela, deixando pra me procurar no Sábado ou outro dia. Se fizer isso, será demonstração de desinteresse ou pura falta de consciência.
Por que não esperar serenamente?
Como esperar serenamente, depois de Ter passado tudo que tenho passado?
Sei lá se vou conseguir dormir esta noite.
Tudo isso demonstra o quanto sou impotente diante da emoção!
O que fazer daqui pra frente?
É preciso arrumar uma maneira de conviver com a emoção e o mistério, pois a experiência tem mostrado, indubitavelmente, que impedi-los é impossível.
Uma coisa me parece certa, é preciso aproveitar ao máximo toda oportunidade de felicidade que surgir. Valorizar mais o presente que o futuro, mantendo o passado como uma luz de alerta, como uma maneira de valorizar ao máximo o que temos, impedindo que a rotina ofusque os valores que podemos desfrutar. Acho que isso não depende só de pensamentos, mas necessita de ações concretas. De afastamentos, quando for o caso. De buscar coisas que nos mantenham em expectativa, com esperança de realizações.
Tenho plena consciência de que não é fácil. Desde a última separação tenho certeza de tudo o que disse acima e, no entanto, não fui capaz de me manter alerta. Será que no futuro conseguirei? Espero que sim, torço pra conseguir.
Que Deus me ajude!

28/10
Ontem consegui dormir por volta das onze horas. Acordei as duas e meia e foi difícil voltar a dormir. Estava agitado.
Acordei as cinco e meia, bastante agitado, ansioso, inseguro.
É muito difícil dominar a vontade!
Se cedesse à ela, iria correndo par Parreiras, a pegaria e traria comigo. Esperar, ainda que só por algumas horas, depois de tres meses de espera, parece insuportável. Sei que é uma imbecilidade, pra quem já sofreu por tanto tempo, Ter a possibilidade de ver esse sofrimento acabar em pouco tempo, deveria causar alívio e não ansiedade desesperada.
Acho que a ansiedade é provocada pela insegurança. Não dá pra Ter certeza do que vai acontecer, nem mesmo se virá realmente. Será que terá recuperado a consciência e a racionalidade para que possamos Ter uma conversa produtiva, em busca de soluções? Será que terá força para admitir erros, se isso ficar caracterizado?
Penso no esforço que terei que fazer para controlar a ansiedade, permitindo que ela fale, possa expor tudo o que puder, pois a racionalidade indica que é isso que deve acontecer, para que a sua fala não seja contaminada por minhas idéias. Tenho que controlar a ansiedade, principalmente porque ela não consegue ser objetiva na narração, dando voltas desnecessárias, gastando tempo que poderia ser poupado. Tenho que me controlar e ir anotando tudo o que me chamar a atenção para comentar posteriormente. Conseguirei? Não sei. Se não conseguir, estarei prejudicando o resultado da conversa e a compreensão da realidade.
Vou tentar expor-lhe esse problema, logo no início da conversa, tentando diminuir a força necessária para controlar a ansiedade. Serão necessárias muitas horas de conversa, muita calma e reflexão. É o nosso futuro que estará em jogo, portanto é preciso evitar que nos enganemos, que não nos deixemos levar pela facilidade inicial, nem pela emoção descontrolada.
Será que a solução dependerá de nós ou continuaremos sendo manipulados pelo mistério?

29/10
Quando o Martim chegou, por volta das cinco e meia da tarde; me disse que a Mara tinha chegado.
Chovia. Pensei que esperar até hoje, seria sofrer um inferno com a ansiedade. Resolvi ir lá e Ter um mínimo de conversa, pelo menos para sentir como ela está.
Chamei-a para conversarmos na varanda do Nelson.
Como era de esperar, ela esparrama a conversa, contando e repetindo detalhes de menos importância, deixando de ser objetiva.
Pelo que disse de sua relação com o Rodrigo, ele está apelando para ameaças na tentativa de mantê-la. Por outro lado, disse que pediu permissão a ela para ir à praia ontem. Será necessário juntar muitos detalhes do que aconteceu nessa relação para entender a personalidade dele, o que teria feito a favor de mantê-la e o que fizera na direção de terminá-la. Isso não é tão importante, mas interessante para verificar o que as pessoas são capazes de fazer, a favor ou contra o que pretendem.
Ela falou sobre uma mulher, paraibana, casada com um gaucho, amigos do Rodrigo. É gente simples mas que curte a vida, não perdendo a oportunidade de fazer churrascos e se divertir com os amigos. Essa mulher ficou muito amiga dela. Segundo ela, essa mulher é sensitiva e andou sonhando com ela, fazendo-lhe algumas revelações, como por exemplo: Que ainda não alcançara a “estrela”. Dias atrás, a mulher foi visitá-la, muito triste, dizendo-lhe que fôra se despedir. A Mara lhe perguntou se eles iriam embora, e ela respondeu que não. Que quem iria embora era a Mara.
Ela fugiu de lá, para resolver o problema aqui, onde se sente mais segura. Tem certeza que ele virá atrás dela e não tenho dúvida de que virá mesmo.
Eu lhe disse que se ficasse na fazenda, o Rodrigo teria que procurá-la lá. Que eu o receberia dizendo que ela era minha mulher, que fôra embora por um problema complicado e que resolvera voltar. Portanto, ele deveria se conformar e tocar a vida pra frente, contentando-se com o que teve nesse período. Eu o avisara que isso aconteceria na carta que lhe mandei, no começo da relação, portanto, ele não tem do que reclamar. Disse, ainda, que lhe daria duas opções: ir embora sem causar problemas ou teria que me matar, pois não permitirei que use a força para levá-la.
Coloquei-me a sua disposição para ajudá-la no que for preciso. Que poderá morar comigo como esposa, como amiga, inclusive em casas separadas. Que se optar por morar em Santana da Luz ou outro lugar, poderá contar comigo para o que precisar. Inclusive, que se for o caso, interpretaremos o papel de casal, mesmo não o sendo de fato, para facilitar as coisas.
Falei-lhe sobre o que acho de sua mãe, que é uma coisa ruim, uma influência negativa. Não que ela seja isso, mas sim, que é dominada pelo mistério que a faz agir como age. Ela, aparentemente, está muito ligada na mãe, alegando que, bem ou mal, a está apoiando bastante, prontificando-se a ajuda-la de imediato, sem questionar. O que ela não percebe é que a ação da mãe é sempre na direção de que ela se separe de seus relacionamentos. Ela não se prontifica para ajudar a mantê-los. Por que?
Disse-lhe que eu gostaria que ela investisse em si e que pensei que o melhor, agora, seria que ela passasse um tempo aqui, lendo o que escrevi, colocando sua experiência e análises do que aconteceu. Isso nos possibilitaria Ter um livro mais completo. Além disso, ela aproveitaria para estudar e adquirir o mínimo de conhecimento que lhe possibilite desempenhar trabalhos com mais eficiência e menos dificuldades. Que poderá fazer o supletivo pela televisão, que eu a acompanharia nas aulas e as complementaria.
Coloquei-lhe que não consigo saber com quem estava falando, se a Mari ou Mara. Acredito que a Mara ainda está no comando. Ela não voltou por recuperação da consciência e sim, porque teve problemas no relacionamento.
Disse-lhe que, após analisar bastante, estou convencido que o que fez não foi ato de coragem e sim, de covardia; buscando o que lhe parecia melhor pra si, sem se importar com os males que estava causando. Que coragem, é necessária para agir com responsabilidade e enfrentar as dificuldades que isso ocasiona.
Coloquei-lhe que tem o direito de optar em continuar sendo a Mara, lutando para obter melhorias materiais. Que como Mari, isso será bem mais difícil. No entanto, se optar pela Mara, não conseguirei ajudá-la.
Só resta esperar o desenrolar dos acontecimentos.

Vou tentar fazer uma síntese dos problemas acontecidos (nossa separação) e prováveis causas.
Se deixou levar pela insatisfação, deixando de expô-la e considerando-se auto-suficiente para decidir o que fazer, prescindindo da minha opinião.
Não se limitou a desconsiderar o amigo, passou a me encarar como um grande inimigo, alguém que deveria ser evitado a qualquer custo e que deveria ser combatido, castigado e, principalmente, eliminar possibilidades de reações que eu pudesse Ter.

Até prova em contrário, os motivos que teriam causado a insatisfação, eram pequenos. Basicamente a falta de perspectiva de novos empreendimentos. Ela transparecia estar satisfeita com o progresso do comércio que vinha desempenhando. Se dizia surpresa com o fato de estar gostando daquilo, uma vez que nunca considerara que aquilo poderia satisfazê-la. Por outro lado, houve o problema de minhas críticas. Estas se limitaram a acusar seu comportamento em relação à mãe e irmãos, deixando de criticá-los e orientá-los, agindo no sentido contrário, sendo conivente. Os exageros da festa foram conseqüência disso, demonstrando conivência com um costume ruim. Nessa mesma direção, sempre critiquei o desperdício de tempo, causando problemas desnecessários, como o “enrolar” no Jusco, com conversas sem muito sentido, gastando tempo e condições, que provocavam deixar de fazer algo importante. Por exemplo: esquecer de fazer coisas importantes que estavam previstas, como pegar coisas que deveriam ser trazidas ou deixar de falar algo que pretendiam. Isso me causou muitos desagrados, que poderiam Ter sido evitados, me poupando. O mesmo aconteceu algumas vezes, no acerto de contas ou relacionamento de roupas, com a Marina.
Sempre defendí a eficiência objetivando o maior tempo possível para desfrutar coisas agradáveis. A mãe dela, tias, e talvez até ela, podem considerar que tem prazer em gastar tempo em conversas enroladas, o que é bastante razoável, pois gostar não precisa Ter justificativas. Gosta-se e pronto. Minhas críticas eram no sentido que elas se comportavam egoisticamente, desconsiderando o mal que poderiam estar causando em outras pessoas: eu, por exemplo. Em contrapartida, faltava paciência quando ela é que deveria esperar por mim.
Além do dito acima, as outras cobranças sempre se referiam à necessidade do empenho em aprender.
Em resumo, as críticas eram:
O relacionamento com a mãe e família dela.
Uso de dois pesos e duas medidas na espera.
Pouco empenho no aprendizado.

Um fator preponderante que ajudaria a fazer dessas pequenas coisas, motivo de insatisfação, é o término do amor. No entanto, tudo isso poderia Ter sido evitado, se o problema tivesse sido colocado, o que propiciaria que se salvasse o resto, preservando a amizade e o que ela poderia gerar de benefícios para ambos.

Ela agiu com prepotência, egoísmo e crueldade. Esses são valores diametralmente opostos aos que teve até então. É uma tremenda deformação, que só pode Ter sido causada por algo muito forte, mais forte que sua capacidade de controlar esses distúrbios. Por não conseguir atinar com o que pode Ter provocado isso, considero um MISTÉRIO.

30/10
Ontem no final da tarde, levei a Lia na Mara e fui tentar arrumar o pneu do escort no Chico Bento, mas não foi possível por falta de luz.
Chamei a Mara e lhe disse que achava melhor ela ligar pro Rodrigo, ao invés de esperar que ele venha procura-la. Ela disse que achava a mesma coisa, que já tentara ligar mas não conseguira. Me disse que quer ficar descompromissada, vindo aqui quando lhe der vontade e deixar o tempo correr para ver o que acontece.
Ao chegar em casa, a Lia comentou que a Mara lhe dissera que alguns dos problemas que motivaram a separação, teriam sido:
Que na conversa que tivemos no dia que foi embora, eu teria dito que ela estava nervosa, só que ela entendeu que eu dissera isso como deboche. É mais do que evidente que isso não é verdade.
Que eu, mesmo tendo razão nas críticas que faço a sua mãe e irmãos, proibia que ela gostasse deles. Isso não é verdade! O que sempre defendi, é que ela se empenhasse para possibilitar-lhes mudanças benéficas. Sempre disse que não dá pra desprezar a emoção e deixar de gostar de quem a gente gosta. Mesmo porque, seria um tremendo absurdo que eu pedisse pra que os esquecesse ou desprezasse. O que sempre critiquei foi o fato de ela se deixar influenciar muito por eles e ser conivente com muitas coisas erradas que fazem.

Na volta de Santana da Luz, onde fui acompanhar a Lia até o borracheiro, passei na venda. A Mara, Marta e Felipe, estavam lá.
Pedi pra conversar com ela e lhe disse que estava achando que algo a estava forçando a me considerar uma coisa ruim, perigosa. Que isso se caracterizava pela sua insistência em buscar motivos que propiciassem mostrar minha culpa, que justificaria suas atitudes. Exemplifiquei com o que escrevi acima. Ela disse que a Lia teria entendido mal. Argumentei que é possível, mas que nos escritos que me mandou, isso fica bem caracterizado.
Disse-lhe que havíamos sido muito felizes, mesmo enfrentando muitos problemas. Que, agora, estamos infelizes, por motivos insignificantes. Principalmente por falta de diálogo que nos permitiria resolver os problemas e encontrar um caminho que nos aliviasse e possibilitasse que, se não conseguirmos voltar a ser felizes, pelo menos eliminemos as causas da infelicidade.
Ela voltou a dizer que iríamos conversar, sem compromissos nem obrigações. Que não deveríamos nos afobar, esperando o melhor momento para que isso acontecesse. Que virá em casa, passando o dia ou quantos as condições e vontade determinarem.
Perguntou-me se eu toparia ir com ela pra São Paulo, caso a Marina lhe pedisse para ir limpar sua casa. Prontifiquei-me a ir.
Pedi-lhe que se livrasse do que possa induzi-la a me ver ruim ou perigoso. Que seja amiga e, principalmente, sincera. Ela prometeu que fará isso.
31/10
Estou bastante tranqüilo, esperando que venha para começarmos a conversar na busca de soluções. Claro que ainda estou ansioso para que isso aconteça o mais rápido possível. Como não poderia deixar de ser, está chovendo, o que dificulta que venha.
Estrategicamente, estou agindo totalmente errado, tornando-me muito fácil, totalmente disponível e, pior, sem necessidade. Poderia ir me disponibilizando à medida do necessário. No entanto, declarei que estou totalmente disponível, disposto a colocar minha vida a sua disposição. É a mais absoluta verdade, mas um erro estratégico, que desvaloriza minha disposição.
Claro que não me será possível ajuda-la a fazer besteiras, cometer erros identificados com antecedência, em fim, não conseguirei ajudar a Mara. No entanto, pela Mari farei qualquer coisa, tentando até o impossível.
Me ocorreu como a atitude do Rodrigo foi idiota, quando ela lhe comunicou que não voltaria mais. Disse-lhe que se não voltasse ontem, que não precisaria voltar mais. Pode ser que assuma isso, no entanto, é um comportamento comum nas pessoas. A Darcy vivia fazendo coisas desse tipo. Fecham a porta definitivamente, um milhão de vezes, sempre da mesma maneira, com as mesmas ameaças. Será que não percebem a imbecilidade de tal comportamento?
Que será que aquele idiota fez, ou deixou de fazer, para propiciar que ela o deixasse?

Gostaria de ouvir
Roncar aquele motor
Pneus amassando barro
Trazendo o meu amor

Olho pra estrada vazia
Me aperta o coração
Imagino estar chegando
Vejo que é ilusão

Por que não chega e me acalma?
Pra que tanto esperar?
Se pra me deixar feliz
Só é preciso chegar?

Pareço alguém no deserto
Que viu água na distância
Parece não chegar nunca
É o sofrimento da ânsia

Sinto que ela está bem perto
Quase ao alcance dos dedos
Porém aumenta a distância
Provocada por meus medos

Não vejo a hora de ouvi-la
Falar-lhe do que pensei
Descobrir o nebuloso
Conhecer o que não sei

A estrada segue vazia
Sem marcas naquele chão
As únicas marcas fortes
Estão no meu coração

Cinco e meia da tarde. Ela não apareceu, embora tivesse parado de chover no meio da manhã, saindo o sol e secando a estrada.
Por que continua relutando em conversar comigo? Parece que qualquer coisa é mais importante que eu. Que pode estar fazendo lá, que seja mais importante que conversar comigo? Será que tenho tão pouca importância assim? Pode parecer auto piedade, mas é uma constatação.
Pode ser que esteja ordenando as idéias, pensando no que vai dizer, procurando alguma estratégia, sei lá! O que sei é que não dá pra ficar feliz com isso, nem mesmo manter a tranqüilidade. É difícil!
Sinto uma pressão no estômago, ansiedade insatisfeita, nervosismo. O Martim disse que o Nelson chegou no final da tarde. Pensei que pra conversar com a Marina ela arrumará tempo, enquanto eu continuo esperando, ansiosamente. E o pior é que nem posso reclamar, pois ela disse que viria quando quisesse, quando desse. Quer dizer, só depende dela, não posso fazer outra coisa que não esperar.

01/11
Passei muito mal ontem à noite. Peito pressionado, sufoco muito grande. Uma espécie de revolta.
Acordei melhor, mas o fato de ela continuar me evitando, evitando de conversar, está me fazendo muito mal. A mesma pergunta continua sem resposta: Por que esse medo de conversar comigo?
Já lhe disse que não deve se sentir culpada. Que qualquer coisa que me diga não será pior do que já imaginei. Que compreendo que o seu amor possa Ter acabado. Que gostaria de tê-la como amiga, que possamos discutir e buscar entendimento do que aconteceu. De que ela pode Ter medo de conversar comigo?
Me parece que esse medo é proveniente de não suportar a verdade do que aconteceu. Não conseguir admitir que perdeu o controle, que foi incapaz de realizar as mudanças pretendidas ou coisa desse tipo.

02/11
Hoje faz três meses que ela foi embora. Três longos meses!
Sonhei com ela alguma coisa que me deixava tranqüilo. No entanto, acordei e logo me assaltou o pensamento involuntário, me dizendo o quanto ela está sendo insensível.
O que deverá passar pela cabeça dela? É a mesma situação desde que foi embora. Foge de conversar comigo. Só se dispôs a fazê-lo quando pressionei, por telefone e quando a procurei na Sexta-feira que voltou, no Sábado e no Domingo. Fora isso, me procurou duas vezes por interesse seu, no caso do trator e quando pediu a moto.
Já tentei de tudo pra não pensar nisso, nem nela. Não consegui. É mais forte que eu, me atormenta o tempo todo, ocupando meu pensamento e, pior, repetindo sempre as mesmas coisas. É terrível! Incomoda uma barbaridade, não dá sossego. E pensar que tudo isso poderia ser minimizado por uma conversa abrangente com ela.
Venho questionando e, inclusive, comentei com ela no Domingo; que estou acreditando que sua amizade me deixaria satisfeito. No entanto, é possível que se ela se concretizar, continue insatisfeito, demonstrando que a grande falta é da mulher, de ser amado. Isso só se esclarecerá se a amizade for retomada, demonstrando se será suficiente ou não.
Pensei que ela pode Ter ido embora novamente. Pra qualquer lugar. Inclusive voltado pro Rodrigo Nessa loucura tudo é possível. Pode Ter ido com a Marina pra São Paulo. Não sei. Pensei em tudo isso e não me parece estranho que o faça.
O que não me sai da cabeça é o fato de fugir de conversar comigo. É inexplicável, não consigo atinar com um motivo que fosse razoável. É um tremendo mistério!

ELA E SEUS PENSAMENTOS(?)
Ele vai Ter que esperar bastante, se depender de eu procura-lo.
Não posso lhe dizer que não quero conversar. Não teria como justificar isso. Ele não acreditaria. Mas não quero.
Vai ser difícil justificar aquelas bobagens que me encheram o saco e me fizeram abandoná-lo. Por que justificar? Encheu o saco e pronto! Mania que ele tem de querer justificativas pra tudo. Encheu o saco, não quero mais e acabou! É tão difícil entender isso?
No entanto, não posso afastá-lo totalmente, definitivamente; afinal, sei lá se vou conseguir resolver os problemas numa boa. Pode ser que precise dele. Por isso não posso dar-lhe um “chega pra lá” definitivo.
Ter ido com o Rodrigo, foi uma cagada sem tamanho. Arrumei mais um problema pra Ter que evitar. Como justificar um negócio desses? Saco! Justificar, justificar, justificar... é um saco! Por que Ter que justificar? Tá feito e acabou. A vida é minha e faço dela o que quiser. Já dei muita cabeçada e paguei o preço. Ninguém veio segurar a bronca por mim. Então, por que Ter que justificar?
Que que eu vou fazer agora? Precisava arrumar uma casa pra morar, um trabalho e uma escola pra estudar. Se for trabalhar em fábrica, o salário mal vai dar pra pagar o aluguel, luz e água. Se conseguir terminar o segundo grau, vou pra faculdade. Como?
Até lá dou um jeito.
Só preciso evitar me encontrar com ele. Vai querer saber de muita coisa que não estou a fim de dizer. Vai querer me ajudar e, até que seria bom. O problema é que vai querer ficar por perto, me questionando, me apurrinhando o saco. É melhor me afastar dele, evitando que me perturbe as idéias.
Mas não posso despreza-lo de vez. Pode ser que precise dele. Ainda bem que é fácil engana-lo. É só ir prometendo que vamos conversar, que tudo é possível. Ele fica pensando que ainda poderei voltar pra ele, que estou doente, sob domínio do mistério e que, isso vai passar e voltarei a ser o que era. Ele que espere sentado! No entanto, enquanto pensar assim, vai ficar esperando, a minha disposição. Se precisar, é só fingir que voltei a ser como era.
Só de pensar em voltar a ser aquela besta que eu era, me dá arrepios. Como consegui viver tanto tempo com um cara assim? Eu não era eu. Era o que ele imaginava que eu era. O pior é que eu era o que ele queria que eu fosse. Acho que estava enfeitiçada por ele. Era uma boneca nas suas mãos. Como pude agüentar tanto tempo?
Agora vou tomar conta da minha vida. Chega de ser o que os outros querem que eu seja. Vou ser eu mesma, Mostrar minha capacidade. Coragem não me falta, disposição pra trabalhar, também não. Conheço algumas coisas e não sou burra. Afinal, tenho tudo pra conseguir. Não preciso ficar dependendo de ninguém. Vou à luta sozinha!
Preciso estar pronta pra prometer e não cumprir quando ele aparecer. E se não aparecer? Se demorar pra aparecer, vou Ter que ir atrás dele. Não posso deixar que se afaste definitivamente. Mas ele vem. Não consegue ficar muito tempo longe de mim. Tomara que venha. Tomara que não force a barra. Tomara que acredite nas promessas que eu fizer.
Quem ele pensa que é?
Critica todo mundo. Pra ele, todo mundo está errado. Defende que todos tem que Ter humildade. E ele? É pura prepotência! Acha que sabe o que é melhor para os outros e quer que mudem de qualquer jeito, não aceita que sejam como são. Por que?
Cada um é como é. Ninguém tem o direito de querer mudar ninguém. Se alguém tem que mudar, é ele. Ele é que precisa entender que cada um tem o direito de ser com é. De não ser obrigado a mudar só porque alguém acha que está errado.
Querer que eu me afaste da minha mãe é demais! Ela é ignorante, burra e comete um monte de erros. Mas e daí? É minha mãe, gosta de mim, só quer o meu bem. Por que vou me afastar dela? Ele que se afaste da dele, que é uma cobra, falsa, mentirosa. Por que ele acha que pode me dizer de quem devo me aproximar ou de quem devo me afastar? Por que ele é que tem o direito de julgar quem é bom ou ruim pra mim? Ele que vá se foder! Seu fim é ficar sozinho, abandonado por todos e será bem feito. Se ninguém serve pra ele, tem que se afastar e o preço vai ser ficar sozinho.
Nasci e morei a maior parte da minha vida aqui. Eu sei como as pessoas gostam e fazem festa. Ele resolveu que o jeito deles está errado. Que não é assim que se faz uma festa. Que a turma exagera no tamanho do bolo, que faz muita comida. Aqui é assim mesmo. Tem que Ter bastante pra não faltar. Precisa sobrar e a turma levar pra casa. Você acha que a turma vai começar a fazer bolos pequenos e pouca comida, só porque ele quer? É muito besta mesmo! Aqui o pessoal é pobre mas não é ridico. Pode passar necessidade, mas quando recebe visita, trata bem, oferece tudo.
Ele quer que eu estude em casa. Já falei que em casa não tem graça. Não dá vontade de estudar. Pra estudar tem que ir na escola, com professor, com colegas. Isso é que é estudar. Não, ficar em casa, assistir aula pela televisão e, depois, ficar agüentando ele, todo nervoso, cada vez que a gente não entende alguma coisa. Acho que ele não percebe, mas ninguém agüenta esse nervosismo dele. Acha que a gente tem obrigação de aprender só porque ele está ensinando. É muita prepotência! Quando eu ia na escola, ele queria me ajudar a fazer os trabalhos. Será que ele não sabe que o aluno é que tem que fazer o trabalho, sem ajuda?
Vive dizendo que sou influenciada pela mãe e pelo Luizinho. Ele não sabe o que está dizendo. Pensa que sou o que, pra ficar sendo influenciada pelos outros? Eu sou mais eu. Ninguém me influencia. Faço o que tenho que fazer e pago o preço. Por isso, ninguém tem nada a ver com minha vida.
Vou provar que não preciso dele pra nada. Vou trabalhar, estudar e morar sozinha. Me aguardem. Daqui a algum tempo, mostrarei o meu diploma de faculdade.

Ele quer me ajudar
Me enche a paciência
Diz que sou o seu amor
Ele é minha penitência

Diz querer ser meu amigo
Insiste pra conversar
Quer que diga o que não quero
Consegue me apurrinhar

Ainda me livro dele
Vou mostrar capacidade
Mostrar que ele está errado
Comigo está a verdade

Me sufocou tanto tempo
Não sei como agüentei
Tanta encheção de saco
Nesse tempo é que errei

Troquei minha mãe por ele
Pensei que tinha razão
Confesso que agi errado
Desculpe mãe e irmão

Pensei que fosse amor
Mas não passou de engano
Ilusão da apologia
Ou do mistério profano

Agora estou com vocês
Não quero ele pra mim
Vou cuidar da minha vida
Esse amor chegou ao fim.

03/10
Sonhei com ela, mas não sei o que. Era tranqüilo, estava em paz.
Noutro sonho, o Vitor apareceu na porta da sala, de guarda-chuvas e ficou parado com aquela cara de boi sonso. Perguntei-lhe se viera a pé e ele disse que o carro atolara na estrada. Que viera me chamar pois os caras que estavam com ele não tinham a menor capacidade para ajuda-lo. Foi só.
Estou num estado deplorável e não estou conseguindo sair dele. Não consigo me livrar do pensamento involuntário, que me repete a cada segundo que ela está sendo egoísta ao extremo. Insensível, desconsiderando meu sofrimento, se negando a conversar, por puro medo. Medo do que?
Continuo me questionando sobre o que eu teria feito que justificasse a atitude dela. Pode ser que meu estado de espírito não me permita descobrir, no entanto, não consigo imaginar o que pode ser. Teria que ser uma coisa muito ruim, mas tudo o que posso lenbrar, podem ser consideradas bobagens. Provavelmente o que pra mim parecem bobagens, devem ser significativas pra ela. No entanto, se me desse chance de explicar, acho que ela também poderia reconhecer que não passam de bobagens. Sócrates tinha razão: “Só sei que nada sei”
Outra coisa que me deixa incomodado é o ódio que a Marta nutre por mim. O que o teria provocado? Ele não é novo, mas o que o teria renovado? E o inicial, por que surgiu? Que me lembre, a primeira vez que ela se revoltou contra mim, foi quando interferi, defendendo a razão do Luizinho que pretendia voltar pra casa, pra cuidar da fazenda, onde era caseiro. A Marta queria que eles ficassem na casa dela para dormir. Nesse dia, ela demonstrou odiar minha interferência. Agora, com certeza, não fiz nada. Ela interpretou mal o que eu critiquei na Mara, acreditando que a crítica se dirigia a ela. Deixei bem claro que não era isso. A Mara reforçou o que eu dissera, dizendo que a criticada era ela e não a mãe. Portanto, não houve qualquer motivo para sua atitude. Será que esse ódio dela por mim tem alguma interferência no comportamento da Mara, levando-a a fazer o que está fazendo comigo? Não sei.
Não estou conseguindo me livrar desse mal que me acomete. É um nervosismo vibrante, me sacudindo, me fazendo sentir muito mal. Pela manhã fui roçar carafá na estradinha. Depois fui até o sítio do Pedro tentar achar onde estão plantando eucalíptos e não achei. Não adiantou nada, continuo da mesma maneira. Mal!
Acho que sou fraco frente à emoção. No entanto, há de se considerar que não me faltaram motivos para sentir o que tenho sentido. Perder um amor tão grande, de uma hora para outra; Ter sido tratado como fui e estou sendo, acusado de agir mal, sem o mínimo direito de defesa. Pior ainda, sem acusação direta. Tratado como algo perigoso. Sem receber o menor gesto de solidariedade a não ser por parte da Lia. Acho que são motivos suficientes para justificar meu sentimento. Está claro o esforço que tenho feito para usar a razão, me opor à emoção e aos pensamentos involuntários. Mesmo assim, o resultado é sofrível, não consigo me livrar desse mal, não consigo esquecer.
Hoje, se não foi o pior dia que passei, foi um dos. Foi muito ruim. Chorei bastante, sentindo aquele aperto no peito, dominado pela emoção e pelo pensamento involuntário, sem conseguir reagir, mesmo tentando muito.

04/11
Novamente sonhei com ela. Um sonho tranqüilo, mas não me lembro o que sonhei.
Acordei péssimo. Da mesma maneira que passei o dia e fui dormir ontem.
Decidi ir buscar o carro, para trazer as ferramentas que estão nele, pra consertar a bomba. Também pra ir no final do dia, tentar conversar com a Lola, na tentativa de poder aliviar minha angústia através de um diálogo. Não sabia se seria possível, ou se adiantaria alguma coisa. Só sabia que precisava tentar alguma coisa para tentar evitar a explosão que estava eminente pra acontecer em mim. Sentia os nervos tremer, o sangue ferver, a cabeça girar. Peguei a moto e sai em busca de uma UTI, que pudesse tratar meu desespero, sentimento de fracasso, que pudesse conter a explosão que estava prestes a acontecer.
Como não tinha notícias dela desde Domingo, considerei que ela poderia Ter ido embora, inclusive que pudesse Ter voltado pro Rodrigo. É muito difícil pensar em coisas boas quando se está nesse estado. Até como uma espécie de auto-proteção , esperando o pior pra não sofrer mais uma decepção. Isso nos faz considerar o pior, pois qualquer coisa diferente disso será lucro.
Ao chegar vi o carro estacionado. Quando me aproximei da casa, vi-a através do vitrô da cozinha. Me senti gratificado, embora a determinação de procurar a Lola continuasse firme como única solução possível para tentar me aliviar. Não poderia considerar que a Mara pudesse me ajudar, uma vez que tivera quatro dias para atender meu pedido e não se dispusera a fazê-lo. Se eu tentasse conversar agora, seria como das últimas vezes: Ela conversaria, não por estar disposta a isso, mas porque se considerava obrigada a fazê-lo, por não Ter justificativas para negar-se a isso.
A razão me dizia para pegar a chave do carro, entrar nele e ir embora. A emoção me obrigava a esperar uma oportunidade de conversar, encontrar o alívio tão desejado. Me mandaram entrar. Fiquei na porta sob a atuação de duas forças opostas. A emoção me empurrava pra dentro, acreditando na possibilidade de conseguir alívio; a razão me puxava pra fora, tentando evitar o aumento da pressão que poderia provocar a explosão antes de conseguir o socorro pretendido.
A pressão era tão forte que não sei descrever o que aconteceu entre o tempo que fiquei parado na porta e o início da conversa. Só me lembro que ela disse que a mãe iria trabalhar, o que nos permitiria Ter uma conversa ali.
Também não consigo descrever como foi o início da conversa, estava confuso, não acreditando que aquilo estivesse acontecendo, pois estava convencido de que não haveria chance pra isso. A emoção a flor da pele. A razão extremamente desconfiada, o coração disparado, a respiração ofegante, em fim, pura confusão, congestionamento mental.
A conversa começou a acontecer, a mente foi se descongestionando, comecei a considerar que a conversa poderia realmente acontecer e a esperança ressuscitou. Cambaleante, desconfiada, mas foi se fortalecendo a medida que a conversa evoluia.
Ela falava bastante mas não dizia quase nada. Considerei que era uma espécie de fuga, uma maneira de gastar o tempo falando, sem dizer nada. Falou sobre a viagem que fez com um casal de amigos, para Americana, onde conheceu um casal, donos de uma churrascaria, para quem o casal, que fôra com ela, trabalhara tempos atrás. Falou sobre a agência de empregos gaucha que manda garçons gauchos para churrascarias de todo o Brasil. Falou sobre os alojamentos que eles ocupam nas próprias churrascarias, da figura relaxada do proprietário em contraste com a elegância de sua esposa. Falou sobre o que conversaram, da visita que fez à casa deles, do quanto a casa era boa, da mulher que se transformou, trocando a vestimenta que estava por shorts, camiseta e chinelos. Falou sobre as trigêmeas cinqüentonas que moravam numa espécie de condomínio particular, com uma casa para cada uma, cujas portas de entrada se defrontavam. Que quando chegaram, cada uma saiu à sua porta, dando impressão de que uma imagem se refletia em dois espelhos, formando três imagens iguais. Comentou que além das trigêmeas serem iguais, todo o resto, nas suas casas, também era exatamente igual. Achou interessante o fato de elas trabalharem em casa, cuidando de crianças, como babás, que ao invés de irem à casa dos patrões, recebem os filhos deles na sua própria casa. Em fim, coisas interessantes, relato de uma viagem e do conhecimento propiciado por ela. No entanto, sem relação prática com nosso problema. O tempo passava e o nosso problema específico não tinha chance de se expor, de ser analisado.
Devagar, o tema principal começou a Ter chance de ser considerado. Ela começou a descrever algumas coisas que haviam acontecido, coisas que lhe passaram pela cabeça, conversas que tivera, em fim, começaram a surgir raios de luz na escuridão que me dominava.
Pudemos confrontar conversas que tivemos com as mesmas pessoas e o conflito entre o que elas disseram a ela e a mim.
Coloquei-lhe o absurdo do que estava acontecendo. Do quanto fôramos felizes enfrentando tanta dificuldade, contrapondo-se a tanto sofrimento sem causas que o justificassem. O mistério que envolvia os acontecimentos, em fim, o quanto somos suscetíveis a coisas que independem de nós, frente as quais somos impotentes, sendo arrastados por forças estranhas, levados para onde nunca quisemos ir.
Foram quase oito horas de conversa. Ela continua em dúvida sobre o que fazer. Ainda não está convencida de que voltar pra junto de mim seja um bom caminho. Reafirmei-lhe minha convicção de respeitar sua total liberdade, de fazer o que estiver a meu alcance para ajuda-la no que for melhor pra ela. Mesmo assim, ela continua reticente, em dúvida se é melhor continuar alí, trabalhando como diarista, ou voltando pra junto de mim, buscando aprender com nossa experiência, tentando entender o que aconteceu e buscando registrar os dados e análises, por escrito, para que isso possa contribuir para o conhecimento da própria humanidade.
Cheguei ali necessitando de UTI, muito mal. Saí aliviado, com esperança, com a consciência de Ter feito o que estava a meu alcance para esclarecer o que estava completamente nebuloso. Pude perceber que nem tudo são sombras, que há quem considere que nossa reconciliação poderia ser a melhor solução. Se isso não é garantia de uma reconciliação, mesmo que restrita à sinceridade de uma amizade; é muito quando comparado com a tragédia que vinha acontecendo, desde a separação.
Na volta, quando parei na venda pra comprar pão, recebi a solidariedade do Fio que, meio bêbado, me confessou o quanto sentia o sofrimento do amigo, de que pedira à Mara pra voltar pra mim e chorou. Pode ser que para a maioria das pessoas isso não passe de uma bobagem de embriaguez. Pode ser. No entanto, senti sinceridade e isso me tocou profundamente, como um sinal, que somado aos outros, pode indicar o início da solução.
Acredito Ter feito tudo que a minha capacidade permitiu. Se não fiz mais não foi por falta de coragem ou de vontade, mas sim por flata de capacidade. Só me resta esperar, agarrado na esperança como verdadeira tábua de salvação e torcer para que o rumo dos acontecimentos derivem para a busca da felicidade. Como eu disse à Mara, se a reconciliação for possível, tenho certeza que o preço pago terá sido muito barato ao considerarmos o conhecimento e crescimento propiciado.

05/11
Só consegui dormir depois das três e meia da manhã. Estava tranqüilo, mas o sono não vinha.
Hoje, por volta das três horas da tarde, fui no Nelson. A Mara ainda não havia chegado. Depois de um tempo o Nelson me convidou pra ir até o Aurélio. Aceitei porque a Mara estava trabalhando lá e, assim, eu poderia saber se demoraria ou não pra vir. Ela me disse, com muita frieza, que não sabia a que horas terminaria o trabalho. Estava estranha.
Voltei pro Nelson e, quando já me decidira ir embora, sem espera-la, ela chegou. Era outra, tranqüila, mas aparentando cansaço.
Fui com o Nelson até a venda e comprei um vidro de leite de coco que ela me pedira. Na volta, entreguei-lhe o vidro e perguntei se queria conversar ou preferia descansar. Disse que a Marina lhe pedira pra acertar umas contas ainda hoje, pois ela pretendia ir embora amanhã. Pediu pra deixarmos a conversa para amanhã a tarde, quando ela voltar do trabalho.
É estranho. Alguma coisa a afasta de mim. Quando conversamos com liberdade, como ontem, ela fica leve e descontraida. Porém, quando lhe disse o que achava de uma reconciliação, respondeu de imediato, sem pensar, que era impossível, no momento. Perguntei-lhe o porque do Impossível e ela alegou que não era isso, mas não conseguiu dizer outra coisa. O que será que provoca isso.
Quando nos afastamos, como de ontem pra hoje, essa coisa se apossa dela novamente. Acho que se fosse possível, me evitaria. Parece que é a mesma coisa que a fez ir embora. Não conseguiu explicar o que é até agora. Preciso insistir nesse ponto, tentar descobrir o que está causando isso.
Ontem, quando me despedi pra vir embora, ela me disse que queria falar comigo hoje, a respeito do que conversara com a dona do sítio em que está trabalhando como diarista e que combinou trabalhar um mês inteiro, aprendendo a cozinhar alguns pratos que eles consomem. Hoje não disse nada e preferiu adiar a conversa para amanhã.

06/11
Dormi cedo, antes das nove e meia, estava com muito sono por Ter dormido muito pouco na noite anterior. Tive um sonho esquisito, como membro de algo como um partido político ou associação desse tipo, eu tinha que matar um homem. Ele estava sentado atrás de uma mesa, como quem despacha normalmente. Eu, de revolver na mão, do lado de fora da sala, via-o através de um vidro. Eu reagia e não conseguia imaginar-me fazendo aquilo. Acordei e me livrei do drama.
Hoje cedo me veio à mente o absurdo do que está acontecendo. Os motivos para o abandono, daquela maneira, ainda continuam obscuros, desconhecidos. Até aqui, são só especulações: A insatisfação pela falta de perspectivas de realizações atraentes, minhas críticas e a gota d’água, a festa de aniversário. Esses são motivos lógicos, mas a própria lógica mostra que são insuficientes para justificar a maneira como a decisão foi tomada e, principalmente as atitudes posteriores.
O que me atenta agora é a dificuldade de identificar os detalhes do acontecimento, a realidade, o que ela sentiu realmente, como seu pensamento agiu, o que passava por ele, como ela se sentia, o que imaginava fazer, que projetos tinha para realizá-los.
Vou preparar um questionário com o objetivo de tentar esclarecer essas coisas.
-Na Sexta-feira à noite, quando fomos levar a Maria Lola e sua mãe em casa, na volta, falei sobre o exagero do bolo e você concordou, alegando que a decisão fôra da confeiteira. Você concordou numa boa. Tua reação mais forte foi, quando no banho, falei sobre o uso de dois pesos e duas medidas, quando se faz esperar ou tem que fazê-lo. Mesmo assim, embora não conversássemos mais, você me abraçou na cama. O processo deve Ter começado durante o Sábado, principalmente durante a festa.
1-Como esse processo começou e o o que você pensava?
2-Na Segunda-feira, na roça de mandioquinha, o que você pensava e o que conversou?
3-Nesse dia, o que te fez ir pra casa da mãe ao invés de vir pra cá?
4-O que sentiu durante a conversa que tivemos na Terça-feira?
5-Por que resolveu ir embora antes da minha chegada?
6-Sabendo da reação que você tinha contra o Rodrigo, o que você você pensou que levou a aceitar se relacionar com ele?
7-Como você se sentia nos braços dele, trocando carinhos?
8-Se enquanto estava com ele pensou em mim, o que pensou?
9-O que sentiu ao me impedir de usar a conta, fechar a firma e a conta no posto?
10-O que estava sentindo quando disse que queria conversar comigo?
11-Você disse que não voltaria pra mim, porque em pouco tempo as coisas se repetiriam, provocando nova separação. Quais motivos?
12-O que sente, que te faz reagir tão instantaneamente, contra, a volta pra mim?
13-Você conseguiu se relacionar com o Rodrigo, mesmo contra tudo que te fazia rejeita-lo. Está me vendo como pior que ele?
14-Por que a rejeição de ir em casa? Medo de mim? Do lugar? Ou do que?
15-O que te faz sentir melhor na casa da mãe do que comigo?
16-Quais os problemas que você vê em mim agora?
17-Como você se sentiria se eu tivesse outro relacionamento?
18-Quando você percebeu que não me amava mais? O que sente hoje?
19-Na Sexta-feira, você disse que queria conversar sobre o que combinara com a Arlete, dando importância a me falar. No Sábado você apresentava desanimação e me dispensou (educadamente) alegando acerto de contas com a Marina. Poderíamos conversar depois disso. Por que não?
20-Se a insatisfação por falta de novidades, foi um dos motivos da separação, por que você prefere, agora, trabalhar pra Arlete ao invés de investir no estudo do que aconteceu, de matérias do nível médio e no me ajudar a escrever as análises sobre a vida?
21-Se você está ocupando esse tempo pra se questionar e descobrir o que realmente quer, por que não me conta, não discute comigo, sabendo que isso poderia te ajudar a encontrar algum caminho?

Fui no Nelson as quatro horas da tarde, horário que havia combinado com a Mara. Ela chegou pouco depois das seis.
Enquanto a esperava, fiquei conversando com a Marina. Ela continuou me surpreendendo com seus conceitos e preconceitos.
Ela comentou que, quando o seu filho era pequeno, reclamava do comportamento do pai que o tratava da mesma maneira que fazia com os filhos dos amigos. Que ele alegava que sendo filho, deveria receber um tratamento diferenciado. Ela concorda com com o filho. Disse que sempre deu os melhores presentes que pôde, ao filho. Que agora ele retribui isso. Deu-lhe um computador de última geração, dizendo (brincando) que ainda não pudera comprar-lhe o mercedes que ela gostaria de ganhar. No entanto, ela considera que se ele tiver condições, ela ganhará o mercedes. Ela acredita que o filho tem obrigações para com ela, como retribuição ao que ela lhe proporcionou. Disse-lhe que eu penso exatamente o contrário; que dei às minhas filhas o extritamente necessário e que era minha obrigação. No entanto, elas não tem qualquer obrigação de me presentear, nem mesmo socorrer, em caso de necessidade.
Ela comentou o fato de que o cunhado, irmão do marido, morou na sua casa por vários meses, comendo, bebendo e dormindo, sem pagar nada, enquanto trabalhava na região. Disse que mesmo sendo pintor de paredes, dos bons, nunca se atrevera a oferecer-se para pintar uma única parede de sua casa, mesmo chegando cedo do trabalho. Disse que ele chegava por volta das quatro horas da tarde, o que lhe permitiria pintar um pouco por dia, sem maiores sacrifícios. No entanto, ao invés disso, ele se dedicava a tomar as cervejas da geladeira dela. Ela não perde oportunidade de criticar o protecionismo do marido em relação ao irmão. Disse que o marido pagou, inúmeras vezes, a pensão devida pelo irmão à ex-mulher. Ao que tudo indica, o cunhado é assim mesmo. Porem, ela não perde oportunidade de criticá-lo, repetindo, incansavelmente, os prejuízos que ele lhe causou.
Ao mesmo tempo que defende o acerto de dar o máximo possível ao filho, nega o direito, ao marido, de amparar o irmão. Aparentemente os dois cometeram exagersos e não parece justo que ela critique no marido atitudes que ela confessa Ter cometido. Ele com o irmão e ela com o filho.
Quando a Mari chegou, sentamo-nos nos troncos do cedro.
Li algumas poesias pra ela e quando pretendia começar o questionamento, ela interrompeu e disse que gostaria de falar o que estava acontecendo. Disse que acordara por volta das cinco horas da manhã e teve impulso de vir em casa. Como só iria trabalhar as oito horas, poderia ficar comigo até as sete e meia, sem problema. Acabou não vindo, mas ficou registrada a vontade.
Disse que gostaria que tivemos um relacionamento sem compromisso, ela morando lá e eu aqui. Que ela viria me visitar, conversaríamos, leríamos, estudaríamos, namoraríamos, em fim, faríamos o que rolasse, desse vontade. Que ela gostaria de experimentar isso e, mais pra frente, veríamos o que aconteceria.
Disse-lhe da minha preocupação com o tempo que estávamos desperdiçando, deixando o tempo passar sem praticamente nenhuma realização importante. Comentei que um dos motivos da separação pode Ter sido a falta de perspectivas, de realizações. No entanto, agora, ela se contentava em trabalhar na casa da Arlete, cozinhando e fazendo outros afazeres de doméstica, deixando pra mais tarde o investimento nela própria, buscando conhecimento e crescimento.
Ela alegou que, no momento, era o que desejava fazer. Que mais pra frente as coisas mudariam, buscando o que fosse melhor.
Concordei em iniciarmos esse relacionamento, que a mim satisfazia e muito. Nunca pretendi ser seu dono, me é suficiente desfruta-la, Ter sua amizade, seu carinho, companheirismo e assistir seu crescimento, é mais que suficiente para minha satisfação. Portanto, é isso que vamos fazer. O futuro mostrará se esse é o melhor caminho ou se outros devem ser tentados.

Enquanto ela foi com a mãe buscar umas roupas que havia mandado lavar, fiquei conversando com a Marina e o Chico Bento. A Marina estava meio bêbada e conversávamos sobre inteligência racional e emocional. Ela disse que a dela é racional e, quando perguntei o que achava da minha, ela afirmou com todas as letras que era emocional, totalmente irracional. Entre todas as bobagens que ela já havia dito, esse me pareceu de um exagero extremado. Ela alegou o meu empenho em conseguir a Mari de volta como justificativa para sua afirmativa. Que não havia absolutamente nada de racional nesse empenho, era só emoção, puramente emoção.
Disse-lhe que reconhecia que minha emoção me domina e age fortemente na tentativa de neutralizar a razão. No entanto, a custa de muito esforço, tenho conseguido que ela permaneça atuando. A maior prova disso são as racionalizações que tenho feito e que podem ser verificadas facilmente pela leitura do que tenho escrito. Aleguei que um indivíduo totalmente dominado pela emoção, ao ser abandonado pela mulher, sai falando a torto e a direito que a mulher não presta, que é uma vaca, vagabunda, puta e tantos adjetivos desqüalificativos quantos possa lembrar. Depois, se conseguir tê-la de volta, faz de conta não Ter dito nada e é capaz de brigar se alguém se referir à mulher nos termos que ele mesmo fez.
A Marina disse que eu tinha agido assim. Que numa ligação que eu fizera pra Mara, dali de sua casa, ela ouvira, ao passar por onde eu estava, que eu chamara a Mara de putinha. Que não tivera a intenção de ouvir nada, mas que não pudera deixar de ouvir isso.
Ela não poderia dar-me melhor oportunidade de demonstrar o quanto era irracional, atrevendo-se a fazer um julgamento com base em uma palavra, sem a preocupação de que ela fazia parte de uma frase, que ela desconhecia, pelo que alegara. Repeti-lhe o que eu dissera, ao usar essa palavra: “Mara, a Mari construiu sua dignidade a custa de muito sacrifício e você, com suas atitudes, está jogando isso na lama; é duro ouvir que estão te considerando uma putinha sem vergonha, desconsiderando tudo o que a Mari foi.” Esse foi o período em que a palavra destacada por ela foi usada. Ela ficou desconcertada, sem saber o que dizer, mesmo porque iria dizer o quê?
Nunca imaginei Ter uma oportunidade assim para demonstrar o que venho defendendo há muito tempo, o quanto as pessoas são irresponsáveis, atrevendo-se a julgamentos sem o mínimo de dados que os justifiquem. É lamentável mas, infelizmente, bastante comum.
Quando a Mari me deixou, a Marina me afirmou que ela não voltaria mais pra mim. Que estava tudo acabado, que a Mari estava convicta da decisão que tomara, o que eliminava qualquer possibilidade que voltasse atrás.
Agora, ela me disse que estivera errada, que tanto ela quanto a mãe da Mari, já consideram que ela voltará para mim, simplesmente porque não agüentará a pressão que estou fazendo sobre ela. Eu lhe disse que sua afirmação, desmerece tanto a Mari quanto a mim. A ela, por considerar que seja susceptível à pressões desse tipo, sem capacidade para resistir e defender o que considera o melhor pra ela. Quanto a mim, considera que eu não tenha valores, qualidades e capacidades capazes de satisfazer as necessidades da Mari. Quer dizer: A Mari é incapaz de reagir ao que a contraria e eu sou um desqualificado cuja única capacidade é a de pressionar para conseguir o que quero.


Poder desfrutar o amor
Considerado perdido
Faz a emoção explodir
Valoriza o recebido

É como estar se afogando
Chegando perto do além
Acabando-se as forças
Sem que apareça ninguém

De repente um impulso
Sem saber de onde vem
Nos tira daquela água
Devolve a vida também

Ganhar uma vida nova
Ter nova oportunidade
Saborear cada instante
Esquecer toda maldade
Fazer de cada momento
Motivo pra Ter saudade

Mergulhar profundamente
Nos delírios do amor
Sorvendo todas as gotas
Com paixão e com ardor
Sorvendo a felicidade
Esquecendo toda dor

O sofrimento foi grande
Mas foi pra resuscitar
Sem ele o amor findaria
Sem poder continuar
Agora ele voltou forte
Volto a viver e amar.


Depois de uma noite escura
Repleta de assombrações
Ver a aurora chegar
Arrancando emoções
Mandando embora a tristeza
Espantando os furacões

Recuperar o perdido
È melhor que ganhar novo
O prazer é bem mais forte



07/11
A Mari chegou aqui por volta das quatro horas da tarde. Namoramos um pouco, fomos ver os porcos, ela disse que gostaria de levar uma leitoa pra mãe dela matar.
Pedi-lhe que procurasse se lembrar o lhe passava pela cabeça durante os episódios da nossa separação. Ela continua tentando justificar pela lógica. Por exemplo: Disse que fechara a firma, me impedira de usar a conta bancária e proibira que continuasse pegando combustível no posto em seu nome, por mêdo do Rodrigo. Disse-lhe da incoerência de tal afirmativa, pois segundo ela mesma declarara nos escritos que me mandou, ela não o temia. Ele é que tinha medo de perdê-la, o que o obrigava a não fazer algo que a incomodasse.
Pedi-lhe que revisse essa posição e não se preocupasse com a lógica e, sim, com as lembranças, o que sentira, o que lhe passara pela cabeça, por mais irracional que lhe pareça. Lembrar-se da realidade é mais importante para analisar e tentar compreender o que aconteceu, que as tentativas de justificar ou explicar pela racionalidade. Isso deverá ser feito após conseguirmos as informações reais.
A Mari me disse que, antes de vir para cá, passara na Marina e que esta lhe dissera que eu dissera, ontem, que havíamos reatado o relacionamento. Eu não disse isso e, quando ela disse que a Mari voltaria pra mim, deixei bem clara minha dúvida a esse respeito. Por que ela faz isso? Será que ela não tem noção do mal causado por essas falas irresponsáveis, ou faz de propósito?
No final da tarde, a Mari voltou com o Nelson, Oscar, Petro e Felipe, pra buscar a leitoa. Fui com eles até a casa do Nelson, onde ele matou a leitoa. Ajudei a pelá-la. No final, a Mari veio com Petro me trazer com o passat. Ela veio sentada atrás de mim, fazendo carinho no meu pescoço, o que me deixou muito contente.
08/11
Vira e mexe, durante o dia, me lembrava dos conceitos, preconceitos e atitudes da Marina. Não me conformo que uma pessoa como ela, que se considera tão racional, possa agir com tanta irracionalidade, escolhendo dados que lhe interessam, distorcendo outros e desprezando os que contrariam seus interesses. Considero que isso é bastante comum em muitas pessoas, no entanto, pelo conceito que tinha dela, nunca imaginei que pudesse ser assim. Foi uma desagradável surpresa!
No final da tarde fui levar a moto pra Mari e pegar o carro. Ela me disse que precisaria ir em Santana da Luz na Quinta-feira, se eu poderia ir. Respondi afirmativamente. Ela ficou de vir aqui amanhã, caso não chova.

09/11
Desde que acordei pensei que a Mari está fugindo de si mesma. Pode ser que esteja pensando e tentando entender o que está acontecendo, buscando o que seria melhor pra ela. No entanto, parece que está evitando isso. Aceitou o trabalho pra se considerar independente, optou por ficar na casa da mãe, pelo mesmo motivo e está deixando o tempo passar.
Me agonia ver que isso está acontecendo. O tempo que está sendo perdido e que poderia ser usado para estudar o que aconteceu, tentar identificar causas, o que foi construtivo, o que foi destrutivo, o que ela fez e o que foi levada a fazer. Em fim, tentar compreender o máximo possível, objetivando correções de rumo na própria vida, cuidados necessários para evitar repetição dos mesmos erros no futuro. Considero que o que aconteceu foi muito importante e propicia grande aprendizado e crescimento. No entanto, ela está fugindo, correndo de encarar o problema. Com medo.
Se eu lhe disser que ela está agindo como sua mãe, ficará revoltada. No entanto, consideradas as diferenças de personalidade, é o que está acontecendo. Está sendo uma mulher comum, evitando encarar os problemas, buscando justificar suas atitudes ao invés de questioná-las.
Me bateu um medo: de que a continuidade desse comportamento, me leve a perder o respeito que lhe tenho e passe a encara-la como a qualquer outra pessoa. Acho que não deixaria de amá-la, mas perderia o brilho, ficaria muito diminuída em relação ao que sempre senti por ela, mesmo quando em crise.
Ela me disse ontem que conseguira o trabalho na Arlete porque sua mãe não estava dando conta do que se propusera a fazer lá. É o comum, as pessoas se empolgam e não consideram sua verdadeira capacidade, o que as leva a assumir encargos que não conseguirão desempenhar. Será que a mãe conseguiria sobreviver sem a ajuda financeira que ela lhe proporcionará?
Os prejuízos emocionais e morais, causados por suas crises, foram muito grandes. Além deles, não foram pequenos os prejuízos financeiros. Da outra vez o Valdir gastou um bom dinheiro comprando móveis e as providência necessárias ao casamento, além de Ter pago o serviço da suspensão e pneus do carro. Nós tivemos que devolver dinheiro que alguns padrinhos haviam dado. Desta vez, além de um estoque de mercadorias, havia um valor razoável de fiado a receber. Soma-se a isso, o dinheiro da compra da mãe e do cheque emprestado ao Martim, além do dinheiro de fiado recebido e que já não existe. Por acreditar que a situação financeira melhoraria com a ida dela pra Parreiras, a mãe se atreveu a comprar duas bicicletas. Será que ela tem consciência de todos esses prejuízos? Não deve ser fácil encarar os prejuízos de toda ordem que suas crises causam. Talvez esse seja um motivo forte da fuga, do negar-se a enfrentar e analisar as causas e, principoalmente, as conseqüências.
Se ela se dispuser a enfrentar o problema pra transformar o prejuízo em grande benefício, representado pelo aprendizado e crescimento; poderia ajudá-la, propiciando perguntas que lhe facilitassem a lembrança, recuperando sensações e pensamentos.

- O que acredita Ter aprendido no tempo passado em Parreiras?
- Que pessoas conheceu e que impressão teve delas?
- Que trabalhos realizou, em quais acredita Ter tido sucesso e em quais acha que fracassou?
- Que passeios, diversões e lazer pôde experimentar?
- Como foi sua vida em casa e no relacionamento?
- O que fez para te agradar?
- O que fez que te magoou, causou sofrimento ou revolta?
- Considerando que você não aceitava a personalidade dele, o que te levou a aceitar acompanhá-lo e se relacionar com ele?
- O que te passava pela cabeça no período desde a saida de casa, até o encontro com ele em Santana da Luz?
- Que projetos te ocorreram nesse período?
- O que pensava a meu respeito durante esse período?
- Quem te apoiou e quem criticou o seu comportamento? Como?
- Como viveu financeiramente e o que pensava para resolver os problemas financeiros que deixou?
- Como você vê o egoismo de sua vontade? Por exemplo: Você teve vontade de comer a leitoa e se empenhou pra conseguir, no mesmo dia. No entanto, mesmo sabendo do meu sofrimento, me deixa esperar, sem a menor preocupação com os benefícios que poderia causar se empenhando um pouco em meu favor.

A Mari veio depois do almoço e ficou até por volta das três e meia. Conversamos e ela disse que o Aurélio lhe disse que vai trazer alguns livros para que ela leia e que liberará uma hora por dia para que o faça. Falei-lhe a respeito da preocupação que tenho a respeito do tempo que estamos perdendo na busca do conhecimento propiciado pela experiência. De que ela está se dedicando ao novo trabalho, deixando de pensar e computarmos os dados que ela tem. Namoramos e foi um verdadeiro delírio. Amanhã irei com ela e a mãe em Santana da Luz, comprar ração e tentar acertar contas na serraria.
Comentei com ela que o Oscar, Aurélio, Nelson, Marina, Arlete e outros, se atrevem a dar opiniões e palpites sobre ela, eu e nosso relacionamento, sem terem o menor conhecimento da diferença entre nós e a maioria das pessoas.

10/11
Levei a Mari, Marta e Felipe em Santana da Luz. Elas compraram presente para a neta do Chico Bento, cobraram alguns fiados e receberam a bolsa escola.
Enquanto elas faziam isso, acertei conta na serraria, cortei o cabelo, abasteci o carro, comprei rações, fiz compra, tirei xeróx das poesias e mandei encadernar. Depois fiquei esperando que elas terminassem o que faziam. Esperei bastante.
Na volta fomos direto no Chico Bento, onde elas visitaram a criança e entregaram os presentes. Eu tentei arrumar o trator, mas não consegui. Ficou para amanhã. A Mari me disse que iriam embora a pé, porque a Marta tinha que tratar as galinhas. Chamei-lhe a atenção para o fato de ela usar dois pesos e duas medidas: Eu esperei um tempão em Santana da Luz, agora, ela ia com a mãe, não me esperando. Foi bobagem, nem deveria Ter falado isso, mas só aproveitei para mostrar o que é normal acontecer com ela em relação a mim.
Quando sai do Chico Bento, passei na casa da Marta e a Mari me disse que, se não trabalhar no Sábado, virá aqui.

11/11
Fui em São José dos Campos levar a bomba injetora do trator para arrumar. Na volta, a noite, passei na Mari pra avisar que amanhã itrei montar o trator, que se ela for em casa, passarei para avisá-la quando tiver terminado o trabalho. Fomos no Nelson, comemos arroz com amendoim e tomamos cerveja.

12/11
Terminei de montar o trator por volta das onze horas. Passei na Marta, onde uma camionete estava descarregando móveis de cozinha. Ajudei a Mari a levantar um guarda-roupas no quarto. Ela disse que precisaria do carro pra ir no Jusco. Vim com a moto e ela veio com o carro, pra trazer a sela que o Nelson me emprestara. Voltando com o carro.
Na Quinta-feira, eu disse à Mari que estava com medo de perder o respeito e admiração que lhe dedico. Era um sentimento, no entanto, a causa disso vem se configurando pelo comportamento dela.
Ela está se dedicando ao trabalho e à família. Está fugindo de abordar o que aconteceu, de fornecer dados, de analisar. Dá a impressão de estar totalmente dependente da mãe.
No Sábado passado havia marcado comigo que chegaria do trabalho as duas horas, chegou depois das quatro, sem a menor preocupação de que eu estava esperando. Como iria acertar contas com a Marina, não pudemos conversar. Marcou para o Domingo, dizendo que deveria chegar por volta das três horas. Que eu fosse por volta das quatro horas. Cheguei nesse horário e ela só chegou as seis. É certo que estava trabalhando, no entanto, seria lógico que se desculpasse ou demonstrasse preocupação com o fato de eu tê-la esperado por tanto tempo. Não demonstrou a menor preocupação com isso.
Ontem, em Santana da Luz, desperdiçaram um tempo muito grande, considerando o que tinham pra fazer. Demonstra absoluta despreocupação com o tempo, gastando-o inutilmente, agindo exatamente como a mãe sempre agiu. Pode parecer que estou com prevenção contra a mãe dela. No entanto, o que estou dizendo é facilmente constatado. Um bom tempo, devem Ter gasto escolhendo os móveis de cozinha que compraram.
A compra desses móveis me indica o quanto está agindo sem coerência. A família dela não tem o menor cuidado com as coisas, principalmente com móveis. Os que tem, são novos, comprados quando foram morar em Santo Antonio Alegre. O que ela e a mãe devem estar ganhando, não é muito. Claro que terão dificuldade para pagar esses móveis, tendo que abrir mão de outras coisas que poderiam ser mais importantes que isso. Parece que o problema principal é a vontade incontrolada. Faz o que lhe dá vontade sem a menor preocupação com as conseqüências. A compra desses móveis pode ser um indicativo de que ela pretende ficar morando lá por muito tempo. Até quando ela continuará assim?
Combinamos que ela me procurará quando tiver vontade. Sua vontade é a única determinante para que nos encontremos ou não. Não posso reclamar, pois aceitei sua condição. No entanto, esse comportamento está mostrando um egoísmo muito grande, que me faz mal, incomoda e, pode levar a que eu perca o respeito e admiração que lhe dedico. Parece que, como já previra, as qualidades e valores que ela tinha, podem ser, pra mim, mais importantes que o amor e o prazer que ele possa proporcionar.
Ela está me fazendo lembrar os irmãos: Total ausência de responsabilidade. Não se preocupa com horários marcados (na Quinta-feira marcou pra sairmos as dez horas e só saímos perto das onze), prometeu vir aqui hoje e resolveu ir pro Jusco. O que provocará tudo isso?
Ao lembrar o quanto intensamente vivemos, multiplicando o tempo, produzindo em dias o que, normalmente gastaria anos; vendo que, hoje, acontece o contrário: Gastando anos para o que poderia ser feito em dias, é lamentável.

13/11
Dormi mal, atormentado pelas atitudes dela, me deixando no final da fila, qualquer coisa é mais importante que eu. Auto-piedade? Pode ser, mas os indícios são muito fortes e justificam o que sinto.

Tão chamando de coragem
A covardia maior
Acreditam que é busca
Quando é fuga, da pior

Sem saber o que procura
Se perde por não pensar
Esquece que a vida é dura
Grande mal pode encontrar

Foge de mim com sorriso
Acredita controlar
A vida e o pensamento
Mas não sabe onde chegar
Caminha num labirinto
Sem coragem pra olhar
Fugindo de si com medo
Do que pode encontrar

Covardia das maiores
Disfarçada de coragem
Enganando tudo e todos
Em mentirosa viagem

Encarar sua verdade
Olhar de frente pra ela
Conferir se é maldade
Ou do mistério mazela
A covardia não deixa
Matando a coragem dela


Pensamentos que não quero
Ocupam a minha mente
A razão fica confusa
A emoção toma a frente
Sinto meu mundo pesado
Sinto-me fraco, demente.

Ela diz que ainda me ama
Me procura quando quer
Quando eu sinto sua falta
Falta de amiga e mulher
Ela fica confortável
Eu me sentindo um qualquer

Não é só falta de amor
É sentir-se desprezado
Colocado na reserva
Trapo velho abandonado

Por que não sei dominar?
Esse mal que me acomete
Tento dominar a mente
Ele teima e se intromete
Mostrando quanto sou fraco
Algo mole que derrete

Covardia travestida
Como atraente imagem
Forçando pra parecer
A verdadeira coragem
No fundo é só fraqueza
Não pasa de uma miragem

É como o rico mendigo
Que aparenta ser coitado
Fraco, sujo, maltrapilho
Escondendo o abastado
Parece ser uma coisa
Verdade fica de lado

Alguns enganam os outros
Interpretam seu papel
Outros vivem se enganando
Fingindo que inferno é céu
Escondem-se de si mesmos
Com medo de erguer o véu

Encarar nossa fraqueza
Dá medo de arripiar
Descobrir que não podemos
Nossa vida dominar

É interessante verificar como é comum a covardia se travestir de coragem. Não é raro o indivíduo Ter fama de brigão, corajoso, quando na verdade ele cultiva essa imagem, buscando brigar com pessoas mais fracas, objetivando, com isso, evitar Ter que enfrentar quem poderia derrotá-lo. Há os que enfrentam brigas, por não Ter coragem de evitá-las, por medo de ser considerado covarde. A grande motivação para a briga não foi a coragem e, sim, a covardia de não enfrentar a possibilidade de ser considerado covarde, ao se negar a uma briga cujo custo pode ser muito maior que o benefício.
O medo de ser considerado ignorante, leva indivíduos a enfrentar grandes dificuldades, aparentando coragem de enfrentar a situação, quando na verdade a grande motivação foi a covardia. Correm o risco de tornar-se ridículos, confirmando com realce a ignorância que pretendiam esconder.
Se enfrentar os outros é difícil, enfrentar-nos é muito pior. É difícil admitir nossas fraquezas, a falta de domínio sobre nós mesmos, a incapacidade que gostaríamos não Ter. Para muitos, enfrentar-se é praticamente impossível. Interpretam um papel para si próprios, evitando a todo custo situações que possam expô-los e que os obriguem a enxergar-se como realmente são.

14/11
Logo depois do almoço o Nelson veio com o Marco e o Felipe pra castrar os leitões. O Marco me disse que a Mari pediu pra eu levar a moto pra ela e trazer o carro. Senti que ela estava me evitando. Não veio ontem e, quando eu esperava que viesse hoje, manda recado pra que eu levasse a moto e trouxesse o carro. Me senti pior que já estava.
Cheguei na casa da mãe dela por volta das duas e meia. Começou a chover e continuou por bastante tempo. A mãe dela não achou a chave do carro. Como ela tivesse ido a pé trabalhar, tentei outra chave pra ligar o carro e ir buscá-la. Não consegui. Esperei que chegasse, o que aconteceu por volta das cinco horas.
Me cumprimentou e logo disse que tinha duas coisas que lhe aconteceram, pra me contar. Contou que atendera o telefone e quando ouviu: “Oi Mari, é o Rodrigo, tudo bem?” Chingou-o e desligou o telefone. Na verdade, era o Rodrigo, filho do Aurélio, dono do sítio em que ela está trabalhando. Como ela disse, foi o maior mico. A outra coisa que aconteceu, foi no Jusco, onde ela foi com a mãe e os irmãos, na casa da avó materna e das tias, no Sábado. À noite, foram na reza na igreja. Disse que uma criança bem pequena, filho de uma mulher que sempre teve muito ciúme dela, ficou junto dela, agarrava-a pelas pernas e pedia que o pegasse no colo. Ela se fazia de desentendida por saber que a mãe da criança era capaz de fazer um escândalo, acusando-a de estar provocando-a ao pegar seu filho no colo. A criança continuou rodeando-a e agarrando-se a suas pernas e ela continuou fazendo de conta que não percebia, pra evitar confusão. Na hora da missa em que as pessoas desejam a paz de Cristo, umas as outras, A mãe do menino e a avó foram cumprimentá-la e foram além: Pediram perdão pelo comportamento que sempre tiveram em relação a ela. Ela disse que ficou abismada, totalmente surpresa, que não esperava que, depois de tanto tempo de intrigas e provocações, as duas reconhecessem que haviam errado e pedissem perdão pelo que haviam feito até ali.
Ela me perguntou como eu estava. Disse-lhe do que sentia, da insegurança e dos motivos que a provocavam. Disse-lhe que minha maior preocupação se devia a não entender seu comportamento. Que alguém que tinha sonhos de realizações, se deixando ficar como doméstica, sem fazer nada para seu crescimento, era muito estranho.
Ela disse que está pensando em tudo o que aconteceu, tentando entender.
Disse-lhe que não posso duvidar disso mas, no entanto, não parece que o empenho seja suficiente. Venho lhe recomendando que escreva, para ordenar a compreensão dos pensamentos mas, até agora, não escreveu uma palavra. Tenho lhe dito que gostaria de participar, ajudá-la a relembrar, analisar junto com ela, em fim, buscar o entendimento que poderia ajudá-la e que tanto me interessa.
Repeti-lhe que ela está buscando justificativas lógicas para o que aconteceu, desprezando a possibilidade de que a motivação seja algo sobrenatural, misterioso. Depois de algum tempo de conversa, ela admitiu que pode ser isso.
Lembrei-lhe de que dificilmente, tanto ela como eu, encontraremos alguém que nos entenda. Que só nós podemos nos ajudar e proteger, um ao outro. Que isso independe de relacionamento amoroso. Onde vamos encontrar pessoas que nos entendam, que percebam o quanto somos diferentes da maioria?
Quando ela me perguntou como eu estava me sentindo, disse-lhe que estava sentindo que ela estava sendo minha amante, sem amizade nem companheirismo. Que isso me incomodava muito.
No desenrolar da conversa ela foi concordando com meus argumentos. Isso tem acontecido com freqüência. No entanto, no dia seguinte, volta à estaca zero, como se nada daquilo tivesse sido abordado.
Quando saí para ir embora, disse-lhe que tenho notado que ela tem dito que está pensando no que será melhor, buscando se encontrar. No entanto, quando falo na possibilidade de que volte pra mim, sua reação é instantânea, impulsiva, declarando que isso é impossível. Ela me disse que não havia percebido isso e que iria pensar no asunto, tentar descobrir porque isso acontece.
Sinto que se a conversa pudesse continuar, poderíamos evoluir no entendimento. No entanto, o distanciamento, a interrupção da conversa, causa retrocesso, impedindo que avancemos no entendimento. Há várias causas que podem levar a isso: Muitos pontos abordados, o que pode dispersar o pensamento, possibilitando a divagação, causando o esquecimento. O desinteresse pelo assunto. A dificuldade de enfrentá-lo, nesses casos, esquecê-lo é a melhor saída.

15/11
Estou bem mais tranqüilo, depois da conversa de ontem. No entanto, continuo intranqüilo quanto a sua reticência em questionar o fato de se contentar com o dia a dia comum, desperdiçando tempo que poderia ser usado na investigação e análise do ocorrido.
No final da tarde fui na casa dela e conversamos bastante. Abordamos a influência do mistério no comportamento dela quando resolveu sair de casa e nas atitudes seguintes. Ela demonstra alguma confusão na interpretação disso. Concorda com a ação do mistério mas insiste na tentativa de justificar, pela razão, fatos injustificáveis, que sua personalidade normal não conseguiria realizar. Disse-lhe que eu não conseguia admitir que ela fosse burra. Que tanto quanto ao Valdir como ao Rodrigo, ela tinha elementos mais que suficientes para saber que os relacionamentos com eles seriam totalmente inviáveis Portanto, é dificil acreditar que ela estivesse em condições normais quando agiu contra a racionalidade, aceitando o que ela mostrava ser absolutamente irracional.
Disse-lhe que constato que, pra ela, existem várias coisas mais importantes que eu. Isso fica evidente quando ela opta por essas coisas em detrimento de mim. Disse-lhe que é uma constatação, não uma crítica, principalmente porque eu aceitei as condições que ela colocou para possibilitar nosso relacionamento. Ela argumentou que não era bem assim, no entanto é inquestionável, os fatos mostram isso. Acredito que não seja essa sua intenção, no entanto, isso tem acontecido.
Combinamos que eu irei no final da tarde de Quinta-feira visitá-la, para namorar-mos.
Combinamos que iremos na próxima Segunda-feira a São José dos Campos para renovar sua habilitação de motorista e comemorar-mos seu aniversário.

16/11
Logo depois das três horas da tarde, eu escrevia ao computador quando a Mari chegou. Foi uma enorme surpresa e maior ainda o prazer, uma vez que não esperava que viesse hoje. Desfrutamos um relacionamento maravilhoso e me senti recompensado pela dificuldade que tem sido viver sob a condição que venho vivendo.

17/11
No final da tarde, fui na Marta levar um saco de farelo que ela me havia encomendado. Conversei com a Mari, contei-lhe sobre a mulher que eu socorrera na estrada, que ficou interessada nas minhas poesias e que ficou de vir aqui pra conversar.
Ela disse que pretende vir no Domingo à tarde, dormir aqui para irmos na Segunda-feira para São José dos Campos.
Disse-lhe que estou um pouco angustiado com a demora dela em dar início a um projeto do que pretende. Acrescentei que acredito que sua cabeça deve estar bastante confusa, com dificuldade de partir para a busca do que quer. Lembrei-lhe que estou pronto para ouvi-la e ajudar no que for preciso, no entanto, sei que é preciso esperar o momento chegar, sem forçar a barra.

18/11
Enquanto ela não se definir, tudo é possível. A racionalidade não deixa muitas alternativas, no entanto, a irracionalidade pode muito.









19/11
Passei o dia na esperança de que ela aparecesse. Não apareceu.

20/11
Parabéns!

Pensei em escrever muitas coisas, pois não faltam motivações. No entanto, decidi agradecer; o fato de você Ter nascido, de ser tão bonita, de Ter te encontrado, de Ter me amado, de Ter me mostrado a vida que eu desconhecia, de se fazer admirada. O amor que sinto por você é imensurável, vai além do além, arromba o infinito, ultrapassa todas as barreiras conhecidas.
Neste seu vigésimo quinto aniversário, peço a todas as forças do universo que te guiem, te propiciem o máximo de felicidade e te livrem de qualquer mal.

Quantos anos já vividos?
Não sei dizer com certeza
Vinte e cinco se passaram
De alegria, apatia e tristeza

Muita vida em pouco tempo
Muito tempo sem viver
Tempo passa indiferente
Levando a vida ao morrer

O aproveitar o tempo
Depende muito de nós
Fugindo do sofrimento
Escapando desse algós
Buscando a felicidade
Que faz vibrar nossa vós

O tempo que já passou
Não voltará nunca mais
Chora-lo não tem sentido
Ficou perdido pra trás

Valorizar o que vem
Dar-lhe o devido valor
Buscar a felicidade
Empenhar-se com amor
Sentir a vida vivida
Cavalgar no seu calor

Lutar contra a apatia
Contra o que quer derrubar
A vida exige luta
Coragem pra enfrentar
Emoção e pensamentos
Que buscam nos derrotar
O multiplicar a vida
Vivendo anos em dias
Enganando o próprio tempo
Coragem sem covardias
Correr contra o relógio
Vencendo as apatias


O que será dessa gente
Sem realidade ver
Acreditando em fantasmas
No que vê não pode crer

Se agarram em raízes
Sem saber o que contém
Seguem-nas como escravos
Sem saber que não convém
Viver sem inteligência
Ao erro dizendo amém

Com muito medo de errar
Passam a vida errando
Criticando quem se atreve
Pensar no mundo mudando
Desprezando preconceitos
Razão e amor carregando

Preconceitos que os cegam
Negando-lhes a razão
Fazendo-os ser escravos
Em cruel submissão
Marionetes de um sistema
Na cidade ou no sertão

Viram tudo pelo avesso
Vêem maldade no que é bom
Bondade no que não presta
Desprezo pela razão
São levados pela vida
Como o dono leva o cão.

Sofrem e fazem sofrer
Como agentes da maldade
Sem culpa do que não sabem
E aceitam como verdade
Como mudar esse estado
De tamanha crueldade?

Deus você é complicado
Por que faz isso com a gente?
Deixa o corpo com saúde
E nos embaralha a mente
Impedindo que a razão
Acabe com a ignorância
E leve o indivíduo em frente.

A Mari chegou aqui por volta das cinco horas da tarde. Namoramos e conversamos até por volta da uma e meia da manhã.

21/11
Saímos por volta das oito da manhã para São José dos Campos, no carro do Chico Bento. Passamos em Santana da Luz onde ela foi cobrar algumas pessoas que lhe deviam.
Ela contou o que passara junto ao Rodrigo, desde que se encontraram até que o deixou.
Ele lhe disse que havia sofrido muito nos últimos anos. Que passara um período muito difícil de impotência sexual. Que, após isso, passara por outro onde praticava sexo compulsivamente, com várias mulheres. Que enquanto estava com uma, ficava ligado no relógio para não perder a hora que marcara com outra. Fez tratamento médico e psicológico e foi instruido a buscar outros entretenimentos para se livrar da compulsão pelo sexo. Comprou duas televisões, vidocassete, dvd e computador.
Passou um bom tempo sem praticar sexo. Na primeira vez que voltou a fazê-lo, a impotência se manifestou novamente. Naquela cidade é comum que as mulheres contem, umas pras outras, com quem praticam sexo e como os homens se comportam. Logo a impotência dele foi propagada pela cidade. Quando conseguiu vencer a impotência, dedicou-se a reconstruir sua imagem de machão, empenhando-se em praticar sexo com as mulheres que o acreditavam impotente. A compulsividade por sexo se instalou novamente. Novo tratamento médico e psicológico.
No trabalho, lesionou a coluna servical. O diagnóstico recomendava cirurgia mas ele optou por não se submeter a ela, preferindo um tratamento a base de injeções. O preço dessas injeções é bastante alto, o que foi dizimando seu capital, obrigando-o a vender várias coisas para fazer frente a esse custo.
Uma mulher que tem uma loja na mesma rua em que ele mora e onde ficam seus negócios, interessou-se por ele e passou a corteja-lo, ficando na porta de sua loja nos horários em que ele costumava passar. Um dia ele entrou para comprar alguma coisa, conversaram e ele notou que ela tinha ematomas visíveis. Perguntou-lhe sobre o que os causara e ela disse que o marido a agredia. Ela convidou-o para que, qualquer dia, saissem pra conversar. Alguns dias depois, foram a um barzinho, tomaram cerveja e conversaram.
A mulher separou-se do marido e, algum tempo depois, tranformaram o relacionamento esporádico em constante, quando ela foi morar na casa dele. Ele se disse decepcionado com o comportamento dela, que gastava muito e não cuidava da casa, chegando a propor-lhe que contratasse uma empregada doméstica. Disse que chegara a comprar-lhe um automóvel zero quilômetro, um ford ka. Depois de muitos atritos, terminaram por separar-se.
Ele disse que os negócios iam bem, mas que não rendiam o que poderiam por falta de administração, uma vez que o tempo não permitia que cuidasse disso como deveria. Propôs a ela que fosse com ele para fazer uma experiência, ajudando-o na administração dos negócios. Disse que nunca deixara de amá-la e que passara esses dez anos esperando uma oportunidade de tê-la novamente.
Ela pensou que a ojeriza que sentira por ele, poderia ser devida à peseguição que ele lhe fizera durante muito tempo, depois que se separaram, que por trás disso poderia estar escondida uma emoção favorável à tentativa de um relacionamento.
Ele não perguntou se ela concordava em ir com ele, sugeriu que fossem e ela não reagiu. Seguiram viagem e ele continuou contando as dificuldades que passara durante todos os anos em que estiveram separados.

22/11
Fui logo cedo montar o trator. Por volta das sete e meia, passei na casa da mãe da Mari pensando em dar-lhe carona até o trabalho. Estavam dormindo. Esperei e como por volta das oito horas ainda não percebesse nenhum movimento, bati na janela da Mari. Ela acordou, levantou, saiu e disse que tinha perdido a hora. Perguntou se eu poderia dar-lhe carona até o trabalho.
No caminho, comentei que o Martim, ex-marido da mãe dela, estava muito bravo ontem a noite, porque ficara sabendo que elas haviam feito uma festa no sãbado e que tivera forró, bebedeira e muita orgia. Que entre outros, haviam participado os donos da venda. Ela disse que era exagero dele, que haviam participado alguns vizinhos, a tia, tio e prima que vieram do Jusco. Que Os da venda não estiveram lá, que se tivessem ido, ela me contaria. Considerou que o ex-marido da mãe, fôra na casa dela e dissera que a ex-mulher estava dando pra vários homens e outras bobagens, que segundo ela, tinha a intenção de voltar a reatar o relacionamento e por isso apelava com tais argumentos.
Ela me pediu para pegá-la amanhã depois do trabalho, por volta das quatro e meia da tarde, pra que venha dormir aqui. Na casa que ela trabalha, fez café, tomei, despedi-me e voltei para a fazenda.
No final da tarde, o Baiano chegou procurando o ex-marido da mãe da Mari. Como ele não houvesse chegado ainda, comentou que o procurava para pedir satisfações sobre o que ela dissera à ex-mulher, acusando que ele, Baiano, fôra quem lhe contara o que acontecera na festa do Sábado. Ele me confirmou que os donos da venda estiveram na festa, que um deles, inclusive, levara cerveja e que, ele, Baiano, também havia levado algumas. Disse que a festa fôra familiar e que não presenciara nenhum tipo de baixaria. Disse que saira de lá por volta das quatro horas da manhã. Como o ex-marido não chegasse, despediu-se e foi embora, dizendo que iria na casa da mãe da Mari explicar o que estava acontecendo. Ele disse que a Mari e a mãe haviam ido, nesta tarde, à sua casa, procura-lo para tirar satisfações, mas não o encontraram. Aconselhei-o a dizer-lhes o que contara ao ex-marido, sem omitir nada e que se propusesse a uma acareação, se fosse necessário.
Por que ela ocultou que a festa avançara madrugada a dentro e, por que negou que os donos da venda tivessem estado lá? Segundo o Baiano, não houve nada de mais, classificando a festa de familiar. Nosso relacionamento está totalmente descompromissado, o que lhe permite fazer o que quizer, sem Ter que dar-me qualquer satisfação. Pode Ter-se sentido mal por não Ter me convidado, quando convidaram várias pessoas. Não me senti bem em saber que ela mentira.

23/11
Durante a noite o pensamento de que a Mari mentira ao dizer que o Marilio e o Mauro não estiveram na festa, me incomodou e tirou o sono.
Logo cedo me veio a lembrança de que, quando chegamos na casa do Chico para devolver o carro, a Mari me disse, logo que estacionei o carro, para não nos determos pois ela tinha pressa em ir embora. Nem café quis tomar. É a constatação do velho problema de dois pesos e duas medidas quando se trata de esperar ou ser esperada.
Pensei no porquê de ela não Ter me convidado para a festa, nem ao Chico Bento. Uma possibilidade seria o fato de pretenderem que a festa tivesse desenvolvimento menos familiar.
O Baiano disse que a festa fôra familiar e que não presenciara nada que pudesse ser considerado como abuso ou safadeza. No entanto, elas deveriam saber que a presença de homens descompromissados poderiam propiciar comentários maldosos. Isso poderia ser bastante minimizado se eu ou o Chico estivéssemos lá, no entanto, nos deixaram de fora.
O número de pessoas que compareceram não foi pequeno. Algum dos presentes poderia se atrever a mexer ou, até mesmo, roubar alguma coisa do Nelson. Mesmo que isso fosse difícil, o Nelson poderá interpretar que esse risco existia, propiciando que se revolte com o acontecido. Ele, numa atitude que me parece exagerada, ordenou que a porteira ficasse fechada com cadeado, impedindo ou, pelo menos , dificultando a entrada no sítio. Claro que não gostará de saber que a mesma ficou escancarada a quem chegasse. Será que o benefício terá sido proporcional ao risco e as interpretações desfavoráveis causadas?
Atitudes e comportamentos impensados, podem levar as pessoas a provocar sérios problemas. O Chico, aproveitando o relato da festa feito pelo Baiano, brincou com o Martim, provocando-o e induzindo-o a pensar que a festa fôra um verdadeiro bacanal. O Chico não deve Ter agido sozinho, deve Ter sido ajudado pelos outros que trabalhavam com ele. O Baiano confessou que participara da brincadeira. Será que em troca de um pouco de divertimento vale a pena o mal causado? Será que não pensaram no sofrimento do Martim em imaginar que sua ex-mulher, de quem parece ainda gostar, estaria se comportando como uma verdadeira puta? Não consideraram o prejuizo moral causado às mulheres envolvidas?
O Chico deve Ter aproveitado para descarregar o ressentimento por não Ter sido convidado para a festa. Só que não considerou que pessoas que não tiveram nada a ver com isso, sofreriam por conta de seu comportamento e que, as próprias culpadas, poderiam pagar um preço desproporcional ao erro cometido (se é que pode ser considerado um erro).
Os indícios são muito fortes de que a opção da Mari em ficar na casa da mãe, ao invés de vir morar aqui, é a convivência com as pessoas que freqüentam aquela casa e facilidade de sair e visitar outras pessoas. Se for isso, ela está considerando essa convivência mais importante que eu e o que poderia fazer aqui.
Ela me acusa de não aceitar as pessoas como elas são, criando problemas de relacionamento com elas. No entanto, ela age assim com o Martim e Chico, pelo menos. Por que?

24/11
Por volta das quatro e meia da tarde fui buscar a Mari na casa da Marta. Ela veio para dormir aqui. Conversamos sobre a festa de Sábado e sobre o comportamento do Martim.
Ela contou conversou com o Martim a respeito do que ele falara. Ele confirmou que a festa tivera conotação de sacanagem, com bebida, relacionamentos amorosos e gente bêbada dormindo no sofá. Ele teria dito que quem lhe contara isso fôra o Baiano. Ela lhe pediu para esperar um pouco, pois iria chamar o Baiano para que ele confirmasse ou desmentisse o que o Martim estava afirmando.
Além do Baiano, estiveram no esclarecimento aLaura, Fio, Marco, Marta e outros. O Baiano disse não Ter, em momento algum, se referido a qualquer tipo de sacanagem que tivesse acontecido na festa. O Martim reconheceu e confirmou que o que o Baiano dizia era o mesmo que lhe dissera anteriormente. O Baiano ficou nervoso e quis brigar fisicamente com o Martim, sendo impedido pela Mari.
Não tendo mais como reclamar de que houvera sacanagem na festa, o Martim se apegou no fato de a porteira ficar fechada, impedindo-o de entrar no sítio com sua égua, enquanto, para receber os convidados da festa, ficara aberta. Que diria isso ao Nelson. Com aparente intenção de agredir a Mari, pela situação que o colocara naquela acareação, Disse que ela estava vindo aqui em casa pra dar pra mim, que ele vira uma calcinha dela jogada num canto da casa.
Argumentei com a Mari que era preciso entender os motivos que. provavelmente, o levaram a tal comportamento. O amor próprio ferido por Ter sido preterido pelos patrões, Ter perdido a mulher e estar sendo alvo de gozações e brincadeiras. Que a ignorância o provocava a obedecer a emoção desejosa de vingança. Que isso fôra provocado pelo comportamento delas, que deu oportunidade para que interpretações maldosas acontecessem. O fato de convidarem homens descompromissados e seguramente prontos a aproveitar oportunidades de relacionamentos amorosos, principalmente com ela, que sabidamente é muito desejada. O fato de não terem convidado a mim e ao Chico Bento, suscitou o pensamento de que a intenção poderia ser a de que nós não atrapalhassemos intenções escusas que elas pretenderiam. Se eu ou ele estivéssemos na festa, dificilmente alguém se atreveria a insinuar que houvera qualquer tipo de sacanagem.
A Mari admitiu que foi uma bobagem e que não sabia explicar o porquê de Ter negado que o Marilio e o Mauro tivessem comparecido à festa. Que fôra um erro. Da mesma maneira que admitiu os erros cometidos na maneira como conduziram os preparativos para a festa, admitindo que contribuiram para que os comentários maldosos acontecessem. Por outro lado, argumentou que entre os presentes não havia somente homens descompromissados, que a presença dos casais Fio e Lais; Pedro e Titica, Valter e mulher, não possibilitaria que maiores sacanagens acontecessem.

Depois da conversa sobre a festa e seus desdobramentos, abordei o problema do “dois pesos e duas medidas”, que eu vinha acusando há muito tempo. Ela vinha me acusando de ser intolerável com as pessoas, negando-me a aceitá-las como são e criando problemas de relacionamento, provocando que as pessoas se sentissem desprezadas por mim. Argumentei que, agora, ela é que estava tendo esse tipo de comportamento, ao criticar com tanta ênfase o comportamento do Martim e Chico. Disse-lhe que ela não estava seguindo o que me recomendava, negando-se a aceitar a ignorância como principal motivadora das ações deles.
Ela alegou que o Chico sempre agiu no sentido de prejudicá-la, armando situações, maldosamente. Argumentei que isso é uma característica dele, que reconheço e repudio. No entanto, pra ser coerente com sua argumentação ao criticar meu comportamento com as pessoas, deveria conseguir aceitar essas distorções. Que se é verdade que o Chico chega a agir com maldade, causando problemas para as pessoas, o mesmo não se pode dizer do Martim, que não passa de um coitado, dominado pela ignorância.
Ela se mostrou confusa. Deve ser difícil verificar que criticamos com certa facilidade, ao mesmo tempo que temos grandes dificuldades de admitir que somos portadores dos mesmos defeitos que acusamos nos outros.
A abordagem desse assunto nos permitiu esclarecer, principalmente a mim, que o problema que ela acusava, é minha dificuldade de conduzir uma conversa, tomando a iniciativa. Gosto muito de conversar com o pessoal da roça, principalmente ouvir suas histórias e estórias. No entanto, minha conversa com eles, tem sido mais no sentido de eles falarem e eu ouvir. Falo muito quando posso expor idéias e fazer análises, o que não é muito comum com a maioria deles. Acabo de descobrir que a solução desse problema está em eu provocá-los a contar histórias. Isso poderá me satisfazer e ajudar a Ter um melhor relacionamento com eles.
O outro lado desse mesmo problema é a irritação que demonstro quando me fazem esperar demasiado, sem motivo aparente. É o caso de quando íamos no Jusco e, por motivos com os quais não concordava, ela atrasava a hora de irmos embora. Na maioria das vezes, era pura enrolação, conversas repetitivas, superficiais e totalmente desnecessárias, na maioria das vezes, provocadas pelos outros, com o principal objetivo de mantê-la o maior tempo possivel junto a eles. Não acredito que esse problema tenha solução, pois eles continuarão agindo assim e, ela, continuará tendo dificuldade de livrar-se dessa situação. A solução pode ser fazê-la entender o problema, conseguir sua colaboração para minimiza-lo e o resto fica por minha conta, contendo-me e controlando-me para não ser afetado por essa situação e, na pior das hipóteses, aparentar calma e compreensão.
Ela declarou, e ficou patente, sua revolta quanto ao meu comportamento ao Ter pressa de sair da casa de sua mãe, principalmente quando a irmã estava lá, sem motivação suficiente pra isso. Alegou que muitas vezes, quando chegávamos em casa, eu me dedicava a assistir televisão. Não tenho lembrança de que isso tenha sido tão freqüente, que tenha acontecido tantas vezes. No entanto, não descarto a possibilidade de Ter agido assim. É outro fato causador de problemas e que pode ser contornado sem grande dificuldade, bastando que eu me arme de paciência, evitando ser afetado desnecessariamente. Por seu lado, ela deve compreender que supervalorizou esses fatos, deixando-se atingir por eles, sem colocar o problema com o objetivo de buscar uma solução. Como na maioria das vezes, a solução é o bom senso e a compreensão de nossas deficiências, corrigindo as possíveis e aceitando as de difícil mudança.
Talvez a causa principal de meu comportamento ao reclamar do tempo que ela passava com a mãe, irmã e outras pessoas; se deva a um egoísmo meu, pretendendo tê-la, só pra mim, o maior tempo possível. Isso é um tremendo erro, pois contempla um dos piores valores do ser humano: O egoísmo. Esse comportamento é terrível pois sufoca a pessoa objeto desse egoísmo. Continuo acreditando que a Mari exagerava um pouco no convívio com essas pessoas, no entanto, isso não justifica o meu comportamento. Nós dois erramos e não tivemos capacidade de abordar o problema, buscar identificar as causas e possíveis soluções.

25/11
Saímos logo depois das nove horas e fomos para São José dos Campos, para resolver a renovação da habilitação de motorista dela. Durante a viagem, comentei com ela o que havia pensado. Que havia identificado que minha vontade de tê-la o maior tempo possível junto a mim, me induzia a pressioná-la a não ficar mais tempo com sua mãe, irmã ou qualquer outra pessoa.
Disse-lhe, também, que pensei que a supervalorização, por parte dela, se somou ao problema, aumentando o prejuízo causado pelo meu comportamento. Isto é: O meu comportamento criava um prejuízo emocional nela, que era substancialmente aumentado porque ela o via como maior ainda do que ele era na realidade. Ela desconsiderou os seus eventuais exageros cometidos nas visitas, debitando todo o problema a meu comportamento, sentindo que ele era maior ainda que o real.
Ela continua com dificuldade de pensar com objetividade racional. Está dominada pela idéia de independência, de Ter uma vida descompromissada. A lógica de seu comportamento é bastante questionável, pois desconsidera os problemas que está criando com isso.
Em relação ao nosso relacionamento, assumiu uma posição extremamente egoísta: O que determina nossos encontros amorosos é exclusivamente a sua vontade. Quando ela tem vontade de estar comigo, vem e se satisfaz. A minha necessidade e vontade não tem a menor importância.
Economicamente suas atitudes tem sido catastróficas. As mercadorias que compramos para ela vender, considerando cem por cento de lucro e diminuindo o dinheiro recebido; Nos possibilitaria Ter $4.500,00, pelo menos. Uma parte desse dinheiro, ela recebeu depois da nossa separação. Se somarmos os cheques de compra de sua mãe e empréstimo ao padrasto, poderemos considerar mais R$500,00. Ela tomou um empréstimo no banco para pagar dívidas de sua mãe e padrasto no valor de R$1.800,00. Portanto, nesses tres meses ela acumulou um prejuízo de R$6.800,00. Depois que voltou, já tem um débito comigo de aproximadamente R$1.000,00. O que eleva o total para R$7.800,00. Onde ela acha que vai chegar com esse comportamento? Acho que já passou da hora de ela deixar a preguiça mental e o conforto de atender sua vontade, de lado e passar a encarar a realidade, promovendo as correções necessárias para evitar prejuízos irremediáveis.

26/11
Desde ontem à noite estou pensando e analisando o comportamento da Mari. Está claro que, em relação a mim, ela não está disposta a fazer a menor concessão, só faz o que tem vontade, desprezando minha carência e vontade. Ontem, em São José, comentei que eu estava sentindo falta de seus carinhos. Ela poderia Ter passado a mão em meu rosto ou me dar um selinho, em fim, qualquer demonstração de carinho. Não fez absolutamente nada. Parei na beira do rio, na estrada de Monteiro Lobato e beijei-a . Ela retribuiu como simples obrigação mas com pressa de se afastar de mim. Quando, depois que a Marta Leme, a quem demos carona, desceu do carro, disse-lhe que estava muito carente. Que quando tivesse vontade, me procurasse para me aliviar. Ela disse estar percebendo que o tipo de relacionamento que estávamos tendo, não estava sendo satisfatório pra mim. Que avisara no início que seria assim, que estava percebendo que essa condição estava sendo pior pra mim do que não tê-la. Não se dispôs a fazer nenhum esforço na direção de tentar minimizar minha carência. Está agindo exatamente como propôs e cujas condições aceitei, por isso não tenho do que reclamar. A questão é o seu egoísmo, só se importando consigo mesma, desprezando totalmente o que sinto. Está obcecada pelo descompromisso, supervalorizando-o. Ele não seria motivo para desprezar meu sentimento. Não lhe cobro compromisso, só preciso desfrutá-la e ela só se dispôe a fazê-lo quando tem vontade, sem se importar comigo.
Verificando seu comportamento em relação a dinheiro, ficou claro sua irresponsabilidade é só verificar a análise que fiz ontem. Ela alegou não se lembrar em que usou o dinheiro que estava em seu poder quando da separação. Não era uma quantia insignificante, ultrapassando quinhentos reais, talvez próximo dos mil. É difícil esquecer onde fôra gasto. O motivo do empréstimo no banco de um mil e oitocentos reais, para pagar dívida de móveis da Marta, não parece ser verdade, uma vez que o total da compra de móveis que fizeram quando mudaram para Santo Antonio Alegre, não alcançaria esse valor. Eles já haviam pago alguma coisa, inclusive nós havíamos emprestado dinheiro para que pagassem uma parte. Ela alegou que esse dinheiro fôra emprestado para o Martim, que sua mãe nem sabe disso, inclusive que o Martim lhe pedira para não dizer nada pra ela, pois pretendia apropriar-se de qualquer pagamento que a Marta fizesse posteriormente na loja.
Mesmo tendo a dívida dos móveis, a Marta comprou duas bicicletas logo depois que a Mari foi para Parreiras. Não bastasse isso, comprou a poucos dias atrás mais móveis. Isso caracteriza um compórtamento totalmente irresponsável. Ao ser conivente com esse tipo de comportamento, a Mari está sendo tão ou mais irresponsável que a mãe, uma vez que aquela é totalmente ignorante, mas ela não. Deveria Ter percebido a irreponsabilidade da mãe, alertá-la para o absurdo que fazia, orientando-a para corrigir o problema.
Aparentemente todo o nosso dinheiro gasto desde a separação, foi usado pela Marta. A quantia é bastante significativa. A não ser as bicicletas e os móveis, não vejo onde esse dinheiro possa Ter sido gasto. Fica evidente a enorme irresponsabilidade da Marta e sua falta de escrúpulos em explorar a própria filha. Quanto à Mari, é inconcebível sua conivência com isso, preferindo continuar apoiando a mãe, dando-lhe muito mais valor do que a mim. Está caracterizada a total irracionalidade e verdadeira distorção de valores.
A análise que fiz antes de ontem, assumindo grande parte da culpa pelo mal estar que a levou a me abandonar, foi exagerada. Cometi alguns exageros, não tive sensibilidade para perceber minha ação, no entanto, a maior distorção estava no comportamento dela, exagerando nas atitudes, principalmente em relação a sua mãe; o que pode ser comprovado pela leitura do diário, verificando a constância com que ela se encontrava com a mãe nos últimos meses.
Enquanto esperávamos o Aurélio na CIRETRAN de São José, ela comentou que o Nelson lhe dera uma indireta, pedindo um leitão. Disse-lhe que no outro dia, ele foi na fazenda e disse que a ela dissera pra levar um leitão, mas que não o levaria naquela hora. Perguntei-lhe se achava razoável dar um leitão ao Nelson. Ela disse que sim. Perguntei-lhe por que e ela não soube dizer. Argumentei que se fosse alguém necessitado, dar um leitão seria razoável; no entanto, o Nelson pode muito bem comprar quantos quiser. Que não lhe devemos nada, nem favores, que justifiquem um presente desses. Ela não conseguiu argumentos mas não pareceu convencida.

CONVERSA QUE PRETENDO TER COM A MARI QUANDO VIER
-“Você está bem, tranqüila?
Não preciso repetir o quanto te amo e o quanto você é importante pra mim. No entanto, isso está em perigo.
Hoje nós vamos decidir nosso futuro, no que se refere ao relacionamento. Vamos decidir se ele continua ou acaba de vez.
Percebi que o maior problema no nosso relacionamento não é a falta de compromisso, nem mesmo a condição de que nossos encontros só dependam da sua vontade, sem considerar minha carência e sentimentos. O grande problema é a falta de sinceridade. Já te falei muitas vezes da confiança que sempre depositei em você. Do respeito e admiração que sempre te dediquei. Sem isso, é impossível eu me relacionar com você. Tudo é suportável pra poder conviver com você, no entanto, sem sinceridade não dá! Duvidar do que você diga, desconfiar de tudo, é insuportável.
Passamos a Segunda-feira inteira juntos. Você falou bastante sobre o Renatinho e a Josiane e disse que havia feito um bolinho para o Petro. Não mencionou que havia sido uma festa, com vários convidados e que avançou madrugada a dentro. Fiquei sabendo da festa pelo relato do Martim, à noite. Quando na Terça-feira te falei a respeito e comentei que ele dissera que inclusive o Marilio e o Mauro haviam estado na festa; você desmentiu, alegando que se fosse verdade, teria me contado. Acreditei em você, mas, no final da tarde, o Baiano confirmou a presença deles. Quando te questionei a respeito, você não soube explicar o porquê da negativa, nem do porquê não me Ter convidado. Tentou alegar que a festa acontecera de última hora, o que não foi verdade, pois houve tempo de convidar todas as pessoas que ali compareceram.
Na Sexta-feira, quando voltávamos de São José, comentei que quando você me deixou, ficou com uma quantidade de dinheiro razoável, ao que se somou alguns recebimentos que fez. Quando perguntei em que gastara esse dinheiro, você alegou que não se lembrava. Lembra de uma porção de detalhes, principalmente coisas que servem para me acusar, no entanto, não se lembra do que fez com um volume razoável de dinheiro (mais de quinhentos reais).
Quando perguntei a que se referia o débito na conta, de cento e quarenta e tantos reais, você disse que era um empréstimo que fizera. Só quando falávamos a respeito de financiamento de carro, e eu disse que poderíamos conseguí-lo no banco, é que você revelou o valor do financiamento, dizendo que se destinara ao Martim, para pagar a conta dos móveis. Não comentei isso com o Martim, mas perguntei-lhe quanto pagaram pelos móveis comprados e ele me disse que fôra hum mil e seiscentos reais. Como já haviam pago alguma coisa, inclusive com empréstimo nosso, não é possível que a dívida chegasse ao valor do empréstimo. O extrato do banco acusa um cheque de seiscentos reais no dia três de outubro.
Você disse que emprestara ao Martim, sem o conhecimento de sua mãe. É bem difícil de acreditar, tanto no valor, quanto no segredo a sua mãe. Afinal o Martim nunca te mereceu tanta confiança.
Os indícios da falta de sinceridade são bem grandes. É provável que você tenha justificativas pra isso. Se não para os casos em particular, pelo menos para o que te motivou a agir assim.

Ao que tudo indica, o nosso dinheiro, que ficou com você quando da separação, foi usado por sua mãe. Além disso, ela andou recebendo fiados enquanto você esteve em Parreiras. Ao invés de pagar dívidas, comprou bicicletas. Não bastasse isso, comprou móveis. Ao que tudo indica, é uma tremenda irresponsabilidade. Confirmando a personalidade dela. Não tem escrúpulos de explorar a própria filha, de se beneficiar de uma situação bastante difícil. No entanto você continua a passar a mão na cabeça dela, sendo conivente com comportamento tão deplorável. Mesmo assim prefere morar com ela, que já te causou tantos problemas, a morar comigo que sempre procurei te ajudar. Você alegou que prefere morar lá pela proximidade do trabalho. No entanto isso está impedindo que você invista em si, no seu crescimento, que me parece compensaria com folga a meia hora a mais que você gataria para ir e voltar ao trabalho. Qual o verdadeiro motivo pra você continuar lá?

Quando tomávamos lanche na padaria no Alto da Ponte, perguntei sobre o que você andava pensando. Você se fez de desentendida e não respondeu. O que está acontecendo? Você não pensa em nada ou os pensamentos são secretos?

Pra mim a sinceridade é indispensável para o relacionamento. Acho que já dei provas mais que suficientes de compreensão, de amizade e de superar contrariedades. No entanto, sem sinceridade, não é possível respeitar nem admirar e, sem isso, o relacionamento perde a maior parte de seu valor.

É desnecessário mencionar os erros que você cometeu no período que esteve separada de mim. Os exemplos acima mostram o quanto você continua errando. Até quando pretende continuar assim? Se você prefere continuar errando ao invés de aceitar minha ajuda para corrigir os desvios, é porque me considera uma coisa muito ruim, difícil de suportar. Nesse caso, o melhor é se afastar de mim de uma vez, livrando-se de tamanho mal.

27/11
Pensei sobre as acusações que a Mari tem me feito:
- Chama-la pra vir embora quando está com a mãe, Rose ou outros.
- Reclamar da festa
- Não aceitar as pessoas como são.
- Não cozinhar mais nem passar roupa.
Admiti que errei em todas essas coisas. No entanto, Ela sempre deu motivo para tais reclamações. Posso Ter exagerado mas os motivos aconteceram e vinham se intensificando. É só verificar o diário e notar a freqüência com que conversava com a mãe. O exagero na festa é inquestionável. O não aceitar as pessoas como são, não é verdade, acho que já esclareci e dei provas disso o suficiente. O cozinhar e passar roupa, que fiz muito em Campo Grande, era para permitir-lhe tempo para estudar e fazer trabalhos. Servia também para passar o tempo enquanto a esperava chegar da escola. Aqui, ela não estudou, nem tinha muitas outras coisas pra fazer. Errei ao não fazer nada disso, ainda que por pura gentileza, para agradá-la.
O interessante é verificar como ela acusa com veemência, esquecendo-se totalmente dos motivos que deu.

O que é produto do mistério e o que é distorção de personalidade?
Não é fácil identificar! Será que a racionalidade da Mari não passou de produto da minha imaginação? Ela demonstrou inúmeras vezes acompanhar raciocínios e raciocinar em cima deles, demonstrando grande capacidade racional. No entanto, demonstrou grande dificuldade de entender matérias escolares, principalmente matemática e física. Sempre debitei essa dificuldade à preguiça mental, falta de concentração nos estudos e desinteresse pelas matérias em que tinha dificuldade.
Sempre teve dificuldade de assimilar críticas, buscando justificar-se, demonstrando capacidade de articular a defesa mesmo sem Ter elementos consistentes para isso. Em grande parte das vezes, seria muito mais fácil aceitar a crítica e tentar resolver o problema, do que justificá-la. Isso dificulta a correção dos defeitos que tem pois, ao não admiti-los, deixará de atuar para corrigi-los.

28/11
Por volta da meia noite e quarenta e cinco minutos, o Martim bateu na minha janela. Abri a porta e ele me comunicou que irá embora amanhã logo cedo. Disse que v ira quando a Marta e a Mari desceram para a casa do Fio, onde houve uma festa. Esperou que elas voltassem, o que aconteceu por volta das onze horas da noite. O Fio foi levá-las. Depois que elas entraram em casa, ele se aproximou e ouviu o que conversavam. Disse que a Marta falava sobre um tal de Jair, fazendeiro que estava na festa, parecendo estar interessada nele. Esse tal de Jair teria se disposto a dar um jeito no Martim, concordando com ela de que não passava de um bêbado.
O Martim não estava bêbado. Parecia que a bebedeira tinha passado. Me pediu o telefone do Nelson e disse que ligaria pra ele hoje bem cedo. Que queria receber logo o que tinha direito, que se fosse preciso demandaria na justiça. Disse, também, que ligará pro
Zé Ovídeo para que ele venha buscar suas coisas.
É estranho que tenha resolvido ir embora com tanta pressa. Cheguei a pensar que ele poderia Ter aprontado alguma coisa com a Marta. Pode ser que o motivo tenha sido o medo do tal de Jair. Ou pode ser que tenha sido levado pela emoção, vendo-se impossibilitado de continuar perto da mulher que ama, que se comporta em desacordo com o que ele gostaria, causando grande sofrimento. Talvez acredite que a distância possa resolver seu problema. Tudo é possível mas nada é certeza.
Ele me pagou o que devia. A compra que lhe fiz custou por volta de sessenta e cinco reais e o gaz vinte e sete. Descontei o trabalho de um mês de retirada de leite. A bolsa que lhe comprei em São José, ficou por conta de um dia de trabalho que prestou pra mim.

A Mari (e) está agindo coerentemente com o que se propôs: Fazer o que tiver vontade, vindo ficar comigo quando a vontade se manifestar nesse sentido. Ontem a vontade de ir na festa foi maior do que a de vir me ver. No entanto, existe algo mais do que isso. O Fio sempre me convidou para as festas que promoveu. Desta vez não o fez. Provavelmente porque a Mari(e) estaria lá. É bem provável que ela ou outros pretendessem que eu não comparecesse, para não atrapalhar alguma coisa que pretendiam. No mínimo, consideraram que eu seria um estorvo. Isso já acontecera no Sábado passado e, ali, a responsável por me deixar de fora, foi a Mari(e).
O comportamento dela tem sido irresponsável, só se preocupando consigo mesma. Saiu aqui de casa, trombou com o Rodrigo e foi morar com ele. Quando verificou que lá também não estava bom, veio embora. Chegou obcecada em fugir de compromissos, Ter liberdade para fazer o que tivesse vontade. Considerou que junto a mim, isso seria impossível. Sabia que eu me oporia a atitudes irresponsáveis e, claro, não queria sofrer restrições, tendo liberdade para fazer o que bem entendesse.
Aceitou o trabalho na Arlete por necessidade e para pagar a liberdade pretendida. Acreditou que na casa da mãe teria liberdade total. É uma casa de fácil acesso, o que possibilita muitas visitas. Ela tem demonstrado gostar de se relacionar com essas pessoas. Conversas descompromissadas, críticas a terceiros e fofocas.
O tipo de companhia que está desfrutando serve para passar o tempo. É provável que se sinta bem mostrando sua superioridade, sentindo-se admirada. Ela foi, e é admirada por pessoas mais categorizadas, no entanto, parece preferir esse tipo de admiração conseguida junto a pessoas mais simples. Nestes ela deve sentir uma liderança absoluta, sem restrições.
Não acredito que tenha grande interesse em relacionamentos amorosos ou sexuais. Parece que a obsessão dela é a falta de compromisso, podendo mostrar que é capaz e independente, que não deve satisfação a quem quer que seja.

Quando o Martim veio buscar suas coisas com o Zé Ovídio, me disse que a Mari me pedira para ir lá, trocar o cabo de acelerador da moto. Fui por volta das três e meia da tarde. Ela estava no Oscar e o Petro foi chamá-la. Como a moto estivesse no sítio do Aurélio, ela foi comigo para trazê-la. Troquei o cabo e levei a moto até a casa da mãe dela. Ela levou o carro.
Sentamo-nos nas manilhas junto ao chalé. Perguntei-lhe se viria até em casa e ela disse que hoje não poderia. Perguntei-lhe sobre a ida pra Santana da Luz amanhã e ela me perguntou se eu poderia ir. Disse-lhe que sim.
Resolvi conversar para definir o futuro de nosso relacionamento. Pretendia fazer isso aqui em casa, mas como ela não viria, optei por falar ali mesmo e resolver de uma vez.
Disse-lhe que o maior problema estava na falta de sinceridade por parte dela. Exemplifiquei com o que acontecera quando do aniversário do Petro, e com o empréstimo feito no banco e que ela disse Ter repassado ao Martim. Disse-lhe que o Martim me dissera que o valor total da compra dos móveis fôra de um mil e seiscentos reais. Que como já havia sido pago uma parte, não era possível que a dívida estivesse em um mil e oitocentos reais, valor do empréstimo levantado no banco. Disse-lhe que verificara no extrato bancário a existência de um cheque de seiscentos reais. Ela disse que esse cheque fora usado pra pagar o Dito Sirineu, de conta que a mãe devia na venda dele.
Disse-lhe que a falta de compromisso não me incomodava, nem mesmo que muitas outras coisas fossem mais importantes que eu pra ela. No entanto, não podia conviver com a deslealdade. Não poderia continuar me relacionando com ela, sabendo que estava se comportando como a mãe, com irresponsabilidade, principalmente ao ser conivente com ela, com as irresponsabilidades que comete.
Ela quis insinuar que eu estava terminando o relacionamento. Disse-lhe que lhe estava dando o direito de optar entre ser sincera e continuar comigo ou continuar agindo como está, perdendo-me definitivamente. Ela optou pelo rompimento.
Pedi-lhe que venha até em casa para acertarmos as contas. Ela ficou de vir amanhã.

29/11
Ontem à noite verifiquei as contas, imprimi planilhas do banco, mercadorias e conta corrente entre a Mara e eu neste mês. Montei planilha relacionando bens, dívidas, retiradas da Mara. Fiz cálculo da partilha.
O balanço das mercadorias, compra e recebimentos, mostrou que foram aplicados R$3.115,35. O lucro nas vendas sempre foi de no mínimo 100%. Algumas mercadorias não atingiam esse percentual mas, outras o ultrapassavam bastante. Portanto é razoável considerar essa lucratividade como real. Essas mercadorias vendidas e recebidas, gerariam uma receita de R$6.230,70. A Mari recebeu, enquanto esteve comigo, R$1.410,50. Portanto ela tinha a receber R$4.820,20. Ela vendeu a maioria da mercadoria e, o que restou, ela levou para a casa da mãe. Ela SE apropriou desse ativo e a responsabilidade de receber o que estiver pendente é de sua responsabilidade. Portanto, ela se apossou desses R$4.820,20, que serão considerados como adiantamento do que ela terá direito na partilha.
O balanço da movimentação financeira em novembro, enquanto tentávamos nos relacionar, mostra um débito dela para comigo de R$750,58.
Além do ativo das mercadorias, ela ficou com o dinheiro recebido do cheque emprestado para sua mãe fazer compra no valor de R$252,30, além de um cheque emprestado para o Milton no valor de R$100,00.
O total de dinheiro que ela retirou de nosso capital, desde o dia em que foi embora de casa, soma: R$5,923,08.
O total de nossos bens, incluindo sociedade no trator, passat, moto, parabólica, freezer, colchão, soma R$17,308,00.
As dívidas com Gonzalo, Cynthia e Mirtes, dinheiro emprestado por eles e usado na compra do trator e do guincho, somam R$8,300,00. Não considerei o que ainda devemos do guincho, nem os R$4.000,00 da venda do Uno branco, que eu tinha antes de conhecê-la e que foi vendido para comprar a Kombi e posteriormente o uno vermelho, que por sua vez foi dado na compra do trator.
Quando do capital tiramos as dívidas, sobram R$9.008,00. A metade desse valor é o que corresponderia a cada um de nós e é igual a R$4.504,00.
Como ela já retirou R$5.923,08, está me devendo R$1.419,08.

A análise acima mostra a irresponsabilidade dela ao se deixar dominar pela vontade e agir sem a menor preocupação com a racionalidade. Continuo acreditando na possibilidade de ações misteriosas agindo sobre ela e provocando-a a agir assim. No entanto, a vida real nos coloca diante dos fatos e deles não podemos fugir. O fato é que seu comportamento provocou grandes prejuizos: financeiros a ela e emocionais a mim.
Tenho tentado usar o máximo possível da racionalidade. Não tem sido fácil, pois a emoção e os pensamentos involuntários me atormentam demais, tentando usar a racionalidade a seu favor, para criar argumentos que justifiquem seus desejos de vingança, buscando impedir-me de usá-la.
Tenho plena consciência do quanto a amei e admirei. Nada poderá anular isso. Não é porque tudo terminou que vou me deixar levar pela emoção e pelos pensamentos involuntários, buscando vingança, acusando-a, tentando denegri-la. Ela foi maravilhosa! Pelo menos a vi e senti assim. Nem importa que isso tenha sido pura criação de minha fantasia. Foi maravilhoso!
Neste mês em que tivémos um relacionamento descompromissado, verifiquei que a mulher e seu amor me fazem muita falta. No entanto, pude verificar a enorme importância da amizade e do companherismo, envoltos na sinceridade. Eu poderia Ter escondido o quanto a falta de sinceridade me afetarvam e continuar curtindo a mulher, mesmo que esporadicamente. No entanto, a falta de sinceridade me afetou terrivelmente e não consegui conviver com ela.
Durante esse período, não tive conhecimento de que ela tivesse qualquer envolvimento amoroso com alguém. Nas conversas que tivemos, admitiu que agira erradamente, que se caracterizava a ação do mistério comandando-a .No entanto, continuou tentando justificar que suas atitudes, no tocante à nossa separação foram provocadas pelo meu comportamento. Continuou supervalorizando minhas atitudes e desconsiderando o seu comportamento, que as provocaram. Admiti meu erro, mas ela não considerou os seus. Isso fez com que continuasse a justificar o não reatamento de nosso relacionamento, que provocaria novos atritos, em virtude da continuidade do meu comportamento. A admissão de meus erros e a promessa de evitá-los no futuro, de nada adiantaram, não mereceram a credibilidade dela.
Parece que ela propôs aquele relacionamento descompromissado, como maneira de fugir da pressão que eu fazia sobre ela. Propôs-se a me suportar em alguns momentos, como forma de manter-me afastado dela enquanto esse fosse seu desejo. Durante esse período, as atitudes dela que me permitiriam criticá-la, foram o fato de promover uma festa de aniversário, convidando várias pessoas, com as quais não tinha maior intimidade, excluindo-me. Ter tentado esconder que tal festa acontecera, alegando que não passara de um bolinho para os familiares. Ter preferido a festa promovida pelo Fio, do que vir estar comigo. Se não tivesse nada contra minha presença nessas festas, poderia Ter me convidado. Poderia Ter pedido ao Fio que o fizesse. Ao agir da maneira que agiu, confirmou que minha presença nesses lugares, criaria problemas para ela. Por que? Aparentemente não fez nada que merecesse ser condenado.
O maior indício da distorção de sua personalidade, é o fato de preferir morar na casa da mãe, sem conforto, com muita bagunça, convivendo a todo instante com comportamentos condenáveis por parte da mãe e dos irmãos. Se tivesse optado por morar comigo, poderia Ter total liberdade, estaria morando na sua casa, cuidando-a da maneira que melhor lhe aprouvesse e poderia curtir a mãe e irmãos o quanto quisesse. O relacionamento com eles não é nada recomendável pela razão. No entanto, é uma necessidade emocional dela. Portanto, eu respeitaria essa convivência e não criaria problemas para que os visitasse o quanto quisesse. Claro que acusaria exageros. Para que fique claro o que consideraria aceitável, não me oporia a que essas visitas acontecessem dia sim, dia não e que durassem até cinco horas de cada vez. Coloquei isso só para dar um parâmetro do que aceitaria sem problemas, sem me deixar afetar. Ela teria liberdade para fazer o que quisesse, ir onde pretendesse. Os limites seriam estabelecidos pelo bom senso, pela amizade e pela sinceridade. Muitas vezes, atender a emoção e a vontade, contrariam a racionalidade. No entanto, nem sempre isso é inaceitável, basta que não infrinjam os limites considerados acima.
Portanto, sua opção em morar com a mãe, parece se dever a Ter possibilidade de agir ultrapassando limites aceitáveis, o que me obrigaria a criticá-la, ao Ter conhecimento que isso estaria acontecendo. Que grande atrativo as pessoas com quem está convivendo terão pra ela, para que despreze a possibilidade de Ter maiores opções, sem Ter que deixar de curtir essas pessoas?
Poderíamos Ter um relacionamento descompromissado, que lhe possibilitaria fazer o que parece estar fazendo, ao mesmo tempo que poderia desfrutar do que eu poderia lhe oferecer, como conhecimento, conversa, apoio, admiração e alguns divertimentos e lazer. Para desprezar isso, o único motivo justificável, seria ela Ter desenvolvido uma grande aversão por mim, uma verdadeira ojeriza. Se for isso, o que a teria causado? Claro que vendo-me como parece que está, um crítico implacável e insensível, poderia gerar esse sentimento. No entanto, é fácil constatar que isso não é verdade. Bastaria que ela racionalizasse o mínimo para perceber a inveracidade disso.
Eu tenho falado muito na perda causada pela mudança de personalidade da Mari. Tenho dito que não só eu estou perdendo, mas que a própria humanidade está sofrendo essa perda. No entanto, aparentemente, as pessoas que convivem com ela, não estão perdendo nada. Ela continua agradável, simpática, inteligente, bonita, crítica, aconselhadora, trabalhadora, em fim, companhia muito agradável e útil. A perda a que me refiro, é o que ela seria capaz, além disso. Desenvolvendo sua capacidade através do conhecimento, poderia desempenhar funções, principalmente de assistência social ou na área da psicologia, por exemplo. Poderia ser escritora, divulgando sua maneira de ver o mundo, acusando os erros, incoerências, maldades, influência da ignorância, em fim, as coisas de que ela tem uma visão especial. Para tornar isso possível, seria necessário que se empenhasse em adquirir conhecimento e se dedicasse a análises e discussões, que permitiriam o refinamento de sua capacidade. Na prática, quem realmente está perdendo somos eu e ela. Perdemos a grande felicidade que tivemos, pelo amor, pela amizade, pela admiração, pelo respeito.

Ela veio antes do almoço com o Jacinto, na camionete do Aurélio. Aproveitou a camionete para levar as coisas da mãe (camas, tanquinho e colchão), além de estar acompanhada para evitar contratempos que eu pudesse criar.
Mostrei-lhe as contas, acompanhou minha demonstração, mas não quis verificar com detalhes. Não acusou erros quando lhe pedi que o fizesse se entendesse que estaria sendo prejudicada. Disse Ter entendido e concordado com as colocações e cálculos. Demonstrou um certo descontentamento ou decepção, ao perguntar se não ficaria com nada e ainda ficaria devendo. Me disse que eu sabia que ela não tinha dinheiro para ressarcir o que devia. Disse-lhe que não precisaria pagar, que bastaria que assinasse os recibos da moto e do carro. Que eu lhe deixaria a moto para usar, porque não queria ser acusado de impedi-la de se locomover ou de ser insensível à dificuldade que ela enfrentaria daqui para a frente. Não questionou. Pediu o cartão do banco, quando aleguei que precisaríamos ir à Santana da Luz para que ela assinasse os recibos no cartório e eu retiraria o dinheiro que o Nakano depositará e o saldo do banco que é meu. Combinamos ir na Quinta-feira, que é dia primeiro e o Nakano já terá depositado o pagamento. Não combinamos a hora, o que me obrigará a procurá-la amanhã.
Entreguei-lhe as roupas, inclusive as calcinhas que estavam aqui, além das fotos que ainda estavam comigo. Ela procurou nas pastas mas não encontrou o recibo do carro. Ficou de procurar em sua casa.
A mãe dela ficará possessiva quando souber que a filha não receberá nada e que ainda ficaria devendo se eu não perdoasse a dívida. Avisei a Mara de que, se tiver conhecimento de que falam que eu a prejudiquei financeiramente, publicarei a prestação de contas. Não creio que ela me acusará disso, no entanto, tenho sérias dúvidas a respeito de sua mãe. Disse-lhe que a verdade poderá ser comentada a vontade, que inclusive, eu contarei ao Chico Bento, que sempre esteve a meu lado. No entanto, que evite que comentários maldosos sejam divulgados. Não duvido que a provoquem a me questionar, o que não traria nenhum problema. No entanto, as provocações poderão ser no sentido de que tente me “passar a perna”, como por exemplo impedindo que eu retire o dinheiro do banco e que se negue a assinar os recibos de venda da moto e do carro. Acho que é bem provável que isso aconteça. Ela se portou dignamente, sem apelações. No entanto, ela sempre agiu assim na minha frente, mudando de atitude depois, quando está nessa personalidade.

E o que eu faço agora?
Estou como que dopado. Não estou muito triste. O que estou sentindo é incomparável ao que senti durante a separação, antes de sua volta. Talvez o motivo seja o fato de eu Ter tomado a iniciativa para a definição do relacionamento. É muito triste o desfecho, o final de tão grande amor. Principalmente pelas condições em que isso aconteceu.
Voltei a chorar, mas agora é diferente. É o fim.
O que faço agora?
Continuo aqui, sobrevivendo e escrevendo?
Vou pára outro lugar? Pra fazer o que?
O que me satisfaria totalmente, seria poder proferir palestras, participar de questionamentos, pesquisar o sobrenatural, editar livros, em fim, viabilizar a divulgação de tudo o que tenho pensado e sentido nos últimos anos. No entanto, sei o quanto isso é difícil. Depende de que alguém se interesse e propicie que isso aconteça. Para que alguém se interesse, é necessário divulgação, tornar conhecido o trabalho. Pra mim isso é extremamente difícil!
Creio que o mistério tem grande influência sobre isso, se não é o único responsável. Por esse lado, o melhor seria continuar aqui e esperar que ele se manifeste e decida o que acontecerá.
Na última ida a São José dos Campos, verifiquei o quanto a burocracia e a incoerência do funcionamento das instituições me afeta negativamente. Não sei se conseguiria voltar a viver as condições da cidade, tendo que me sujeitar às regras de convivência ali.
Acredito que se o comportamento da Mara se complicar e ela descambar para comportamento não recomendável será muito ruim. Pior ainda, será verificar uma eventual decadência. Se isso acontecer, talvez seja obrigado a ir embora.
Não sei! Realmente não sei o que fazer. Vou continuar por aqui mais um pouco e verificar o que acontece. Espero poder falar com o Nakano e pedir-lhe ajuda no referente às palestras e edição de livros. Vamos esperar para ver o que acontece.

30/11
Continuo como que dopado. Estou triste mas sem sofrer, como antes. Pode ser que seja por causa do amor próprio que, agora, não se sente ferido.
Desci até a venda as nove horas como havia combinado com o Chico Bento, para ver se ele desceria pra Santana da Luz ou não. Liguei pra Mara para saber se desceria amanhã e marcar a hora. Ela disse que precisaria ir hoje. Combinei de pega-la na casa da mãe a uma e meia. Ela precisa pegar o correio aberto.
Ontem, o Jacinto veio com a Mara buscar as coisas da mãe dela. Estivemos conversando um pouco. Ele foi abandonado pela mulher, que já o vinha traindo há algum tempo e resolveu ir embora com um dos amantes. Ele ama a ex-mulher. Disse do quanto é difícil ir visitar os filhos (um casal, ainda pequenos) e Ter que ver a mulher beijando o novo companheiro. Disse também da dificuldade de Ter alguém para conversar a respeito, pois a família sempre condenou seu casamento e, agora, jogam-lhe na cara que o haviam avisado e, ao invés de ajudá-lo, limitam-se a criticá-lo.
Disse-lhe que a maior dor do mundo é sempre a nossa. Que a situação dele pode ser considerada pior que a minha, quando considerarmos a existência dos filhos que o obrigam a conviver com a ex-mulher beijando o novo marido. Há também o problema dos filhos longe dele. No entanto, sua ex é uma mulher comum, sem qualidades excepcionais e com muitos defeitos. No meu caso a perda é maior porque não perdi somente uma mulher, perdi uma amiga, companheira, um grande apoio, uma pessoa excepcional. Não a perdi para outro, mas perdi. No entanto, não se pode afirmar que o sofrimento de um seja maior ou menor que o do outro. É sofrimento, e grande, portanto a relatividade é insignificante.

A uma e meia da tarde, fui buscar a Mara. O Petro estava esperando na estrada e disse que ela já havia ido, por volta do meio dia.
Ao chegar em Santana da Luz, fui na papelaria e, ao sair, encontrei-a na praça junto ao ponto de taxi. Fomos ao banco, onde ela tirou extrato e confirmou o saldo que eu havia acusado na prestação de contas da partilha. Como meu pagamento ainda não tivesse sido depositado, ela demonstrou medo de que o depósito fosse feito em cheque, demorando para ser compensado, o que provocaria a devolução do cheque que ela deu para dia cinco. Disse-lhe que poderia me dar o dinheiro quando o pagamento estivesse compensado. Ela me deu cento e quarenta reais e ficou devendo quinhentos.
Fomos no despachante, que nos informou ser necessário fazer ocorrência da perda do recibo de venda do carro, além de outros documentos. A Mara demonstrou temor que a transferência do carro e moto para meu nome, poderia me trazer problemas e despesas. A meu pedido, ela prometeu que não tentará vender nenhum dos dois e que se disporá a assinar os recibos quando eu precisar. Disse-lhe que meu medo é que se veja pressionada por problemas financeiros, principalmente causados por sua mãe, e se veja forçada a fazer dinheiro com a venda dos veículos. Ela garantiu que isso não acontecerá.
Como a firma ainda não tivesse sido fechada, aconselhei-a a mantê-la aberta até janeiro, para que ela pense no que fazer, se fecha ou a mantém, talvez mudando a atividade. Fomos no contador, comuniquei a auxiliar da decisão e fiquei de acertar os honorários com o contador, quando o encontrar.
Na volta, ia no Chico Bento pedir um cheque para dar ao Nildo, quando encontrei com o ônibus da Silvicultura que havia batido no barranco. Depois de verificar que não havia feridos, voltei para o carro para ir no Chico, quando vi a Mara e sua mãe vindo olhar o que havia acontecido. Como não consegui chegar no Chico por causa do barro, manobrei e, na volta, chamei a Mara e pedi se poderia usar o cheque que estava em meu poder para dá-lo ao Nildo. Ela autorizou.

01/12
Continuo triste, sem sofrimento maior. Estou revoltado com o comportamento da Marta, continua agindo irresponsavelmente, principalmente no tocante a dívidas. Não tem cabimento alguém que já causou tantos problemas financeiros, continue agindo da mesma maneira, sem a menor consciência do mal que causa. É inadmissível que a Mara seja conivente com esse tipo de comportamento. Não acredito que a Mari pudesse agir dessa maneira. Mas, em fim, quem está agindo é a Mara e ela é capaz de tudo. Sinto que desta vez a Mari não volta mais.
A Mara continua raciocinando, tanto é que se mostrou preocupada com o fato de eu transferir o carro e a moto para meu nome, achando que eu poderia Ter problema com isso, além de despesas. Está preocupada com a situação financeira em que está metida, tanto é que tentou cancelar o ourocap por saber que não terá como continuar pagando as parcelas. Parece que o problema dela é só comigo e com a mãe, contra mim e a favor dela. É muito estranho que continue racionalizando, agindo com coerência, desde que não seja comigo e sem a influência da mãe.
Não consigo entender que atrativo pode Ter para ela ficar desde o meio da tarde até por volta das dez horas da noite na casa do Fio. Aparentemente não havia ali ninguém que lhe interessasse particularmente, nem acontecia algo tão interessante. Preferir ficar todo esse tempo lá ao invés de Ter vindo aqui, ficar comigo, chega a ser humilhante. O que terá ocasionado essa rejeição contra mim?

02/12
Como será que funciona o pensamento de pessoas como a Marta?
Não creio que tenha capacidade para estabelecer planos complexos e interpretações planejadas, com o objetivo de conseguir o que pretende. Aparentemente ela é obcecada por consumo, uma espécie de compulsão. Compra acreditando que poderá pagar ou que alguém o faça. Ao comprar não considera o que já deve, nem a dificuldade que está tendo para quitar a dívida já existente.
Parece acreditar saber, o que desconhece por completo. Atreve-se a aconselhar e, até impor, comportamentos aos outros, principalmente às filhas. Ao que tudo indica, não é capaz do mínimo de racionalidade, agindo por impulso, com base em preconceitos e impressões. Por isso não vejo possibilidade de que planeje “golpes”. Age, pura e simplesmente com objetivo de conseguir o que pretende, usando os acontecimentos do momento ou sua potencialidade.
Quando a Mara foi morar com o Rodrigo, sabendo que ele tinha dinheiro, acreditou que ele não se negaria a ajudá-la, principalmente com a ajuda da Mara. Ela não pediria diretamente ao Rodrigo. Agiu como sempre fez: gastou na esperança de que a Mara quitasse as dívidas. Comprou logo duas bicicletas. Que urgência havia para essa compra?
A Mara sabendo disso, foi conivente, se é que não incentivou tal compra. Outra possibilidade que possa Ter motivado essa compra, foi o fato de a Marta Ter conseguido trabalho no Oscar e no Aurélio. Como a sobrevivência estava garantida com o salário do Martim, pode Ter considerado que o que ganharia seria suficiente para pagar as bicicletas sem maiores problemas. No entanto, será que pensou nisso quando resolveu se separar do Martim?
Aparentemente, quando decidiu se separar, considerou que o que ganhava seria suficiente para sobreviver, podendo dispensar o ordenado do Martim. Só deve Ter esquecido que parte do que ganharia, já estava comprometido com a compra que fizera.
A Mara alegou que emprestara o dinheiro ao Martim, sem o conhecimento da mãe. Não me parece razoável que tenha agido assim. Me disse, a princípio, que o dinheiro fôra para pagar os móveis, no entanto quando questionei o cheque de seiscentos reais que constava no extrato bancário ela disse que esse cheque fôra para pagar o Dito Sirinéu. Veja-se a responsabilidade, a Marta mudou do Jusco há mais de um ano, portanto essa dívida é anterior a esse tempo. Mesmo tendo essa dívida, não titubeou para comprar móveis novos, assumindo mais uma dívida significativa. Como pretenderia pagar esses compromissos? É contar com um ovo muito grande no cú de uma galinha que ainda não se tem.
É dificil acreditar que a Mara não tenha dito à mãe que levantara um empréstimo para pagar essas dívidas. Se o empréstimo fôra feito depois da compra das bicicletas, ao fazer essa compra ela pode não Ter considerado que teria que arcar com as prestações desse empréstimo. No entanto, comprou móveis posteriormente a isso, desconsiderando, novamente, as dívidas anteriores e ainda não quitadas.
A Marta é extremamente ignorante, pelo desconhecimento, falta de racionalidade e, principalmente pela prepotência. No entanto, o que levaria a Mara a agir como está fazendo? Ela sabe do problema, que não é novo, que já lhe causou uma infinidade de problemas, tendo que abrir mão de necessidades suas para socorrer os absurdos da mãe. Por que ainda continua sendo conivente, sem agir na direção de corrigir o problema, no mínimo deixando que a mãe se veja pressionada pelos credores e dê um jeito de pagar ou, no mínimo, freie sua compulsão por consumo. Ela é suficientemente inteligente para verificar isso. Não bastasse sua inteligência, venho escancarando esse problema para ela há muito tempo, relembrei-a, ainda, há menos de dez dias. O que a impede de ser racional e tomar uma decisão na direção de corrigir o problema ou, no mínimo, impedir que seja usada por sua mãe para continuar cometendo irresponsabilidades. Foi a Mari que me alertou do erro que eu cometia ao arcar com os custos dos abusos da Darcy, quando eu pagava suas contas. Portanto, a Mara deveria saber disso eusar a sua prórpia receita para agir com sua mãe.
É difícil entender o que acontece, o que provoca tais comportamentos. Será que o mistério é quem comanda esse circo?
Se considerarmos o caso da Teresa, não podemos dizer que ela seja desprovida de conhecimentos. Pelo menos ela os tem em quantidade muito maior que a Marta. O que a fará agir como age? Aceita informações sem questioná-las, pelo simples fato de atribuir à fonte uma credibilidade absoluta, sem qualquer questionamento, para verificar se essa fonte merece tamanha credibilidade. Em contrapartida, desconsidera qualquer argumentação que contrarie o que acredita ser certo. Age contra quem a contraria com veemência cruel, com raiva, com desejo de vingança. É de uma prepotência absoluta. Quando se vê incurralada, sem argumentos para defender o que acredita e é enfrentada, reage com ataques nervosos, com o claro objetivo de se livrar da situação sem Ter que admitir que possa estar errada. Esse é um comportamento também usado pela Marta. Essas pessoas não conseguem admitir seus erros, preferindo apelar para o sentimentalismo dos circundantes, fazendo-se de vítimas, quando na verdade são os verdadeiros algozes. Por que tem tanta dificuldade de admitir que são falíveis como qualquer ser humano? Por que sentem essa necessidade doentia de estar sempre certas? Nunca soube que a Teresa tivesse pedido desculpas a alguém admitindo que errara. Pode Ter acontecido mas nunca presenciei isso.

Hoje pensei que não é possível desconsiderar uma reconciliação. É claro que isso sempre será possível enquanto existir vida. O problema é que, da maneira que a Mara está, com a rejeição contra mim, sem conseguir se livrar da influência da mãe, será muito difícil que nos reaprossimemos. Continuo achando incrível a influência que a mãe exerce sobre ela. Chega a ser um verdadeiro absurdo. Por essa influência, ela está levando uma vida medíocre, desprezando o que poderia fazer em seu benefício, na sua construção.

04/12
Ontem não aconteceu nada digno de registro, a não ser que pensei que a Mara poderia aparecer hoje para me dar os parabens, pelo aniversário.
Passei o dia com a esperança de que ela aparecesse. A esperança é uma merda! Se ela não teve consideração aodeixar de ser sincera, de preferir outras coisas do que a mim; não teria porque vir aqui pra me dar os parabens, mesmo porque deveria saber que isso seria proporcionar-me alguma esperança de reatamento.
A associação de fantasia e esperança me fizeram pensar que ela poderia me fazer uma surpresa, aparecendo hoje, dizendo que fizera o que fizera nos últimos dias, para propiciar a surpresa de que, no dia de meu aniversário, voltaria dizendo que amava e que voltaria pra mim. O problema é que a esperança, ao não se realizar, causa sofrimento. Tomara que eu consiga retomar o estado de espírito que estava tendo até ontem. Se acabou, acabou; não adianta esperar o que não virá.
O Chico Bento veio antes do almoço trazer a motoserra para eu dar uma olhada no defeito que tinha. Contei-lhe sobre o empréstimo que a Mara fizera no banco, para pagar dívidas da Marta, além de contar-lhe do acerto da partilha. Ele disse que o Martim comentara, no serviço, que o Rodrigo é que pagara a dívida dos móveis, do Dito Sirinéu e que, ainda, teria prometido reformar a casa da Marta no Jusco. Segundo o Chico, a Marta teria lhe dito, ontem, que a Mara pretendia vender a moto. Comentei com o Chico a imbecilidade da situação, em que todos estamos perdendo. Eu ficando sem a Mari, A Mara dispensando minha amizade e o quanto eu poderia ajudá-la e a Marta, deixando de Ter a chance de se corrigir (se é que isso ainda é possível) e tendo ajuda para se livrar de suas encrencas.

Ultimamente as safadezas políticas estão em destaque na imprensa e nas conversas populares e em todas as rodas sociais.
O noticiário mostra diariamente a continuidade da vilolência dos marginais, o mal atendimento da saúde, os problemas na educação, a violência com bases ideológicas e religiosas, principalmente no Oriente Médio.
Os dedos de todos os críticos apontam na direção dos políticos, principalmente dos executivos. Será que eles são os únicos culpados por esse estado de coisas?
Em qualquer repartição pública é fácil notar o despreparo de muitos funcionários, associado a má vontade e a indolência. É notório o desrespeito com o público. Em nome de dificular problemas de fraudes e outras safadezas, o cidadão se defronta com uma burocracia absurda, exigindo comprovaçõesde coisas que são evidentes, reapresentação de documentos apresentados anteriormente, entre outras incoerências
SAÚDE.
O sistema de saúde é lamentável. Tanto o governo quanto entidades ligadas à saúde, vivem alertando para os perigos da automedicação. No entanto, muitos médicos propiciam atendimento tão incompetente que qualquer farmacêutico um pouco mais dedicado, oferece soluções melhores que as deles. A entrada do paciente no sistema de saúde, deveria acontecer através de postos de saúde, onde seria feita a triagem que verificaria a gravidade e urgência de cada caso, encaminhando a continuidade do processo.
Os problemas de saúde vão desde os sintomas e doenças imaginárias, até acidentes graves, passando por doenças crônicas ou agudas, das mais variadas gravidades, de crises momentâneas ou repetitivas, etc. Algumas doenças simples poderiam ser resolvidas no próprio posto de saúde. Dependendo do resultado desse exame inicial, o paciente seria encaminhado para onde houvesse condições de dar prosseguimento ao diagnóstico e posterior tratamento.
Problemas de saúde são causadores de sofrimento ao paciente. O sofrimento será inversamente proporcional à eficiência do tratamento. Para a melhor solução são necessários: Diagnóstico eficiente, tratamento adequado e contribuição do paciente.
O primeiro problema acontece no diagnóstico. Quando esse for ineficiente, qualquer providência baseada nele, estará fadada ao fracasso. A ciência e a tecnologia tem possibilitado cada vez mais conhecimentos, equipamentos e técnicas investigativas para diagnósticos ou suas confirmações. Se isso tem possibilitado maior precisão e acerto de diagnósticos, parece estar inibindo muitos médicos de diagnosticar pelo seu conhecimento e experiência, mesmo doenças facilmente identificáveis. Esse problema fica maior quando os métodos investigativos possíveis não estão disponíveis. Muitas vezes, por isso, o paciente sofre até que tais exames sejam possíveis ou continua doente porque o aceeso a tais exames lhe seja vedado, peincipalmente por problemas econômicos. Muitos desses casos acabam e morte.
Outro problema comum no tratamento da saúde, é a impossibilidade do paciente de fazer o tratamento, seja por incapacidade econômica, impossibilidade de repouso, por exemplo, ou qualquer outra razão. É bastante comum o caso de pessoas que não tem como se locomover até os locais de exame ou tratamento.
Enquanto não seja possível oferecer tratamento adequado, seria recomendável adequar o tratamento ao possível. Se isso não é bom, é melhor do que nada, o que acontecerá se um tratamento inviável for receitado.
Verifiquemos alguns casos reais para exemplificar o dito acima.
O Marciel, rapaz de uns dezoito anos, Morador numa fazenda há vinte quilómetros da cidadezinha, por estrada de terra; foi acometido de fortes dores abdominais. Levado à cidade, teve o diagnóstico de hepatite, feito por um médico de uma clínica conveniada com a prefeitura. Para confirmar o diagnóstico, o médico pediu um ultrassom. Como não conseguisse confirmar o diagnóstico por esse exame, pediu um exame de sangue que demoraria alguns dias par Ter o resultado. Receitou um remédio indicado para problemas estomacais, que deveria ser tomado enquanto o diagnóstico não fosse confirmado.
No dia seguinte, o rapaz sentiu as mesmas dores, novamente. Levado a uma Santa Casa de uma cidade vizinha, um médico diagnosticou, com grande segurança, por um exame superficial e por informações do paciente, que se tratava de uma crise renal. Ainda deboxou do médico que diagnosticara hepatite. Como o diagnóstico fosse de crise renal, o tratamento ministrado foi o indicado para esses casos. Mais tarde, um médico do próprio hospital, a pedido a família, consultou o paciente e diagnosticou apêndice que, pelo tempo de duração da crise, já deveria estar suporada. Disse ser um caso grave e que necessitava de intervenção cirúrgica urgente. Informou que essa cirurgia não poderia ser realizada naquele hospital e que o paciente deveria ser removido para um outro hospital, numa cidade à oitenta quilômetros de distância.
A responsabilidade da remoçao era da prefeitura do município onde o rapaz residia. No entanto, a única ambulância desse município estava em serviço e não poderia fazer a remoção com a urgência que o caso requeria. O hospital não autorizou que parentes do paciente o removessem em carro particular e não ofereceram qualquer alternativa. Só depois de recorrer à polícia é que a prefeitura da cidade onde se localiza o hospital onde o rapaz estava internado, providenciou uma ambulância para a remoção. Depois de mais de três dias desde os primeiros sintomas é que o rapaz conseguiu o atendimento necessário e foi operado. Não fosse o empenho da família em questionar os diagnósticos e pressionar para conseguir a remoção, provavelmente esse rapaz não teria resistido. O incrível é que leigos, com um mínimo de informação sobre saúde, poderiam Ter diagnosticado esse problema, tão evidentes eram os sintomas. Por que dois médicos diagnosticaram causas mais remotas, desprezando a causa mais evidente?

05/12
Pensei nela durante o dia, no que deve estar pensando, sentindo. Não consigo deixar de pensar que ainda poderá voltar. É difícil, mas não impossível. No final da tarde percebi que estava até alegre. Não sei porque, mas estava alegre.

Há o caso da Dna. Rosa, uma senhora de quase oitenta anos, cega a mais de dez, e que agora não consegue se locomover sozinha. O marido, bebia muito e faleceu há uns três anos. Dois filhos moram com ela. Os dois bebem muito. Até uns dois anos atrás ela cozinhava e fazia algumas coisas em casa. Agora, não consegue fazer mais nada.
A filha mais velha quis levá-la para morar com ela, mas não levaria os irmãos. A mulher não aceitou ficar sem os filhos e por isso continua morando na sua casa, com eles.
É possível que com diagnóstico e tratamento adequado, essa mulher não estivesse sofrendo o que sofre. No entanto, ela mora na roça, há vinte quilômetros da cidade por estrada de terra. O genro tem carro e, sempre que necessário, a leva à cidade e ao médico. No entanto, nunca teve uma investigação mais apurada para diagnosticar seus males, muito menos tratamento eficiente. Continua viva por obra do mistério da vida, pois nas condições que vive, sem higiene, sem alimentação adequada, sem as mínimas condições consideradas normais, seria de se esperar que não resistisse. No entanto, continua viva, talvez como uma forma de castigo, pois uma vida assim é uma somatória de sofrimentos.

Há outra mulher, nas vizinhanças, que vive inchada, com problemas na pele e problemas psicológicos ou psiquiátricos. Ela não aceita ficar internada para diagnóstico e tratamento. Só vai ao médico quando a situação piora. A família não tem condições de acompanha-la, cuidar dela como seria necessário. O sistema de saúde se limita a atender suas crises e não faz mais nada na direção de tentar resolver seu problema. A maioria desses casos acaba encontrando mais alívio para os males junto a benzedores ou curandeiros do que no sistema de saúde.

O paciente não curado sofre crises e recorre ao sistema de saúde, cada vez que elas acontecem. Se verificarmos nas filas dos hospitais e outros pontos de atendimento médico, poderemos verificar que esse tipo de paciente será a maioria. Se eles tivessem um atendimento adequado e fossem curados, deixariam de recorrer ao sistema tantas vezes quanto fazem. Tratamento adequado possibilitaria um alívio na pressão que o sistema de saúde sofre, evitando a repetência de visitas de pacientes que não foram curados. Isso possibilitaria desafogo do sistema de saúde e, principalmente, alívio no sofrimento aos pacientes.

Outro problema sério, é a taxa de natalidade indesejada. Por falta de orientação e, principalmente de anticoncepcionais, mulheres engravidam e geram problemas. Geram problemas ao abortar através de métodos pouco recomendáveis. Geram problemas para si, tendo que arcar com a responsabilidade de criar e educar os filhos. Geram problemas para os filhos, quando não conseguem atendê-los no mínimo necessário.
Embora a lei garanta a obrigatoriedade do governo promover a orientação sobre o controle de natalidade e o oferecimento de métodos contraceptivos, isso não acontece na prática. Como resultado, crianças continuam sendo geradas sem que tenham sido desejadas. Tanto as crianças como as mães, também contribuem para a sobrecarga do sistema de saúde.

06/12
Não consigo deixar de pensar nela, no que estará fazendo, pensando. Penso no que sua mãe representa nessa história. Na possibilidade da reconciliação. Na impossibilidade de eu aceitar condições inaceitáveis que levem à perda de dignidade.
Me sinto razoavelmente bem, sem sofrimento. Acho que é a reconquista do amor próprio, de Ter conseguido abrir mão do que poderia ser considerado uma espécie de esmola. Nosso relacionamento foi muito intenso, impossibilitando aceitar uma relação descompromissada de amizade, sinceridade e amor. Isso não é conseqüência de compromisso, é emoção e racionalidade considerando valores.

Ele pensou que pensava
Estava sendo pensado
Usavam sua cabeça
Abusavam do coitado

Ele não acreditava
Acreditava pensar
Ser o mais inteligente
Impossível de enganar
Estava sendo levado
Acreditando levar

Ter muito conhecimento
Mas dele nada entender
É carga morta, inútil
É mentira pra valer
Em quem pensa que é muito
Mas não sabe o que é saber

Ele é o maior enganado
Acreditando que é
Iludindo a si próprio
Um verdadeiro mané

Inteligência idiota
Prepotência pra valer
Conhecimento perdido
De quem sabe sem saber
Detendo informações
Que não consegue entender.

Pobre cultura repleta
Um grande banco de dados
Informação tem demais
Sem entender são coitados
Carregam conhecimento
São por eles arrastados

Buscar o entendimento
Reconhecer não saber
Ser humilde nessa busca
Abertura pra aprender
Constrói o inteligente
Com sêde de conhecer



Os lábios se apertando
Numa troca de calor
As línguas vão se tocando
Na loucura do amor

Da boca, queixo e pescoço
A boca encontra a teta
Desliza pela barriga
Se encontra com a buceta

Nas coxas, pernas e pés
Fica o rastro da passagem
Quando ela vira de bruço
Transformando a paisagem
A boca começa em baixo
E segue sua viagem

Pés, pernas, coxas e bunda
A boca percorre o nu
As ancas vão se erguendo
O caminho leva ao cu

A viagem enlouquece
Faz o tesão explodir
O gozo atinge os amantes
Não dá mais pra resistir

07/12
Considerei uma coisa óbvia: O fundamental é que a Mari me queira. Se não quiser, se eu não for importante pra ela, de nada vale tê-la. Já fiz tudo o que podia e não adiantou, portanto, até agora, está claro que não tenho importância pra ela, sem o quê não adianta tê-la.
O porquê disso estar acontecendo é passível de todo tipo de especulação. O que é inquestionável, é que está acontecendo e, contra isso, não há o que fazer, uma vez que não é racional. O amor pode Ter acabado e isso é normal. No entanto, esconder a verdade, traindo a amizade, desprezando-a, é ininteligível, não dá pra entender. Ou é muita burrice ou obra do mistério. Contra a burrice já fiz o que podia. Contra o mistério, não há o que fazer.

08/12
Continuo pensando nela, consciente de que se não lhe tenho mais valor, de nada adianta Ter esperança.
No final da tarde fui no Chico Bento encher o pneu do carro. Passar por sua casa dá uma sensação ruim, uma esperança de que vai me cercar na estrada e pedir pra voltar. Devaneios de um carente!

09/12
A esperança é uma merda! O simples fato de o Jacinto Ter dito ontem que viria buscar queijo hoje, me colocou na cabeça que ela poderia vir junto e dizer alguma coisa. É uma besteira, esperança inútil, se ela resolver me ver, não precisará de ninguém, ela virá e pronto. O problema é que não me reconhece mais valor, pelo contrário, deve estar me denegrindo para si própria, para justificar que deve se manter longe de mim. A verdade é que não me dá mais nenhum valor, o resto é bobagem, esperança idiota que só causa sofrimento. Tenho que conseguir me livrar dessa esperança ou continuarei sofrendo.
10/12
Fui levar queijos no Antenor e, ao passar na venda, ví a Marta. Quando estava no Antenor, vi passar o carro do Fio e uma mulher que estava ao lado da venda, disse para o filho que era a Mari que dirigia o fusca. Quando cheguei na venda, ela estava dentro do fusca, a Marta subiu e foram embora. Nem a vi direito. Fiquei com nó no estômago. Me sinto mal cada vez que a vejo ou algo que se relaciona com ela. Dá aperto no peito, no estômago, é muito ruim. Pensei que ela deve Ter pedido o carro emprestado pra ir a algum lugar, o Jusco provavelmente. E daí? Ela pode ir onde quiser e eu não tenho nada a ver com isso. Preciso me livrar disso, afinal ela é livre e pode fazer o que quiser. Não posso considerar que qualquer coisa que faça tenha algo a ver comigo. Acabou! Ela segue sua vida e eu devo seguir a minha. O difícil é conseguir me livrar desses mal estares.

Por que tantas pessoas tem tanto medo da verdade? Por que tanta hipocrisia?
É comum que pessoas interpretem erradamente alguma coisa que viram ou ouviram, façam juízo a respeito e não se preocupem em esclarecer o mal entendido;
A Martinha ficou ofendida quando, depois de eu ligar pra Mara, quando ela foi embora, disse aos que estavam ali que, como estavam curiosos, eu leria o que havia dito a ela. A Martinha ficou ofendida porque considerou que eu a chamara de curiosa. Será que não estava mesmo? Difiicílmente alguém não ficaria curioso em saber o que teria sido dito numa situação daquelas. Quem não tem curiosidade? Por que ficar ofendido ao ser considerado curioso?
Outro dia o Chico Bento considerou que o Nelson tinha errado ao dizer-lhe que estimava que o tempo necessário pra capinar a roça de milho estaria entre seis e oito dias. Ele acho que o Nelson teria que dizer que estimava esse tempo em seis ou sete dias. Ele não entendeu que a estimativa não era uma simples escolha entre dois números e sim, um intervalo. Quer dizer: poderia ser seis, sete ou oito dias. Ele não entendeu e não teve dúvida em afirmar que o outro cometera um erro. Por que isso acontece?
Todos escondemos verdades, mentimos, entendemos mal muitas coisas, agimos com cinismo. No entanto, as pessoas a que me refiro, exageram, agem dessa maneira com muita freqüência. Um dos motivos é o complexo de inferioridade. Consideram-se inferiores e não se atrevem a questionar. No entanto, não sentem o menor constrangimento em julgar com base no que não entenderam ou entenderam de maneira distorcida.

11/12
A idéia de que a Mara possa estar tendo um caso com o Baiano está me enchendo o saco. Ela é livre e pode Ter relacionamentos com quem quiser. Isso não me diz respeito e não deveria me incomodar, mas incomoda e bastante. Tudo isso só porque, ontem, ela foi buscar o carro do pai dele e ele veio com ela até a venda. Outro detalhe é que ele estava trocado, pronto para sair.

12/12
O pensamento de que o relacionamento com o Baiano está acontecendo me perturbou durante a noite e ao levantar. É um saco! O que eu tenho a ver com isso. Pensei que ela nunca gostou de moleques e que o Baiano tem muito pouco a oferecer. No entanto, se pintar emoção ou tesão, não tem escolha, estando livre nada a impede de ir em frente. Pensei, também, que os irmãos dele se casaram com mulheres ex-casadas. O pensamento besta! Ela pode fazer o que quiser e eu não tenho nada a ver com isso. Será que o pensamento involuntário vai me deixar em paz?
Passei no Nelson por volta das onze horas, quando eu voltava de mandar avisar o Zé Olé pra não vir na fazenda hoje, pois eu estaria montando o trator na casa do Fio. O Nelson me disse que a Mara lhe dera um leitão e que viria buscá-lo. Disse-lhe que não sabia disso e que a Mara não tinha mais nada aqui, portanto não poderia Ter dado um leitão que não tinha. Ele pareceu suspreso e perguntou se ela não me havia dito nada. Disse-lhe que não, que só comentara que ele havia insinuado que gostaria de ganhar um. Me senti muito mal fazendo isso. Parece que estava sendo egoista e vingativo. Não é verdade, apenas disse a verdade e não admiti que alguém se aproprie do que não é seu. De qualquer maneira, é muito ruim, preferiria não Ter que fazer isso. Ela poderá aproveitar isso para me crucificar mais um pouco. No entanto, se o objetivo for esse, se não for por esse motivo, será por outro, mas procurará me classificar como prejudicial e maldoso. Paciência!
O que faz mais mal é saber que eu não sou egoísta nem vingativo. Pior ainda, que vivemos um relacionamento maravilhoso, com tanta solidariedade, dividindo tudo, não poupando esforços para nos ajudar e, agora, vivemos esta situação imbecil. É muito ruim verificar isso, que poderíamos estar convivendo como amigos sinceros, ajudando-nos no que fosse possível, não dando oportunidade para que coisas assim acontecessem; no entanto, no lugar de solidariedade e sinceridade, egoismo, mentira e ressentimento. É muito triste!
O Nelson confirmou que elas foram no Jusco ontem.

13/12

14/12
A emoção continua desejando a reconciliação. No entanto, a razão está indicando o quanto a Mara está sendo inconseqüente. Considerando que tenha deixado de me amar, não teria motivos para desprezar minha amizade, afinal que mal isso poderia lhe causar?
O indicativo, cada vez mais forte, é a sua incapacidade de receber críticas. Está parecendo que isso é uma verdadeira intolerância. Isso justificaria o seu afastamento de mim, negando-se, inclusive, a manter a amizade. Não pude deixar de apontar os erros que cometeu e ela não teve como justificá-los. Para se livrar disso, prefere se manter afastada de mim, evitando Ter que encarar seus erros. É uma atitude de todo imbecil!
Ela está apostando tudo na sorte, no mistério e, ao que parece, da maneira como vem se comportando, só por ai poderá alcançar sucesso, caso contrário, continuará trabalhando como doméstica ou na roça.
Continuo acreditando que mudança dessa grandeza só pode ser obra do mistério. No entanto, ela é o instrumento que ele está usando, portanto é quem pode ser criticada. Nesse sentido, Marta, Darcy, Teresa e tantas outras pessoas, são vítimas do mesmo mistério. Portanto, desconhecendo o que move o mistério, só resta criticar as pessoas que sofrem seu efeito.
Neste período que nos relacionamos experimentalmente, coloquei, cansativamente, que o provocador de tudo isso seria o mistério. Portanto, isentei-a de culpa de tudo o que fez. Disse isso claramente. Nas conversas, relacionei os erros cometidos, analizamo-os e ela concordou com a maioria. Só continuou defendendo que minha atitude havia sido fundamental para motivar a separação e resistindo em admitir que ela dera motivos para eu tivesse agido daquela maneira. Reconheci que eu exagerara e que estava pronto a não permitir que isso voltasse a acontecer. Argumentei que precisávamos buscar maneiras de neutralizar ou minimizar a ação do mistério, que, provavelmente, voltaria a agir. Analisei a personalidade de sua mãe e os prejuízos que ela provoca. Concordamos que deveria ser tomada uma atitude para impedir que ela se sinta apoiada nos erros que comete. Qual o motivo para esse medo dela em discutir seus erros, buscar compreendê-los, tirar aprendizado deles? Por que tentar esconder erros, evitando discuti-los, quando isso não lhe causaria prejuizo nenhum, quando já tinha um “hábeas corpus” para todos os erros cometidos. No entanto, continuou errando ao considerar que não estava me deixando no fim da fila de valores, quando suas atitudes mostraram isso claramente. Não consegue explicar o porquê de não Ter me convidado para a festa do Petro, nem o porque negou a presença de pessoas que eu dissera Ter informações de que estiveram lá. Mesmo com causas tão evidentes, relevei seu comportamento em nome de buscar as necessárias correções para essas distorções.
Não a acusei em momento algum de ser a responsável pelo que fizera. Se, com tudo isso, ela prefere continuar errando, desprezando minha amizade e o que eu poderia ajudá-la, é imcompreensível, mas no que se pode analisar, é uma tremenda burrice. Inteligência não lhe falta, no entanto a burrice não é fruto de sua ausência e sim a resistência em usá-la. Ela está sendo medíocre, prepotente, egoista, em fim, uma pessoa desprezível. Da maneira como vem se comportando, mesmo que a emoção clame pela reconciliação, a razão me leva a repudiá-la com todas as forças.

No final da tarde o Nelson veio com o Chico Bento buscar o trator. O Chico trouxe recados da Mara: Que. até Sexta-feira, o dinheiro do Nakano ainda não havia caído na conta; que, nesse caso, o cheque que ela me dera para o Nildo não teria fundos; que, se o Nelson quisesse levar o leitão, que eu entregasse que ela pagava. Mandei dizer-lhe que o cheque do Nildo é só para o último dia do mês. Que achei estranho que o dinheiro do Nakano não tivesse caído e que, poderia mandar o Nelson pegar o leitão, sem problemas.
Fiquei muito irritado, raivoso. Não posso deixar que isso aconteça. Afinal ela mandou recado sobre o que estava acontecendo, nada de mais. Fiquei revoltado por não conceber que ela tenha que dar um leitão ao Nelson. Por que? Me parece que é mais uma besteira a se somar às outras. Acho que a maior parte da irritação foi em relação ao Nelson, que só veio para buscar o trator, que acho que não precisará dele e sabia que eu pretendia roçar um pouco por aqui. Cada vez me parece mais insensível e egoista.
Não posso me deixar dominar por raiva, já estou me sentindo bastante mal e não preciso de mais isso para me incomodar!
15/12
Dormi mal, acordei várias vezes à noite, pensando nela, mas não sei o quê.
A irritação ou raiva de ontem passou. No final da tarde vou procurar a Mara, pedir-lhe que me arrume um extrato do banco para mostrar ao Nakano que o dinheiro não caiu na conta. Esclarecerei sobre o cheque do Nildo, pedirei uma bolsa p/ viagem e os CDs que ela disse Ter achado. Esclarecerei também a questão do leitão do Nelson. Ocorreu-me propor-lhe um trabalho, condedendo-me uma entrevista que eu pagaria cinco reais por hora.O objetivo seria tentar entender o que aconteceu, o seu ponto de vista, o que sentiu. Não sei se aceitará ou, mesmo,. Se valerá a pena. No entanto vou tentar preparar umas perguntas para sentir a validade ou não de tentar isso.

- Você alegou que os motivos que levaram à separação foram:
- Minha implicância com sua vontade de ficar com sua mãe
- Meu egoísmo em querer você só pra mim, implicando quando você se dedicava a outras pessoas (Luizinho, Rose, etc.)
- Reclamação pela festa do Marco
- Meu comportamento perante as pessoas que vieram na festa
- Reclamação quanto a bagunça que sobrou da festa
- Tem mais alguma coisa?

- Você tentou me fazer ver o quanto isso te incomodava, procurando discutir o assunto?

- Você me achou incapaz de discutir esse assunto e buscar uma solução?

- Você não acreditou quando, nas conversas que tivemos depois de sua volta, eu reconheci que havia exagerado e que estava disposto a mudar, considerando que você contribuiria no que fosse necessário?

- Em todas as converss que tivemos, sempre aleguei que você não tinha culpa, que a mesma era do mistério. Portanto você não precisaria esconder nada, uma vez que não estava sendo responsabilizada por nada. Por que omitiu informações e mentiu para esconder coisas, aparentemente, bobas?

- Sair do jeito que você saiu da casa do Rodrigo, foi por medo de violência dele ou de justificar sua atitude?

- Conte novamente o encontro com o Rodrigo, a conversa e o que te levou a ceitar o convite para morar com ele (principalmente a participação do Lugão). Não te ocorreu o risco que você corria?

- Quando foi que você percebeu que eu já não era importante para você?

- Em que você acha que poderia atrapalhar seu futuro, suas pretenções, mesmo que como amigo?

- Em que você acha que eu te ajudei durante nosso relacionamento?

- Acredita que eu não teria mais nada para te oferecer?

- Se acha que ainda tenho algo a oferecer, por que a recusa?

- O que você acha bom na vida que está levando?

- Quais seus planos para o futuro? Trabalho, estudo, relacionamentos, cultura, lazer, etc.

- O quanto você acredita que o mistério (santinho) se encarregará de te guiar na vida?

- Está disposta a deixar tudo nas mãos dele?

- Que qualificações você acredita Ter (profissionalmente) e o que acredita necessário e que ainda não tem? Como pretende consegui-lo?

- O que você tem ouvido a meu respeito (não precisa citar nomes)?

- Você concorda com o que dizem de mim?

- Que qualidades você vê em mim?

- E que defeitos?

- A repulsa por mim é evidente. Por que? O que te provoca isso?

- Você sempre fugiu de discutir seus erros, desviando-se deles, fazendo-se de desentendida ou buscando saídas com objetivo de desviar a atenção que o fato merecia. Por que esse medo?

- Por que você tem tanto medo de seus erros, de analisá-los?

- Como você encara essa sua hipocrisia, tamanha capacidade de interpretação, escondendo sentimentos existentes em você e mostrando os que não está tendo?

16/12
Ontem no final da tarde fui no Nelson pedir o carregador de bateria empretado. O principalo objetivo era falar com a Mara, pedir-lhe que me conseguisse um extrato do banco para mostrar ao Nakano que o depósito do pagamento de novembro não havia caido na conta.
Ela estava com a Marta, Toninho, Felipe, e Petro no Oscar. Estavam sentados no degrau da varanda e a Mara brincava com o Felipe. Cheguei, cumprimentei e disse-lhe que gostaria de falar um pouco com ela. Ela perguntou –“comigo?” como se tivesse estranhado que era com ela que eu queria conversar. Seria dificil imaginar que eu tivesse ido lá para falar com um dos outros que estavam lá, que não ela. Chamou-me a atenção o sua hipocrisia, interpretando, mostrando o que quer eescondendo o que realmente está sentindo.
Pedi-lhe uma bolsa para viajar e os CDs que ela havia dito que tinha achado na casa da Marta. Ela foi pegá-los e me entregou. Verifiquei no extrato que o depósito do pagamento havia sido feito. Não apareceia o depósito mas o saldo acusava isso. Ela alegou não Ter percebido e provavelmente não notou mesmo, não se detem a maiores análises.
Propus-lhe que me concedesse entrevista para esclarecer muitos pontos obscuros, para que eu pudesse entender e colocar o mais próximo possível a realidade no livro. Ofereci-lhe cinco reais por hora, como remuneração pela entrevista. Ficou de pensar, como se considerasse aquilo a coisa mais normal do mundo. Hipocritamente. Tudo é possível, mas é difícil que se proponha a isso. A não ser que considere a possibilidade de reatarmos, através disso, tendo a oportunidade de retomar essa possibilidade. Outra possibilidade é que a remuneração lhe interesse.
Durante o tempo que fiquei no Nelson, observei que: Estavam no Oscar, sem fazer nada. Vieram pra casa, foram tratar das galinhas e arrumar a água, que não demorou quase nada. Ficaram enrolando por ali, sem fazer nada. Ela tentou ligar pro mecânico da geladeira e não conseguiu. Foram na venda. Quando passei lá para comprar cigarros, vi o Felipe mas não a elas. Quando voltamos no Nelson, elas chegaram. Devem Ter vindo no carro do Fio que estava na venda. É uma vida muito vazia, andando pra cima e pra baixo, coisa que ela sempre acusou não gostar: andar a pé. O que a terá levado a preferir levar uma vida assim? Como pode se satisfazer com o tipo de conversas que rolam nesse ambiente? Como pode conviver tão amiúde com gente que tem tanta pouca novidade a oferecer?
Pode ser que esteja considerando isso como umas férias, para tomar alguma iniciativa mais tarde. Pode ser que a Marina tenha lhe oferecido alguma oportunidade, vender coisas pra ela, por exemplo, como sócia ou coisa assim, e esteja esperando a sua volta pra conversarem a respeito. O que me é difícil entender é a repulsa em relação a mim. Como terá surgido? Quais os motivos?
Disse a ela que se fizer questão de dar o leitão ao Nelson, que pode mandar pegá-lo. Ela disse isso a ele e ele ficou de pegá-lo. Disse que virá matá-lo e que o comeremos aqui. Não consigo entender como uma pessoa como ele, age dessa maneira, aceitando, pior, insistindo pra ganhar algo de alguém que tem muito menos que ele. Ele não precisa disso, por que age dessa maneira. Além de Ter condições para comprar um leitão, ainda combinou com o Chico que matarão a porca que ele tem no sítio. Não entendo esse egoísmo. É difícil de entender, também, que motivo a Mara teria pra dar-lhe o leitão! Pode ser a intenção de se mostrar superior, com capacidade de presentear, parecer alguém que está por cima, que não tem dificuldades.

17/12
O Nelson esteve aqui no meio da tarde, com o Fio e o Carcaça. Me chamou para ajudá-lo a matar uma porca. Levou um leitão, aquele dado pela Mara.
No final da tarde fui so sítio dele, que resolvera não matar a porca hoje. Preparou um churrasco para os pedreiros que concretaram a laje do cômodo do Nô.
Antes do escurecer, a Mara saiu com a mãe, tio, tia, prima e irmãos, para uma festa na casa do Fio. Ao passar por mim deu um sorriso aberto. Estava muito bonita e bem vestida. Foram a pé, mesmo que o carro do Pedro estivesse lá.
A Suza chegou com o Vinícius depois do escurecer e ficamos conversando até por volta da meia noite. Pouco antes disso, o carro do Fio trouxe a Marta, Titica, Pedro, Josiane e Felipe. Numa Segunda viagem, deve ter trazido a Mara. O carro não entrou no sítio nenhuma das duas vezes, deixando as pessoas na porteira. A Mara não veio pela estrada. Deve ter entrado pelo gramado, para não ser vista.
Me senti muito mal. O primeiro motivo deve Ter sido a constatação de que não sou mais importante para ela. O segundo é essa relação estranha que elas estão tendo com o Fio. Fico tentando imaginar que tipo de atrativo ele e sua família podem ter para ela. O que justificaria passar tanto tempo juntos? Ela sempre teve amigos bem mais velhos e gostava de conversar com eles. O Fio é bom de conversa, contador de casos e bom ouvinte, também. Isso pode ser interessante para ela. Pelo que eu soube, o Fio passara a tarde no sítio do Nelson, tanto é que veio com o Nelson aqui. O outro motivo que me fez mal, é o fato de o Fio que sempre se declarou meu amigo, me preterir em relação à Mara e sua família. É uma grande falsidade.
Tenho plena consciência de que tanto um como a outra, tem todo o direito de agir como estão agindo. Nenhum deles me deve qualquer satisfação, nem tem qualquer obrigação comigo. Tanto uma como outro me trairam como amigo. Fora isso, podem fazer o que quiserem, que não tenho nada a opor, nada a reclamar. Eles tem total independência em relação a mim, que lhes permitem fazer o que quiserem. Não consigo deixar de considerar esse relacionamento como promíscuo. Nada indica que estaja havendo relação sexual entre qualquer um deles. No entanto, o que motiva a minha exclusão, intencional, no relacionamento deles?
O que está muito claro é a intenção dela de se manter afastada de mim, o máximo possível.

19/12
O pensamento sobre o comportamento que a Mara vem tendo, está ocupando meu cérebro desde que acordei. Tento pensar em outra coisa, mas não consigo. Considerei se esses pensamentos não seriam provocados por mim mesmo. É possível, que a sua falta e o sofrimento que isso causa, provoquem esses pensamentos. Do que tenho certeza, é que não quero pensar nisso, tenho plena consciência que esses pensamentos só causam mal estar, sofrimento e não contribuem em nada para a solução do problema. Racionalmente, esses pensamentos não servem para nada, não oferecem dados novos para análise e, ao contrário, ocupam a mente, dificultando a ação da razão. Portanto, acredito não haver dúvida de que são pensamentos involuntários mesmo.

No final da tarde fui no Nelson para pedir-lhe que trouxesse uma bateria para o trator. Quando sai de lá, ouvi o barulho da porta da sala da casa da Marta sendo aberta. Olhei de rabo de olho e vi dois pés de meias e chinelos, que deveriam ser da Mara. Não olhei e fui embora.
É uma merda! Ao menor indício, a esperança se assanha. Será que isso não vai passar nunca?

20/12
Estou tomado pela esperança de que ela possa voltar, baseado no que aconteceu ontem. Não fiz barulho ao passar, o que indica que ela já estava me observando quando eu telefonava no Nelson. Como tem corrido de mim, não teria sentido que saísse à porta quando eu passava. Penso que ela gostaria de conversar mas não teve coragem de me chamar. Pode ser que pense que eu não a quero mais pelo que ela tem feito. O sentimento de culpa. Se ela quiser conversar tem como fazê-lo, podendo sondar o que estou pensando. Afinal, lhe fiz a proposta de ela me conceder entrevistas. Se quiser, pode usar essa desculpa para me procurar. Se não quiser, não há o que fazer, pois tudo depende dela. Eu já fiz tudo que poderia ter feito, portanto só me resta esperar que ela volte ou que qualquer outra apareça.


DESEJO
Entre o que eu gostaria
E aquilo que pode ser
Pode existir um abismo
Difícil de entender

Preconceitos idiotas
Maldades de toda ordem
Impedem que consigamos
Permitem que nos transformem

Aquilo que nós queremos
Se depender de outro alguém
Por mais que nos esforcemos
Pode ir para o além

Querer, querer, só querer
É domínio da vontade
Império do egoísmo
Covardia, crueldade

Meu sonho está num cometa
Correndo pelo infinito
Queria realiza-lo
Não podendo estou aflito

Cometa vaga no espaço
Meu desejo se detém
Eu já fiz o que podia
Ele depende de alguém
Que foge no infinito
Se escondendo no além

Quem dirige o cometa
Arma o desejo também
Brinca de não atender
Faz o que bem lhe convém

O cometa vai ligeiro
O desejo estacionado
Na cauda vai o possível
Desejo fica plantado
Felicidade voando
Tristeza parada ao lado

Por que não morre desejo?
Nasceste para morrer
Teimas continuar vivendo
Causando grande sofrer

ESTRADA

Estrada que leva e traz
Quem mais caminha por ela
A esperança vem depressa
Vai embora na esparrela

Ela vem viva, correndo
Deixando um rastro de luz
Vai embora se escondendo
Deixando o luto na cruz

Por que essa estrada existe
Se não traz o resolver
Ilude a quem espera
Aduba o seu sofrer

Estrada de triste sina
Esburacada de dor
Leva a felicidade
E o enterro do amor

É um saco! Cada ruido, latido do cachorro, em fim, qualquer coisa me dá a impressão de que ela vai chegar ou alguém vai trazer um recado seu. É uma verdadeira loucura, esperança alucinada. É claro que isso poderá acontecer, mas tem grandes probabilidades de não acontecer. O ideal seria manter a tranqüilidade, esperar os acontecimentos sem ansiedade, sem exageros, considerando que o que tiver que acontecer, acontecerá e que de nada adianta sofrer decepções a cada alarme falso. No entanto, vá dizer isso para a emoção pois eu já estou cansado de saber, mas não consigo me opor a isso.

21/12
No final da tarde fui no Chico, trocar a válvula termostática do carro dele. Conversamos sobre a falsidade com que as pessoas se comportam. O quanto o fazem desnecessariamente, sem ganhar nada com isso, enquanto causam problemas, inclusive para si mesmas.
Foi o caso da Marta que, quando sairam no final da tarde de Sábado, da casa do Nelson, disse-lhe que iriam no Zé Vila, quando na verdade iam no Fio. Por que teria mentido, uma vez que tinham todo o direito de ir onde bem quisessem e, aparentemente, não há grande diferença entre a casa do Zé Vila e do Fio?
Voltei a comentar com o Chico a questão da inconsciência irresponsável que permite às pessoas passarem por cima dos problemas, sem ser atingidas por eles. A vida da Marta tem sido um grande exemplo disso. Ela passa pelos problemas como se não tivessem acontecido, cria outros e passa por eles também, sem maiores problemas. Disse-lhe que o que não consigo entender, é que a Jose pactue com isso e, pior, entre no jogo, assumindo-o. Como alguém que tinha consciência de todos esses problemas, os malefícios que causam e a necessidade de mudança; pode Ter mudado tão radicalmente? Por mais que me esforce, não consigo entender!

22/12
Fui Em Santana da Luz por volta das dez horas, depositar um cheque e comprar ração. No caminho fui pensando no comportamento que a Jose vem tendo. Por mais que tente não pensar nela, não consigo e esse pensamento me atormenta. Considerei a mediocridade de vida que está levando. Pensei no Fio, na sua falsidade e no que teria aproximado essas duas famílias, tanto assim, nestes últimos tempos. Isso foi me causando uma revolta, raiva mesmo; por não atinar o porquê desses comportamentos, que não constroem nada, enquanto causam tantos problemas. Esse sentimento foi tomando conta de mim, a revolta se avolumando e causando um grande mal estar.
A aproximação das famílias da Marta e do Fio, pode Ter se dado pelo isolamento que tanto como a outra sofrem, de certa maneira. Além de alguma simpatia, é lógico.
Na volta, passei no Nelson para colocar a roda da moto, que pegara na oficina onde ela fora consertada. Pedi ao Felipe que chamasse a Jose e, quando chegou, tinha um olhar duro, como quem está com raiva. Pedi-lhe que, quando fosse em Santana da Luz, levasse o CIC e RG no despachante, pois eu mandara licenciar o carro e esse documentos são necessários para dar entrada no processo. Como faltasse uma peça para montar a moto, comuniquei-lhe e ela foi chamar o irmão e não voltou mais. Percebi que eu falara duro, demonstrando meu estado emocional.
Quando cheguei aqui, a revolta ainda me dominava. Tentei relaxar e a razão me mostrou o quanto estou errado agindo assim. Tanto a Jose quanto o Fio, foram falsos comigo, mas e daí? O Fio está demonstrando o que sempre deixou transparecer pelas atitudes e a maneira com que sempre falou dos outros. Não deveria me surpreender. A Jose é outra pessoa, em relação a mim. Os valores que tem provocado suas ações, são totalmente opostos aos que demonstrou durante nosso relacionamento. Ela me admirava, concordava e respeitava meus pontos de vista, minhas análises. Quando não concordava, discutíamos o assunto e, várias vezes, ela tinha razão. Ela sabia que quando criticava meus conceitos ou atitudes, tendo razão, eu me rendia e reconhecia que estava errado. Tudo isso fazia com que tivesse confiança em mim e total liberdade para comigo. Era solidária e humilde. De repente, me transformou em algo ruim, que lhe causa mal, alguém que deve ser evitado. Suas atitudes tem demonstrado isso claramente. Ao repudiar o que sou, é lógico que se comporte de maneira oposta ao que considero o melhor. Entregou-se ao comum da maioria das pessoas daqui. Está curtindo a simpliiMartade, o viver sem compromissos, curtindo o momento. Em princípio isso não tem nada de errado. Eu mesmo defendo que é uma boa maneira de viver, aproveitando o prazer possível nas coisas simples, um churrasquinho, um copo de cerveja e conversa. Isso é muito bom! O problema está no fato de negar o resto de, de uma hora pra outra, abandonar os objetivos que sempre teve, de crescer em conhecimento, capacitar-se cada vez mais, não academicamente, mas aprendendo com a própria vida, buscando as melhores maneiras de conseguir feliCidade e evitar o contrário. Ela poderia estar fazendo tudo isso, ao mesmo tempo que curtiria esses prazeres que está tendo.
Algo a está fazendo se opor a mim, por conseguinte, ao que ela mesma foi, enquanto esteve comigo. O que foi maravilhoso para nós, se transformou num inferno para mim e numa fuga para ela. É difícil não sentir revolta diante disso! No entanto, isso não leva a nada, só causa sofrimento. O ideal é desligar-se disso, reconhecer a impossibilidade de interferir e esperar o futuro. O problema é conseguir. Seria o ideal, desde que possível.
É possível que eu esteja sendo pessimista, o que poderia ser causado pelo sofrimento por que tenho passado, no entanto, tem acontecido uma série de coisas ruins. O trator nunca quebrou tanto quanto nesse período. Estou esperando há mais de um mês que o Nakaio venha aqui para conversar com ele, principalmente sobre a possibilidade de ele me ajudar a publicar livros e fazer palestras. Quando cheguei aqui, verifiquei que ele viera enquanto eu estava ausente. Pode ser coincidência, mas é muito “azar” num período só!

23/12
Pela manhã, me ocorreu que, chegando em São Paulo, vão querer saber o que aconteceu. Percebi que não tenho nenhuma definição razoável, nenhuma explicação esclarecedora. Com tudo que já pensei e senti até aqui, está tudo no ar, sem compreensão. Resolvi tentar escrever um resumo do que considerei até aqui, tentando compreender e poder explicar aos outros o que deve Ter acontecido.
Parece não restar dúvida de que ela sentiu, e sente, necessidade de se afastar de mim. A maneira como me deixou, o tanto que fugiu de conversar comigo, a tentativa de me neutralizar através de um relacionamento “lenitivo”, deixam bastante claro que o problema dela sou eu.
Por que eu seria um problema para ela?
Segundo ela, o problema foram as críticas que eu lhe fazia. Como ela sempre teve grande dificuldade de assimilar críticas, esse pode Ter sido, realmente, o motivo gerador da situação.
Nestes anos de convivência, nós conversamos muito mais do que qualquer outra dupla de seres humanos; discutindo os mais variados assuntos, principalmente sobre características e mistérios que envolvem o ser humano. Analisamos o que acontecia conosco, entre nós, nosso convívio com outras pessoas, os comportamentos e relacionamentos de outros indivíduos, nos mais variados ambientes; em fim, Tivemos a oportunidade de aprender muito, compreender muita coisa que nem nos era perceptível antes. Eu apontava defeitos nela e ela em mim; graças a isso, pudemos nos corrigir em muitas coisas. No entanto, havia ocasiões em que ela relutava em considerar com abertura e disposição para se defender ou aceitar as críticas como válidas e buscar sanar o problema. Nessas ocasiões, só dava indícios de que não concordava com as críticas, mas fugia do assunto, pura e simplesmente. Porém na maioria das vezes, as críticas eram assimiladas naturalmente, discutidas e chegávamos a uma conclusão, procurando sanar a causa ou verificando a dificuldade de conseguir isso, compreendendo que era preciso alguma aceitação, enquanto a causa não pudesse ser eliminada.
Relativamente a outras pessoas, nossos defeitos eram de pequena quantidade e sem maior gravidade. Procurávamos ser racionais, solidários e humildes; sem fazer força, éramos assim, naturalmente. Usávamos a racionalidade para acentuar as coisas boas e minimizar as ruins, considerando que é o que podemos fazer, que o resto depende do mistério da vida. Tivemos muitos problemas no relacionamento com outras pessoas, principalmente familiares nossos. Mas acredito que todos foram superados razoavelmente.
Ela tem um potencial muito grande: inteligente, sensível, simpática, se relaciona com facilidade em qualquer meio e com qualquer tipo de pessoa. Não bastasse tudo isso, ainda é muito bonita. Aprendeu muita coisa, cresceu muito, mas comparado com o que ainda pode crescer, pode-se dizer que ainda só engatinhou. Sempre alegou e demonstrou desejo de aprender e continuar crescendo.
Por mais defeitos que eu tenha, ninguém, em sã consciência, pode negar minha utilidade para quem pretenda aprender. Meu conhecimento não é muito grande, mas também não é desprezível. Considero que minha maior qualidade é Ter a mente aberta, disponível para discutir o que quer que seja, sem restrições, buscando informações, discutindo-as, inquirindo, provocando, montando teses; em fim, procurando conhecer e compreender. Creio que isso pode ser de grande ajuda a quem pretenda aprender, compreender e crescer. Por outro lado, posso ser problema para quem seja prepotente, preconceituoso, dogmático ou que tenha preguiça mental. Defendo com firmeza minhas teses, apoiadas em raciocínios razoáveis e não consigo admitir que isso seja rejeitado em favor de simples "“acho" ou de dógmas sem qualquer base racional. Isso me caracteriza como teimoso e facilita que as pessoas fujam de discutir comigo, preferindo acreditar nos conceitos que tem, a Ter a oportunidade de poder questioná-los, acentuando sua validade ou mudando quando verificar que isso for melhor. Minha racionalidade considera, seriamente o abstrato, a sensibilidade, a emoção e, principalmente o mistério que envolve tudo. Tenho plena consciência da capaCidade racional do ser humano, mas reconheço com todo respeito sua incapaCidade para compreender uma enormidade de coisas, sobre as quais só conhecemos os efeitos, faltando-nos capaCidade para compreendermos as causas.
Ela e eu abordamos inúmeras vezes a excepcionalidade do nosso relacionamento: o amor, a amizade, o companheirismo, a sinceridade, a cumpliCidade, a facilidade de nos dedicarmos um ao outro, de nos apoiarmos; em fim, uma somatória de características positivas, construtivas e geradoras de feliCidade. No entanto, baseados no mistério da vida, tínhamos consciência de que o amor poderia acabar, em qualquer um de nós. Que poderíamos passar a amar outra pessoa, o que nos obrigaria à separação. Porém acreditávamos que, principalmente a amizade, poderia continuar, propiciando-nos tudo de bom que ela possibilita.
Ela preferiu ignorar tudo isso, deixando-se levar pelo incômodo de ser criticada, sem coragem para discutir a questão, optando pela fuga, provavelmente em busca de quem só a admire, teça elogios e lhe reconheça grandiosidade. Parece que preferiu ser grande aos olhos da ignorância do que conquistar reconhecimento na sabedoria.
Nada indicava que isso pudesse acontecer, no entanto, aconteceu, é um fato! Terá sido a fraqueza humana ou o mistério terá armado tudo isso, por motivos que não podemos reconhecer? É difícil acreditar que tamanha força demonstrada em inúmeras oportunidades, tenha sido venCida por simples covardia, propiciando tamanha inversão de valores.
Não se pode dizer que a vida que está levando seja ruim. Está convivendo com a mãe e os irmãos, o que sempre gostou. Está desfrutando a amizade do Fio que é um grande contador de histórias, otimista e alegre. As famílias se visitam amiúde, comem, bebem e se divertem conversando. Tudo isso é bastante bom. A questão é que, ela poderia estar vivendo tudo isso, sem deixar de aproveitar o que eu poderia lhe proporcionar. Optou por estacionar, ser uma mulher comum. É difícil acreditar que não haja mistério nessa história!

O Chico veio logo depois do almoço buscar a leitoa. Comentou que a Marta teria dito à Terezinha, que não está agüentando a Jose, que está bebendo muito em companhia do Fio. Isso vem acontecendo todo dia.
Mais uma vez se confirma a condição de vida dessas pessoas, onde a ignorância lhes permite a inconsciência e irresponsabilidade. A Marta apoiou tudo o que a Jose vem fazendo, acompanhando-a ou, melhor, levando-a. Essa relação com a família do Fio deve Ter começado por iniciativa da Marta. Agora, quando a Jose assumiu o gosto por esse estilo de vida, ela reclama e se faz de vítima. Teria comentado com a Terezinha que, agora, reconhecia que o problema não era o Milton e , sim, seus filhos, que não valem nada. Ajudou a que a situação chegasse onde chegou. Agora, se exime de qualquer culpa, culpa os que ajudou a se comportar como se comportam e sai com a consciência tranqüila, sem culpa, inocentemente.
É difícil acreditar que a Marta possa ser responsabilizada pelos males que comete e pelos que leva outras pessoas a cometer. Ela não tem capaMartade para articular coisas assim. Tenho a impressão que gente assim, age como o naufrago cujo único objetivo é salvar-se. Para tanto, agarra-se a qualquer coisa que seja uma esperança de salvamento. Agarra-se à primeira coisa que aparece, mesmo que tenha outras para escolher. Quando a primeira se mostrar inviável, larga-a e se agarra na próxima que esteja mais à mão e assim vai de esperança em esperança, de tentativa em tentativa, sem consciência, sem racionalidade, buscando a sobrevivência no que estiver mais à mão. Se alguém ameaça sua situação, não titubeia em rechaça-lo, fazendo qualquer coisa para impedi-lo de atrapalhar seu objetivo. Não ficam remorsos pois acredita que tudo o que fez foi certo, buscando a salvação e lutando contra quem pretendeu impedi-la.

No final da tarde, desci para ir na igreja do Matol, onde haveria missa. Parei na venda e fiquei um pouco lá. Chegaram o Fio com a Jose e a Mulher do com as crianças. A Jose dirigiu-se ao canto do balcão onde conversou bastante com o Mauro. O Fio tomou uma pinga e ficaram por ali. Desci para a igreja e fiquei no páteo esperando o Chico, conversando com o Silvinho. Algum tempo depois, o Maravilho chegou de carro de onde desceram a Jose e a mulher do Valdeci, com as crianças. Ao passar por mim, parou pra me dizer que havia deixado a xerox dos documentos no despachante e que tirara os extratos no banco. Que o pagamento fora depositado no dia vinte e dois. Perguntei-lhe se tirara o extrato do mês passado para verificar o último pagamento e ela disse que sim, que tirara o deste mês também. Perguntei-lhe de quanto fora o depósito no último dia do mês passado e ela disse não saber, que estava tudo nos extratos, que estavam em sua casa; que poderíamos verificar depois. Permaneceu na missa e no lanche que distribuiram depois, conversando com o Fio, seus parentes e um fazendeiro chamado Jair, que segundo o comentário, estaria tendo um caso com a Marta. Quando vim embora, todos eles estavam conversando no carro do Fio.
Não sei o que está acontecendo entre eles. Aparentemente não há indícios de que esteja acontecendo sexo, porque é um grupo, inclusive com a participação da mulher do Fio. No entanto, na cabeça das pessoas, não há dúvida de que está acontecendo de tudo, numa promiscuidade declarada.
É difícil entender como a Jose pode se entregar a um relacionamento desse tipo, bebendo muito, expondo-se. Todos os outros, principalmente o Fio, tem motivos mais que suficientes para sentir prazer nesse tipo de relacionamento com ela, Mas, e ela, ganha o que? É uma decadência escancarada. É de dar pena. Só o sobre natural pode causar algo assim, tamanha aberração!
É incrível como o pensamento nela me domina! Faço grande esforço para esquecê-la, acreditando firmemente que seria o melhor. Poder esquecê-la, assistir sua decadência e, quem sabe, um final trágico, confirmando minha assertiva nas análises, sentindo prazer nisso. No entanto, não consigo me desligar dela, tenho a esperança de isso acabe e que ela volte a ser o que foi, que possamos retomar o relacionamento e feliCidade que tivemos. Sou provocado, constantemente a socorrê-la, buscar formas de fazê-lo, tentar salvá-la. Será que o objetivo é tentar salvá-la ou salvar a mim? Não sei. Acredito que as duas coisas. Não me conformo que uma pessoa como ela, possa se perder tão idiotamente. É verificar a fortuna se transformando em grande miséria.
Porém, enquanto ela não se conscientizar, não acredito que algo possa ser feito. É como o dependente de álcool, drogas ou fumo; nada pode ser feito enquanto ele não quiser ajuda, não se dispuser a ser ajudado. Enquanto isso vou sofrendo essa verdadeira agonia, minuto a minuto, sendo corroído por esse estado terrível de impotência, de derrota, a espera do futuro, na incerteza, verificando minha impotência para dominar a mim mesmo.
Felizes os ignorantes, inconscientes e irresponsáveis que logo encontram bodes espiatórios para carregar todas as culpas e responsabilidades, aliviando-se e partindo pra outra, livrando-se de sofrimento, simplesmente descartando as causas.

25/12
Hoje no final da tarde, assisti a entrega do troféu Mauro Lago, ao ator Toni Ramos. Fiquei muito emocionado com todas as emoções que desfilaram naquele evento. Depoimentos de colegas, amigos, admiradores; demonstrando uma grande personalidade, exemplo de talento, de dignidade, de respeito ao próximo, de preocupação com o mundo em que vive, de não se omitir e de fazer o que pode para contribuir para um mundo melhor.
Sempre me emocionei diante de pessoas assim. Num mundo de tanta mediocridade, de tanto egoísmo, de tanta prepotência; onde verdadeiros imbecis, totalmente idiotas, interpretam papel de sábios, de poderosos, de verdadeiros donos da verdade; um cara como esse se destaca como a estrela solitária no firmamento negro. Por que o mundo é assim? Por que as pessoas boas, humildes e solidárias se restringem a uma minoria assustadora, enquanto os medíocres compõe a esmagadora maioria da humanidade? Será isso um sinal, a querer dizer alguma coisa? Toni Ramos, como Gonzaguinha, Che Guevara, Martin Luther King e alguns outros, não apresentam ou apresentaram qualidades excepcionais. O que os destaca do resto da humanidade, é a pequenês dos outros. Eles simplesmente usaram os valores que estão disponíveis em qualquer um. Qualquer um pode ser humilde e solidário e, a partir disso, ser honesto, competente, sincero, dedicado, em fim, uma pessoa de bem, capaz de contribuir para um mundo melhor. No entanto, infelizmente, eles tem que ser louvados porque os outros, não só não contribuem para melhorias, como colaboram eficazmente para a deterioração das relações e, conseqüentemente, do mundo em que vivemos. Como seria bom que essas pessoas não merecessem o destaque que recebem, porque seriam iguais a inúmeras outras, todos contribuindo para um mundo melhor, para a solução de problemas, ao invés de criá-los, que é a especialidade da maioria dos seres humanos!

Ontem à noite, durante a comemoração da noite de natal, o Murilo me perguntou se a Jose havia voltado. Disse-lhe que não. Ele disse: -Mas ela vai voltar – Com uma convicção espantosa, tranqüila, como quem faz uma afirmação do óbvio! Terá sido mais uma xaropice dele, ou terá algo a ver com o mistério? O Gabriel também perguntou se ela havia voltado. A Chintya perguntou o por que de a Jose não estar ali. Disse-lhe que estávamos separados. Ela disse: -E daí? Poderia estar aqui como amiga!
Continuo não conseguindo me desligar, deixar de pensar nela, no comportamento que vem tendo. O pensamento de que é uma imbecilidade absurda me atormenta. Ela me trocou pelo Fio! Pode parecer pieguice ou masoquismo, no entanto, é uma constatação. Ela preferiu o Fio à mim! Se estão sendo somente amigos, eu já demonstrei sobejamente o tamanho e qualidade de minha amizade por ela. Afirmei-lhe que, se preferisse, poderíamos Ter um relacionamento exclusivo de amizade. ela recusou e optou por ele. É uma constatação impossível de ser desmentida. Em que será que ele é melhor que eu? Isso machuca...muito!
Voltei a ficar revoltado. Estou fazendo um esforço tremendo para me livrar disso. Isso não leva a nada, ou melhor, leva sim: causa muito sofrimento. Não oferece a menor contribuição para resolver problemas, pelo contrário: cria-os. Preciso me livrar disso, urgentemente!

26/12
Passei o dia atormentado, pensando no comportamento que a Jose vem tendo. Resolvi que no final da tarde iria lá para verificar os extratos que ela disse Ter tirado. Fui, por volta das quatro horas. Ela me mostrou os extratos e verifiquei que houve um depósito de quinhentos reais no dia trinta de novembro e um de quatrocentos reais no dia vinte e dois de dezembro. Deduzi os cento e trinta reais do cheque que ela dera para o Fio, oitenta reais do ourocap de dezembro e os duzentos e cinqüenta do cheque do Nildo. Ela me fez um cheque de quinhentos e quarenta reais. Quando cheguei em casa, lembrei que, se não me engano, o saldo no extrato era de seiscentos e poucos reais. Ora, o cheque do Nildo ainda não foi descontado, o que, se somado o cheque que ela me deu, somará setecentos e noventa reais, portanto, o saldo é insuficiente.
Perguntei a ela se estava feliz com a vida que estava levando. Ela disse: -“Mais ou menos, por que?” Eu disse que esperava que ela tivesse um comportamento diferente, em busca de uma vida melhor. Que ela estava se contentando com o trabalho de doméstica e com o prazer de se relacionar com a família do Fio. Que se isso a fazia feliz, ninguém poderia criticá-la. No entanto, se não estava tendo feliCidade, deveria procurar algo que a propiciasse.
Ela perguntou: -“E o que você quer que eu faça?” Disse-lhe que ela estava sendo prepotente, ao considerar que era plenamente capaz de buscar soluções, dispensando ajuda. Por exemplo, a minha.
Continuamos a conversa e ela voltou a confessar que está confusa. Ora mostra segurança afirmando que está pensando em como conseguir uma vida melhor. No entanto não tem a menor idéia do que pretende, nenhum plano, nada. Disse que a Nora do Aurélio lhe propôs que fosse morar e trabalhar com ela, podendo estudar. Ela ficou de pensar, mas declarou que não quer de jeito nenhum. Argumentei que essa seria uma grande oportunidade de mudar de vida. Na verdade, ela quer mudar de vida, estudar e fazer coisas diferentes. No entanto não aceita ir para uma Cidade grande. Como pretende conseguir algo diferente, sem sair daqui?
Quando lhe disse que estão falando que ela está se relacionando amorosamente com o Fio, ela disse que não liga para o que dizem a seu respeito; que o importante é o que ela é e o que faz realmente. Que, nem de longe, manteria uma relação amorosa ou sexual com o Fio. Me confidenciou que, acredita, que quem está interessado nela é o Baiano, mas que ele, embora converse com ela e ela ache interessante que um rapaz ignorante, como ele, tão novo, tenha tanta maturidade; não vê a menor possibilidade de se relacionar com ele. Que ele nunca disse nada e que, acredita, nunca terá coragem de se declarar. Alertei-a que o Fio, além de se sentir todo cheio por desfrutar a companhia dela, pode estar intencionado a promover o relacionamento dela com o Baiano. Mostrei-lhe o quanto o Fio foi falso comigo, para que tome cuidado, pois não será difícil que faça o mesmo com ela. Ela garantiu que ele nunca insinuou nada e que nem seria louco de tentar. Inclusive ela contou que o Jacinto lhe propôs casamento. Que ela lhe disse que gostava dele como amigo, mas que não havia a menor possibilidade de um relacionamento.
Ela fala muito e diz pouco. Em resumo, disse que o relacionamento com o Fio e sua família é de simples amizade. Que não está tendo qualquer caso com quem quer que seja, e que, também, não está interessada nisso.
Ela disse que nós poderemos Ter um relacionamento de amizade, se comprometendo a ser sincera. Combinamos que tentaríamos novamente, corrigindo a problema da sinceridade. Vamos ver o que acontece. Tomara que ela possa realmente ser sincera, o que possibilitará nossa amizade e ajuda mútua.

27/12
Eu tenho criticado o comportamento da Jose, acreditando que está regredindo. Ela se defende alegando que está buscando algo melhor e que, enquanto isso, procura viver da melhor maneira possível. Me parece que está faltando consistência tanto nas minhas críticas, quanto na sua defesa. Vou tentar esmiuçar essa questão, na tentativa de trazer alguma luz mais forte que possibilite um veredicto mais consistente.
Creio que seu maior erro foi se precipitar, julgando que a vida que estava vivendo comigo estava muito ruim, até mesmo, insuportável. Deixou-se levar pelo sentimento, que pode Ter recebido ajuda de opiniões favoráveis à separação. Não colocou o problema para que pudéssemos tentar resolvê-lo. Quando o colocou, o fez com a decisão, de me deixar, já tomada. Em fim, negou-se a discutir a questão, pura e simplesmente. Agiu como criança mimada, deixando-se dominar pelo sentimento, sem dar a mínima atenção à realidade, as dificuldades que a vida nos coloca e que exigem sabedoria, compreensão e, muitas vezes, aceitação. Agiu por impulso, sem a menor racionalidade.
Por outro lado, deve Ter-se acreditado capaz de enfrentar todo e qualquer problema que resultasse de sua atitude. Fugiu de mim como o diabo foge da cruz, desprezando qualquer ajuda que eu pudesse lhe oferecer. Tinha certeza que queria se separar de mim. O tempo foi passando e ela não conseguiu nada que a satisfizesse. Aparentemente, o único projeto que lhe ocorreu foi conseguir emprego em alguma fábrica em Santana da Luz, alugar uma casa e se estabelecer lá. Isso até poderia ser razoável, se considerasse como uma etapa de um projeto mais longo e ambicioso, que incluísse investimento em estudos e preparação para uma fase posterior.
O aceitar o relacionamento com o Rodrigo, não seria um absurdo, se não fosse a desestabilidade racional e emocional que demonstrou estar dominando-a . A experiência seria válida, mesmo considerando os antecedentes, uma vez que o tempo propicia mudanças e, desde o relacionamento que tiveram e que se mostrou um verdadeiro fracasso, vários anos se passaram e as mudanças ocorridas nos dois, poderiam propiciar um novo relacionamento, onde os erros do anterior pudessem ser evitados. No entanto, embora ela alegue que estava a cavaleira na situação, não titubeou em atendê-lo quando ele teria reivindicado que me prejudicasse ao impedir o uso da conta bancária, da firma e da conta no posto. Não tenho certeza se a opção por fazer isso, tenha sido provocada por ele ou pela oxeriza que ela estava tendo em relação a mim. Se foi sugestão dele, ela poderia Ter-se negado a fazer aquilo, alegando que não tinha motivos para duvidar da minha honestidade, nem motivos para me prejudicar. Ao agir como agiu, demonstrou um egoísmo exacerbado, com total ausência de racionalidade. A racionalidade lhe recomendaria usar esse fato para demonstrar a ele que ela não se deixaria dominar, que agiria com bom senso, impedindo que satisfações pequenas fossem motivo para causar grandes males. Não teve o cuidado de esperar os primeiros resultados da experiência, para ostentar o novo relacionamento, desprezando totalmente os males que isso poderia causar. Novamente foi totalmente irracional, egoísta e burra; pois não considerou que estava plantando dificuldades desnecessárias e que poderiam ser facilmente evitadas. Portanto, o erro não foi tentar um relacionamento, em que tudo indicava estar fadado ao fracasso. Foi desconsiderar isso, acreditando que tinha tudo para dar certo e, agindo como se tudo indicasse que ele seria um sucesso.
É muito provável que o principal motivo para ela Ter aceito a proposta do Rodrigo, tivesse sido a oportunidade de ficar mais longe de mim e evitar que eu a procurasse. O outro, seria a possibilidade de poder trabalhar e estudar.
Outro fato que mostra a incoerência de suas atitudes, foi o Ter levantado empréstimo no banco, para pagar dívidas da mãe, antes de saber se teria condições de pagar as parcelas, caso eles não conseguissem fazê-lo, o que era bastante provável que acontecesse. Provavelmente, deve Ter acreditado que o relacionamento teria sucesso e que, assim, poderia arcar com essa despesa. Ela alegou que o empréstimo fôra para o Martim, inclusive, sem o conhecimento de sua mãe. Isso parece pouco provável, tendo mais aparência de desculpa do que de realidade. O Martim declarou que o Rodrigo era quem arcara com o pagamento dessas dívidas, dizendo, ainda, que a Marta estava muito contente porque ele teria prometido reformar a casa dela no Jusco.
Demonstrou total falta de consciência, acreditando que tinha direito na partilha de nossos bens, sem considerar que eles estavam empenhados em dívidas e que, portanto, não eram nossos de fato, o que impedia que fossem repartidos, a não ser que cada um assumisse proporcionalmente a dívida existente.
Deu-se ao luxo de jogar fora os fiados que tinha para receber pelas vendas feitas e não recebidas. Poderia Ter arriscado o relacionamento, sem desconsiderar a possibilidade de se empenhar para receber o que nos era devido. Abriu mão do que poderia receber, por direito, mas não desprezou a possibilidade de tirar o que estava em minha posse. O que mais permeia o comportamento dela, é a vontade indomada do querer irresponsavelmente, evitando qualquer trabalho ou sacrifício inerente às decisões tomadas. “Quero com uma vontade incontrolada, mas não estou disposta a pagar absolutamente nada por isso.” Quando foi embora com o Rodrigo, disse que não queria nada, que tinha tudo o que precisava. Logo depois voltou atrás e tentou pegar tudo o que fosse possível, desde que não tivesse que fazer qualquer esforço para isso. Não só deixou de receber o fiado que era nosso, como abandonou, também, o que teria que pagar à Marília, assumindo essa dívida par si.
Quando voltou, continuou demonstrando a grande oxeriza por mim, optando por morar com a mãe, mesmo tendo que conviver com bagunça e comportamentos, que ela deplora. Continuou fugindo de mim, só aceitando conversar comigo, pela minha insistência e não pela sua disponibilidade. Mesmo assim, interpretou a maior parte do tempo, esquivando-se dos pontos críticos e terminou propondo um relacionamento sem compromisso, aparentemente para se livrar de uma pressão maior, de minha parte para a reconciliação total.
Se fugiu de mim, como o diabo da cruz, agiu de maneira totalmente contrária em relação à família do Fio. Não poupou esforços para estar com eles, não se importou com a impressão nos outros que causaria, nem com o que pudessem falar dela. Que atração tão grande tem essa família para merecer tamanha dedicação? Ao que tudo indica, nem eles tem atrativos tão grandes, nem eu mereço tanta oxeriza. O relacionamento com os Fio não tem motivos maiores para ser criticado, a não ser pelo exagero e pelo custo. Tantas reuniões, com bebida e comida, custam. Nem elas, nem eles tem condições de se dar a esse luxo. Estão sendo levados pelo impulso, irresponsavelmente.
Recebeu a proposta de poder trabalhar e estudar, com apoio de gente que parece muito boa. Repudiou de imediato, embora alegue que não tomou uma decisão definitiva ainda. Continua sem projeto, sem saber o que quer. Está vivendo baseando-se, exclusivamente, no que não quer: Viver comigo, morar em Cidade grande, sacrificar-se para estudar. Que opções lhe sobrariam?
Tenho que ser muito insuportável para ela, para que se sujeite a essas coisas, desprezando o que eu poderia lhe oferecer.

O que ela poderia fazer para conseguir uma vida melhor?
A primeira coisa que ela precisa definir, é o que lhe propiciaria uma vida melhor.
SER ADMIRADA. Para isso é necessário fazer alguma coisa importante, diferente, admirável. Se ela se contentar com a admiração do pessoal daqui, ou igual a eles; não precisa fazer nada. Para eles ela já tem bastantes motivos de admiração: é diferente, inteligente, bonita e tem espírito de liderança. Para ser admirada em meios mais exigentes, precisará capacitar-se cultural, profissional ou artisticamente. Para tanto, é quase indispensável Ter escolaridade, pra começar, e disposição para trabalhar e sujeitar-se às condições necessárias, como disciplina, horários, subordinação, em fim, dificuldades que todo iniciante deve enfrentar. É uma longa caminhada, difícil e sem garantia de sucesso.
EMPRESÁRIA OU AUTÔNOMA. Isso não exige escolaridade, nem submissão a superiores hierárquicos, uma vez que ela seria sua própria patroa. Poderia ganhar dinheiro, o que, para muitos, é motivo mais que suficiente para admiração. É bom observar que, admiração causada por dinheiro e beleza, não satisfaz gente mais exigente. Digamos que satisfaz os pobres de espírito, ignorantes ou graduados.
Talento comercial é fundamental para sucesso empresarial. Ela demonstrou Ter alguma capaCidade para vender. Continuar nessa atividade, com os mesmos produtos ou outros diferentes, poderia ser uma solução. Isso não exige muito capital.
Poderia ser uma prestadora de serviços. Serviços domésticos como: Fachina, cozinha, arrumação, etc., podem propiciar um bom rendimento, como autônoma, ou como empreiteira. Aprender um ofício, também é uma possibilidade. Isso exige estudo e aquisição de prática.
A grande incoerência, muito comum ao ser humano, é desprezar o que tem, abandonando o conseguido, pra tentar o desconhecido. Buscar algo mais é natural a determinadas personalidades. Isso não depende do indivíduo, parece que ele nasce com essa determinação. Nunca está satisfeito com o que tem. Isso possibilita crescimento, principalmente, se puder aprender com as derrotas, com os erros e reveses. No entanto, buscar, tentar conquistar, não obriga o abandono do já conseguido. Isto só deveria acontecer quando o que já se tem, for impecilho para a nova empreitada. É uma grande demonstração de incapaCidade, acusar o que já temos como causa de nossas insatisfações. Isso, normalmente, camufla nossa incompetência para administrar nossa vida.

No final da tarde fui telefonar na venda e cheguei até o Nelson. Falei com a Jose, que estava no Oscar com a mãe, dizendo-lhe do problema da falta de fundos para cobrir o cheque do Nildo e o meu. Ela disse já Ter percebido (mas não me procurou para pedir para não depositar o cheque). Emprestei-lhe quinze reais para pagar o anti-concepcional que a Neide deve trazer amanhã. Lembrei-lhe do problema de ficar deficitária todo mês, o que poderá levá-la a situações difíceis.
Convidei-a para ir no forró na Sexta-feira e ela ficou de dar resposta na Quinta-feira, porque amanhã deverá trabalhar até tarde. Disse que vai trabalhar o final de semana todo, mas que pedirá à Arlete para começar a trabalhar na hora do almoço, no Sábado.

28/12
ILUSÃO
Eu nasci naquela serra
Bonita e muito altaneira
Nas matas de araucária
Na serra da Mantiqueira

Na fazenda Pinhão Velho
Meu velho pai trabalhava
Plantando milho, cenoura
Mandioquinha e beterraba

Levantar de madrugada
Levar vacas pro mangueiro
Do lampião vinha a luz
Do leite vinha o dinheiro

Fui crescendo e comecei
A lidar naquela terra
Enxada, foice e machado
Eram as armas de guerra

Um dia achei que podia
A minha vida mudar
Resolvi sair de casa
No mundo me aventurar

Saí dali sem destino
Deixando pais e irmãos
Enveredando no mundo
Acreditando nas mãos

Tentei de tudo um pouco
Andei as cegas, sem rumo
Na esperança de encontrar
Na riqueza o meu prumo

Demorei pra perceber
Que a vida exige demais
De quem quer o que não sabe
Se está pra frente ou pra trás
Sem preparo pra enfrentar
Sem saber do que é capaz

Ela aceita o desafio
Arma um monte de arapucas
Mostrando que o que queremos
Exige capaCidade, inteligência e lutas

Arranhões e muitos tombos
Me machucaram demais
Percebi minha fraqueza
Desisti, não pude mais

Voltei pra casa chorando
Achei o abraço do pai
Mostrando a sabedoria
De quem resiste e não vai
Buscando a feliCidade
De quem luta e não cai

Busquei a vida lá fora
Desprezei o meu torrão
Busquei riqueza e fama
Achando que isso era bom
Buscando lá na Cidade
O que estava no sertão

Valeu a pena eu Ter ido
Pois descobri que a vida
Exige muito daqueles
Que escolhem a partida
Sem perceber que são eles
Que causam suas feridas.

PREPOTENTE
Acreditei que era grande
Capaz da vida domar
Destemida me atirei
Na tarefa de ganhar

Fui tentando sem saber
Não saber o que queria
Buscando não sei o quê
Sem perceber que perdia

Joguei o já conseguido
Fiz uma aposta no escuro
Me achei toda poderosa
O contragolpe foi duro

A confusão me domina
Não consigo me encontrar
Busco sem saber o que
Sem coragem de voltar

Gostaria Ter de volta
O que desprezei então
A covardia me impede
Me enterra na escuridão
Não consigo assumir
Voltar e pedir perdão

Não sei se a perda foi grande
O que perdi foi demais
Tremenda feliCidade
Que talvez não volte mais
Achei que ia pro céu
Me abracei com satanás

29/12
ESCRAVO
Olhando pela janela
Avisto a estrada de terra
Que trás e leva também
Nesse pedaço de serra

Espero tanto e não vem
A esperança fraqueja
Sinto o peso da saudade
Do passado tenho inveja

O motivo dela ir
É mistério sim senhor
Vivemos feliCidade
Me derramo nesta dor
A saudade hoje ocupa
O lugar que foi do amor

Eu perdi, ela também
Por que isso acontece?
Não consigo entender
Na vida esse sobe e desce

O amor chega e se instala
Inundando o coração
O resto perde o valor
A vida é só paixão

Quem deixa de ser amado
Sente seu mundo acabar
O sofrimento domina
Lembrança vem castigar
Mostrando a feliCidade
Fugindo pra não voltar

Imagino algum ruído
Na janela vou pra ver
Se é ela que está voltando
Não é. É o meu sofrer

Sei que devo esquecê-la
Foi bom mas não volta mais
Não sou mais o seu amor
O que fui ficou lá atrás

Quem me dera conseguir
Me livrar dessa emoção
Tocar a vida pra frente
Sem mágoa no coração

Isso porém não consigo
É bem mais forte que eu
Ela me ocupa inteiro
Escraviza o que foi seu
Me liberte por favor
Deixe voltar a ser eu.

Estou ansioso para que chegue o final da tarde para ir vê-la. Tudo me diz que ela dirá que não pode aceitar meu convite para ir no forró amanhã. Pelo andar da carruagem, é a resposta mais provável.
Eu tinha razão, ela disse que não poderia me acompanhar.
É incrível como ela foge de mim! Quando cheguei ela estava na cozinha. Sugeri que saíssemos para o terreiro, porque estava meio abafado. Ela disse que iria fazer café. Sua mãe chegou e ficaram conversando sobre o trabalho, descrevendo detalhes sobre o que tinha acontecido, cada uma sobre o seu. É o tipo de conversa para ocupar o tempo, exercitar a fala. Enquanto isso, fiquei sentado numa cadeira na área, enquanto o Felipe brincava com uma fruteira plástica ao meu lado.
Depois de um bom tempo, o café acabou saindo. A mãe dela tomou um pouco, acendeu um cigarro, enrolou mais um pouco e voltou para o trabalho, no sítio vizinho.
Eu fôra disposto a evitar abordar meu problema emocional, falar sobre o relacionamento, em fim, essas coisas que me perturbam e que são desagradáveis de se ouvir. Disse-lhe que conversara com o Marílio a respeito da possibilidade que ele aventara de nós assumirmos a venda, pois ele pretendia se dedicar a outras atividades, por estar cansado de não poder desfrutar os finais de semana, principalmente, não poder jogar futebol, o que ele tanto gosta. Ele dissera que pensara em nós porque poderíamos desenvolver um bom trabalho, Que ela poderia fazer salgados e outras novidades que poderiam incrementar o negócio, além de que, o Proprietário do imóvel não teria restrições a que nós assumíssemos o negócio, pois tinha grande confiança em mim. Porém, esse negócio não é pra já, ele precisa viabilizar outras coisas antes de passar o ponto.
Ela disse que não poderia me acompanhar ao baile. Nem questionei o porquê, pois já esperava por isso.
Perguntei sobre a renovação da habilitação de motorista, se o Aurélio já lhe trouxera a carteira renovada e ela disse que ainda não, que ele esquecera de levar o protocolo, por isso não pudera pegá-la.
Falou sobre o trabalho, que ontem trabalhara até as oito horas da noite, limpando a casa que acabara de ser reformada; que havia dez pessoas hospedadas no sítio e que faziam muita bagunça. Voltou a falar sobre sua rebeldia ao negar-se a fazer coisas que não façam parte dos encargos que assumiu, como rachar lenha e coisas assim. Em fim, conversa descritiva do cotidiano.
Ela disse que o Aurélio quisera saber sobre como estava nossa situação e ela cortara o assunto, alegando que esse era um problema particular. Que o compromisso com ele era profissional e que, portanto, evitasse abordar assuntos fora dessa área. Disse que o Oscar, também, um dia, quis saber se eu continuava tentando a reconciliação. Que também lhe teria dito que isso era um problema particular dela e que não pretendia abordá-lo.
Perguntei-lhe sobre como estava se sentindo. Disse que está bem. Que trabalha muito e, ao chegar em casa, as tarefas domésticas lhe consomem muito tempo, tanto é que, não tem tempo nem de assistir as novelas na televisão. Alegou que isso lhe permite não Ter maiores preocupações. Que não tem maiores problemas que a preocupem a não ser a rotina do trabalho. Que conversas durante o trabalho e brincadeiras propiciam que o tempo passe sem maiores dificuldades.
Aleguei que eu gostaria de conseguir isso, livrar-me dos pensamentos que me atormentam, poder trabalhar, fazer coisas, sem qualquer outra preocupação. O problema é que, embora tente desesperadamente conseguir isso, não tenho conseguido. O pensamento involuntário me atormenta, me colocando o absurdo da situação, principalmente, o fato de que tanta feliCidade tenha dado lugar a tanto sofrimento, sem motivo que o justifique.
Ela disse que eu deveria me livrar desses pensamentos, não me preocupar, deixar a vida rolar.
Voltei a afirmar que era o que eu mais queria, mas que, no entanto, não vinha conseguindo. Que eu gostaria de me tornar inconsciente e irresponsável, desprezando a racionalidade, não enchergar a hipocrisia das pessoas, em fim, não ser afetado pelos acontecimentos e poder desfrutar as coisas boas que surgissem, por mais banais que fossem.
Ela alegou que não está sendo irresponsável, que procura cumprir seu compromisso no trabalho, da melhor maneira possível; não para “puxar o saco”, mas para cumprir o que assumiu, alegando que “o combinado não é caro”. No entanto, procura não pensar no que não vale a pena, vivendo o momento, sem perturbações. Disse-lhe que ela é uma felizarda ao conseguir isso. Que eu daria alguns anos de minha vida para conseguir viver como ela está vivendo, sem preocupações, sem pensamentos atormentantes, em fim, sem sofrimento.
Pedi-lhe que me desse alguma peça sua de vestuário. Ela perguntou o que. Disse-lhe que poderia ser uma camiseta, calcinha, qualquer coisa. Ela foi ao quarto e me trouxe uma calcinha. Continuamos conversando mais um pouco e, em dado momento, pedi-lhe que, se não a incomodasse, gostaria que ela se encostasse um pouco em mim, um pequeno contato. Ela entendeu bem o que eu dissera, mas não se atreveu a encostar uma única célula em mim. Continuamos conversando mais um pouco, mas ficou evidente que ela estava interpretando o papel de gentil, procurando não destratar a visita. Em fim, não tinha prazer nenhum em estar conversando comigo, principalmente, estar na minha companhia. Decidi ir embora e livrá-la desse desconforto. Despedi-me, desejei feliz ano novo e sai. Lembrei-me de que, como pretendia ir ao baile, coisa que ela me incentivou a fazer, poderia aproveitar para poassar no caixa eletrônico do banco e retirar o dinheiro que estivesse disponível. Voltei e lhe disse que, se não fosse usar o cartão do banco, poderia me emprestar para que eu fizesse o saque. Ela disse, a princípio, que não iria precisar dele; no entanto, alegou que, na Segunda-feira, poderia necessitar usá-lo. Disse-lhe que, então, deixaríamos para fazer o acerto noutro dia. Que, quando quisesse, sabia onde me encontrar. Ela alegou que a moto não estava andando, que o pneu que eu levara, não conseguira chegar nem na porteira e que havia furado. Perguntei como poderia Ter acontecido, uma vez que a câmara e o aro eram novos e que, ao montar a roda, não verifiquei que tivesse qualquer problema. Ela disse que não sabia o que acontecera, no entanto, o pneu estava furado. Despedi-me, novamente, e sai.
É inquestionável a repulsa que ela sente por mim. Ela se comporta gentilmente mas fica claro o quanto minha companhia lhe é desagradável. Tem tempo de sobra para ir na venda, passar tempo, visitar a casa do Fio, gastar horas conversando com a mãe e outras pessoas. Para mim, alega, sempre, falta de tempo e outras impossibilidades.
É uma constatação! O difícil é compreender o que teria causado isso. Os motivos alegados: Minhas reclamações, não justificam, não há como aceitá-las como única causa para tamanha mudança. Em fim, os fatos são esses. Incompreensíveis, mas reais, inquestionáveis.
O ideal seria eu conseguir aceitar essa enexorabilidade, parar de pensar nisso e viver sem sofrimento. Tenho absoluta certeza de que isso é o que deveria acontecer, o que recomenda a mais capacitada racionalidade. O problema é conseguir, é livrar-me desses pensamentos que não quero, poder ficar com a mente vazia, se nenhuma outra coisa a estiver usando. Só resta continuar tentando, esperando que as coisas mudem, controlando-me para não perder a serenidade e evitando criar maiores problemas com isso, principalmente, evitando chatear as pessoas com conversas que as desagradem.
Ela veio pra mim como se eu fosse Deus. Fugiu de mim como querm foge do Diabo!

30/12
No final da tarde, contrariando a inércia que tentava me dominar, desci para Santana da Luz. Passei na casa da Lola, para perguntar ao Cidão onde tinha forró. Ela me disse que ele estava internado desde Segunda-feira. Fiquei alí conversando com ela e o Parafuso, até que ele saiu pra trabalhar.
Enquanto a Lola esquentava a janta para mim, fiquei na cozinha conversando com ela e a Dália. Ela disse não saber o que havia acontecido na separação entre eu e a Josi. Descrevi os fatos, como eu os interpreto, procurando ser o mais fiel possível aos fatos. Ela declarou considerar a família da Marta umtanto destrambelhada, useira e viseira em fazer bobagens. Como não poderia ser diferente, condenou a atitude da Jose e elogiou a minha. Disse que ficara mal com seu chefe, porque pedira trabalho para a Jose, a pedido dela e, quando foi procurá-la para dizer-lhe que poderia começar a trabalhar, não a encontrou mais. Claro que a situação não foi essa; seu chefe empregaria a Jose porque precisava de funcionários e não, somente, porque a Lola tivesse pedido. Ela pode Ter passado vergonha porque as pessoas perceberam que sua sobrinha era uma “porra louca”.
O Parafuso desistiu de trabalhar naquela noite e voltou. Fomos os quatro no forró (O Charlie foi também). Tinha bastante gente lá, velhos e moços. As moças muito seletivas, escolhiam com quem dançar, embora não tivesse tantos homens assim. Até uma velha se negou a dançar comigo. Dancei duas músicas com duas mulheres que, se somadas suas idades, dariam mais de um século e meio. Fiquei observando o movimento e tomando cerveja. Deu pra distrair bem. Deixei a Lola, o Parafuso e o Charlie em casa e voltei pra cá, chegando por volta da uma e meia da manhã. Sentia-me um pouco mais aliviado.

31/12
Faltam três horas e dez minutos para acabar o ano de dois mil e cinco.
À tarde, me peguei pensando em como este ano fôra ruim pra mim. Na verdade, só os últimos cinco meses foram ruins..., pior! Foram terríveis! No entanto, os primeiros sete meses foram tão bons quantos os doze do ano passado, os nove e meio do ano retrasado, em fim, todos os meses que pude desfrutar aquele relacionamento maravilhoso.
É terrível! Não consegui me lembrar de nenhum detalhe, de algum momento bom, ocorrido nos primeiros meses deste ano. Tenho certeza que foram muitos, incontáveis; beijos, carícias, amor intenso, louco, curtido, desfrutado. No entanto, nenhum detalhe claro, nenhuma lembrança definida. A última boa lembrança, que está clara na minha memória, foi ela Ter me abraçado, na cama, na noite que antecedeu o aniversário fatídico. Eu virara de costas pra ela e ela me abraçou por trás, como sempre fazia e eu estreitei o seu braço. Não nos falamos, não era preciso. O contato carinhoso falava mais que uma multidão de palavras. Foi a única lembrança clara, viva, quente.
Por outro lado, as coisas ruins, estão frescas na lembrança, como se tivessem acontecido hoje. Já não doem tanto, mas alimentam uma melancolia, uma tristeza triste, um vazio.
Por que será que isso acontece? Por que a memória despreza as coisas boas que vivemos, que nos deram tanto prazer? Por que o prazer garantido, fácil, à mão; perde valor? Por que essa sensação de valor menor, não permanece quando perdemos o que tivemos? Por que esse valor tem que assumir dimensão tão grande, quando o perdemos?
Sei lá...!
O fato é que isso acontece. Eu já sabia disso a bastante tempo. Procurei valorizar ao máximo tudo o que tive, depois que descobri isso. No entanto, verifico que não foi suficiente. Curti muito o que tive, vivi o prazer, a emoção, todas as delícias que tive. No entanto, sinto que poderia Ter aproveitado mais. Não sei...Acho que aproveitei o suficiente, senti o verdadeiro valor que tudo aquilo tinha, desfrutei-o intensamente. Claro que poderia Ter curtido mais, no entanto, curti muito, satisfatóriamente, o que foi, verdadeiramente, excepcional! O problema não está no que aproveitei, está na perda. Sempre considerei que poderia perdê-la um dia, mas nunca esperei que acontecesse do jeito que aconteceu. Foi um golpe muito duro, inesperado, nunca considerado como possibilidade.
Me ocorreu que no último dia do ano, principalmente nos minutos finais e nos iniciais do primeiro dia do novo ano; as pessoas fazem pedidos, se desejam feliCidades e tudo de bom. Pensei em pedir alguma coisa. O que?
Não acredito que adiante pedir! Não consigo crer que o mistério que envolve a vida, se disponha a atender pedidos. Ele determina, independente de nossa vontade, o que vai acontecer. A nós, cabe-nos cumprir o seus desígnios, sem alternativas. Talvez possamos escolher entre algumas alternativas, inconscientemente. Quer dizer: talvez possamos escolher entre as alternativas, racionalmente, no entanto, quem decide o resultado da escolha não é a lógica, é o mistério, o que pode anular a vantagem representada pela possibilidade de escolha.
No entanto, os desejos existem, independente de pedirmos para que sejam atendidos ou não. O meu desejo continua sendo o mesmo: ser feliz! Qualquer coisa que me faça feliz, serve, será muito bem vinda. Enquanto não puder ser feliz, desejo deixar de ser infeliz, me livrar da tristeza e do que a provoca. Esses são os meus desejos, extensivos a toda a humanidade. Não desejo a feliCidade a toda a humanidade porque sou bonzinho, e sim, porque a feliCidade é contagiante, da mesma maneira que a infeliCidade. Como gostaria de ser contagiado pela feliCidade e não pela infeliCidade; desejo que a feliCidade possa inundar o mundo. Em tempo: como sei que a feliCidade, se for constante e sem problemas, perde muito de seu valor; desejo que aconteçam, periodicamente, alguns probleminhas que revigorem e mantenham em alta essa feliCidade.
Como não custa nada, faço o pedido: Por favor, por piedade, encareCidamente, com toda a submissão, peço que meus desejos se realizem. Que não seja por falta de pedidos que o ano de dois mil e seis distribua feliCidades, com abundância, limite os problemas ao necessário para alimentar o aproveitamento máximo dessa feliCidade e expurgue o sofrimento da face da terra. Considerando que isso seja impossível, peço que forneça força suficiente para que o sofrimento seja suportado.

01/01
Logo pela manhã, me ocorreu que costumamos defender que alguma coisa é o melhor para alguém. O que nos leva a acreditar nisso, é a nossa maneira de ver as coisas, nossos conceitos e valores. Porém, muitas vezes, estamos, simplesmente, defendendo nossos interesses, camuflando-os com a defesa do interesse alheio.
Lembrei-me de Ter achado estúpida a decisão do Zézinho de rejeitar a proposta que lhe fiz, para vir morar aqui e poder aumentar sua renda tirando leite pra mim. Ele está morando na casa da tia, tendo que conviver com a velha doente, com os primos bêbados, sem o menor conforto. Aqui, disporia de uma casa, só pra ele, podendo ajeitá-la a sua maneira, poderia aumtentar umpouco sua renda, tirando leite; Ter tranqüilidade, poder uma horta sua, em fim; ´poderia Ter uma vida bem melhor que a que está tendo, morando com a tia. No entanto, preferiu continuar lá. A racionalidade indica que seria melhor, pra ele, vir morar aqui. No entanto, essa racionalidade considera valores que, se mudados, podem indicar outras opções como sendo melhor que a primeira. A tese que afirma que o melhor seria ele morar aqui, considera que aqui teria mais conforto: banho quente, casa limpa, possibilidade de organizar suas coisas num espaço mais amplo. Considera, também, que se livraria do incômodo de conviver com gente doente e bêbada. Por outro lado, a afetividade pela tia e pelos primos, pode ser significativa e boa, ao invés de sacrificante. A maior proximidade do trabalho pode ser considerada significativa. O sentir-se desconfortável por ser vizinho de um cara que pode considerar sofisticado ou coisa pareCida, pode tê-lo influenciado contra a idéia de morar aqui. Considerados esses novos valores, a decisão de continuar morando lá, é perfeitamente razoável.
Quem saiu prejudicado, na verdade, fui eu. Continuo sem retireiro e sem alguém que poderia me substituir quando eu precisasse sair. Ele escolheu o que é melhor pra ele, o que critiquei porque é contrário ao que considero que lhe seria mais favorável. Como os valores são diferente, as conclusões não podem ser iguais. Como ele é que teve o direito de escolha, optou pelo que lhe pareceu melhor pra ele e não pra mim. A razão não é algo absoluto, ela depende de valores, da emoção e de preconceitos. Nas decisões pessoais, que envolvem nossa vida, o importante é nos sentirmos o melhor possível. Sentir-se bem ou mal é departamento da emoção. A racionalidade pode nos mostrar que uma satisfação imediata pode custar caro no futuro. No entanto, se isso não nos preocupar, atenderemos o momento e esperaremos que a sorte nos facilite o futuro. É o que se pode chamar de irresponsabilidade, no entanto, é um direito do indivíduo.
As críticas que tenho feito ao comportamento da Jose, se baseiam em duas coisas: a mudança de valores e o prejuizo que me causou. Ela mudou sua opção por valores, alguns opostos aos que vinha adotando. Os antigos coincidiam com os meus, o que nos aproximava, permitia afinidade, o caminhar juntos, na busca de objetivos comuns. Os novos são conflitantes, impedindo a convivência, buscando objetivos distintos, em direções diferentes. Não estou concordando com ela e nem ela comigo. Essa é a causa de nossa separação. O resto, é simples tentativa de defender o que cada um considera o melhor, tentando argumentar a seu favor e, lógico, acusando erros no outro.
Ela valorizava o conhecimento, o aprendizado e a compreensão. Isso a impelia a buscar conhecimento, discutir ideias, conceitos, comportamentos, etc. Valorizava a humildade, reconhecendo não saber e sabendo que o suas verdades poderiam estar erradas, permitia os questionamentos, discutia-as e aceitava mudanças quando verificasse sua necessidade. Deplorava a inércia do pensamento inteligente, que possibilitava às pessoas uma vida estagnada, presa a preconceitos, sem direito a alternativas. Não aceitava o conformismo e se rebelava contra ele.
Como eu também valorizava o conhecimento compreendido, me dedicava a sua busca, questionando, procurando, discutindo, mudando; ela me admirava e respeitava, integrando-se e participando, sentindo-se apoiada e incentivada. Aprendia comigo, aprendíamos juntos, eu aprendia com ela. Como nossos conceitos e maneiras de ver as coisas, contrariavam a maioria das pessoas, sentir o apoio mútuo nos satisfazia e nos confortava. Isso propiciou o nascimento e crescimento de uma grande amizade, do companheirismo, da sinceridade, da confiança, da solidariedade, da admiração mútua.
Independente da racionalidade e da afinidade de valores; existiu o amor. A somatória de amor, afinidade de valores e disposição para lutar; propiciou um relacionamento raro, independente, autônomo, capaz de resistir às maiores adversidades. O amor dela por mim acabou, deixou de valorizar o conhecimento compreendido, desistiu de lutar por ideais, optando por aceitar o que estivesse à mão, pela facilidade momentânea. Abdicou da razão preferindo ser dominada pela prepotência, evitando ser questionada e discutir seus novos conceitos e atitudes. Abandonou a sinceridade e aderiu à falsidade para evitar questionamentos e Ter que reconhecer que passara a adotar valores que antes repudiava, ao mesmo tempo que abandonara os que abraçou. Sabendo que eu sou adépto dos valores que abandonou e que repudio os que adotou; deixou de me admirar e, ao contrário, passou a ver um inimigo em mim, alguém disposto a acusar suas mudanças, de criticá-las, de tentar levá-la de volta ao caminho que vinha percorrendo. Isso explicaria sua aversão por mim, sua insistência em evitar-me. Ela se bandeou para o outro lado, defendendo o que sempre criticou. Estando do lado oposto, me considera inimigo, fugindo à luta e usando deslealdade quando se vê obrigada a me enfrentar.

O grande mistério da vida! Por que o ser humano alega defender valores que, na prática, abomina, age contrariamente a eles? É comum que a solidariedade seja considerada um valor inquestionável, capaz de propiciar feliCidade, tanto a quem a recebe, quanto a quem a pratica. No entanto, no dia a dia, quem é cultivado com eloqüência é o egoísmo, com muita força, implacável; enquanto a solidariedade permanece intocada no altar dos discursos.
Não precisamos de bibliotecas, nem bancos de dados, para conhecer o quanto somos falíveis. Basta que consultemos nossa memória, fatos acontecidos conosco, crenças que já tivemos e que, o tempo se encarregou de demonstrar que estavam erradas. Acreditamos que algo era daquela maneira porque os dados que tínhamos e a maneira com que os analisamos nos conduziram àquela conclusão. Posteriormente, comm o aparecimento de novos dados, ou a análise diferente dos considerados anteriormente, verificamos que a conclusão anterior perdera a validade. Se isso aconteceu pelo menos uma vez, o que nos garante que as conclusões que defendemos hoje não poderão Ter demonstrada sua validade? Isso nos indica que não existe verdade absoluta, que ela é válida até que seja demonstrado que deve ser desconsiderada ou adaptada. Embora tenhamos uma enorme capaCidade de captar dados, buscá-los e analisá-los; chegando a conclusões; é evidente nossa falibilidade, a possibilidade de errarmos. A quantidade de erros que poderemos cometer é proporcional às tentativas que fizermos. Quem não se atreve a tentar, terá poucas chances de errar. No entanto, quem não se conforma, vive buscando e tentando; errará muito. Portanto, não deveríamos Ter medo do erro, fazendo o possível para evitá-lo, mas considerando que é inexorável a sua presença na busca do acerto.
A incapaCidade de conviver com os próprios erros, aumenta a insidência deles, escravizando seus autores em emaranhadas buscas de tentar escondê-los ou repassá-los a terceiros. A dificuldade de admitir os próprios erros, leva o indivíduo a gastar tempo buscando maneiras de justificá-los, tentando mostrar que não aconteceu o erro, ou que não foi ele quem o cometeu. Nessa tentativa, pode cometer outros erros, comprometer seus valores, enredar-se na própria teia, criada para justificar o injustificável. Admitir o erro, desculpar-se e reafirmar a intenção de previnir que aconteçam; liberta o indivíduo, descarrega-o, permitindo-lhe partir para novas experiências, sem perda de tempo, sem Ter que abrir mão de valores, de conceitos ou de qualquer outra coisa que lhe seja importante.
A integração do indivíduo com a sociedade, provoca choques difíceis de administrar. O egoísmo leva indivíduos a tentar se beneficiar da exploração de terceiros. No entanto, dificilmente um indivíduo admite que pretende ou age nesse sentido. Ele não consegue admitir que seja adepto do egoísmo, de beneficiar-se de prejuízo alheio; no entanto, na prática, é o que busca, esforçando-se ao máximo para conseguir. Esse tipo de ação, associada à tentativa de dar-lhe uma aparência aceitável, digna, resultado do uso de valores recomendáveis; cria preconceitos, aceitos por outros indivíduos, sem qualquer questionamento; que passam a defendê-los, como verdadeiros dógmas, multiplicando a aceitação na sociedade, tornando cada vez mais difícil o sucesso da crítica devida e a correção necessária.
O egoísmo, não admitido, obriga à interpretação, à falsidade, a travestir a realidade, fantasiando e mascarando de aparência louvável o que, ninguém, tem coragem de admitir que é pura exploração, submissão de muitos em benefício de poucos previlegiados.
Existem coisas em nós que não temos coragem de admitir para ninguém, algumas, nem para nós mesmos!
Infelizmente, o egoismo, a preguiça, principalmente a mental; levam os indivíduos a aceitar a exploração, acreditando que, um dia, poderão Ter acesso ao lado dos exploradores e passar de explorado a explorador. Acredito que, na maioria dos casos, essa cumpliCidade dos explorados com os exploradores, na esperança de poder se aproveitar da situação; é inconsciente, mas é verdadeira.
Os exemplos históricos e atuais, que mereceram destaque ou simples rotinas do cotidiano; ensejariam análises e discussões extensas, que ocupariam milhares de páginas. No entanto, a essência, se perderia no emaranhado resultante. Parece mais importante a simplificação, atendo-se às questões básicas, desencadeadoras do emaranhado de distorções que envolvem nossas vidas. Acredito que os valores básicos: Humildade versus prepotência e solidariedade versus egoísmo; são o ponto de partida para todo o resto. Humildade, solidariedade e igualdade entre os homens, foram princípios defendidos pelo cristianismo e pelo comunismo que, embora considerados antagônicos, defendiam esses princípios como base para o bem da humanidade. A prática tem demonstrado inquestionavelmente que, embora aceitos como verdades absolutas, esses princípios têm sido desprezados pela esmagadora maioria, principalmente por aqueles que tem grande influência sobre as massas.
Se fazer análises lógicas, racionais e conscientes do comportamento da sociedade, suas causas e efeitos é tarefa dificílima; torna-se impossível quando considerarmos que há componentes totalmente misteriosos, inacessíveis ao se humano, interferindo em todos e em tudo, aleatoriamente, sem a menor possibilidade de entendermos os porquês.
Por exemplo, é grande o número de indivíduos que, nascendo em famílias pobres, sem recursos, sem o mínimo de considções; consigam sobresair-se, obter sucesso, contrariando o que seria normal. No entanto, são verdadeiras exceções. Se o que conseguiram foi devido a uma capaCidade excepcional, por que eles a mereceram e outros não? Parece que todo indivíduo tem algum talento especial. Alguns tiram proveito deles, mesmo não tendo se esforçado muito para conseguir sucesso, enquanto outros, com os mesmos talentos e, até, maiores; empenhando-se em verdadeiras batalhas para conseguir expor seu potencial e receber a recompensa, só colhem frustrações. Por que isso é assim?
Como a capaCidade humana consegue argumentos que justificam grande parte do que acontece na vida; a influência do mistério fica camuflada, só perceptível em pequenos detalhes, que a racionalidade costuma desprezar, desconsiderando-lhe a importância. No entanto, pode ser que tudo seja obra do mistério, que possibilita aos homens explicar a maior parte, concedendo-lhes a satisfação de se acreditarem capazes, quando, na verdade, não passaram de marionetes, manipulados pelo mistério, desempenhando um papel, como protagonista, coadjuvante ou simples figurante. Não é possível saber o quanto podemos influenciar na vida, no entanto, é difícil desconsiderar a influência misteriosa entre nós. Isso está evidente em inúmeros exemplos, que com um mínimo de atenção, podemos identificar em qualquer tempo, em qualquer lugar, em qualquer caso.
É evidente que o egoísmo, embora propicie vantagens a seus praticantes, elas são mais aparentes que reais, mostrando-se desvantajosas no cômputo geral. O mesmo acontece com a prepotência, que causa muito mais prejuízos que benefícios. No entanto, a humanidade continua optando pela facilidade inicial, por vantagens localizadas, por aproveitamentos parciais, por vantagens ilusórias; desprezando a possibilidade de coisas maiores, mais importantes, gratificantes e duradouras. Será só a falta de inteligência, preguiã e comodismo que leva a isso? Será produto de alguma deformação congênita, inata ao ser humano; ou será obra do mistério?
A compreensão de nossas potencialidades, das influências da sociedade, do conhecimento da atuação da emoção e do pensamento involuntário sobre nossa mente; associado à aceitação de nossos limites e da interferência do mistério nas nossas vidas, pode nos ajudar a aproveitar melhor o que conseguirmos de bom e soframos menos com o que nos prejudique. Por outro lado, parece evidente que pessoas ignorantes, com pouca consciência e com boa dose de irresponsabilidade; sofram muito menos que as de características opostas às deles. Isso não lhes permite aproveitar muito as coisas boas, mas lhes evita maiores sofrimentos. Essas pessoas não escolheram ser assim, são! Independente de sua vontade. Por que?
É razoável que quem consiga aproveitar, bastante, grandes emoções e seus prazeres, esteja mais susceptível a sofrer com perdas, decepções e frustrações. A sensibilidade é quem propicia isso e ela é comum, tanto ao lado bom como o ruim da emoção. Portanto, não é possível ligá-la para o bem e desligá-la para o mal.

02/01
Amanheceu chovendo e não pude deixar de pensar que o céu chora comemorando o quinto mês do meu sofrimento. Sinto que esse pensamento é piegas, cafona, gasto; no entanto, é o que senti.
Terminei de ler o livro que a Sônia me emprestou: Ave Cristo, psicografado por Chico Xavier. É um romance que conta a história dos cristãos no século III DC. Descreve a perseguição que sofriam os cristãos, a conversão de patrícios ao cristianismo, os conflitos íntimos, o sofrimento e a submissão dos cristãos, encarando o sofrimento e o flagelo como dádivas que lhes permitiriam acessar o reino divino.
Não consigo aceitar que Deus, criador do mundo e seu administrador, pretenda que suas criaturas tenham que padecer tamanho sofrimento para alcançar alguma recompensa. Os religiosos defendem que isso se deve ao mau uso que a humanidade tem feito do livre arbítrio que Deus lhes teria propiciado. Não me parece justo que a criação seja acusada de culpa, quando ela não teve qualquer influência na sua criação. A lógica indica que se a criatura é defeituosa, a causa disso está na criação, o que equivale a dizer que Deus teria falhado no projeto e construção do homem. Pior que isso: Castiga a criatura, que não tem culpa pelos defeitos causados por deficiência da criação.
Sigo considerando que o inconformismo do homem quanto à limitação de sua capaCidade de entendimento, obriga-o a tentar explicar o que, até hoje, está envolto no mais absoluto mistério. Não há como duvidar da capaCidade de quem ou do que tenha criado um universo tão extraordinário e complexo. É difícil acreditar que tamanha capaCidade tenha cometido erros grosseiros, como fenômenos que atacam a própria criação, como terremotos, maremotos, pragas e outras catástrofes. Da mesma maneira, é difícil crer que a insensatez humana seja produto de erro na sua criação. O mais provável é que tudo isso, que nos parece errado, verdadeira aberração, tenha sido intencional, com objetivos intencionais que, no entanto, não nos foi dado conhecer. Séculos de questionamentos e pesquisas não conseguiram o mínimo esclarecimento. O máximo conseguido pelo ser humano, tanto através da ciência, da filosofia como das especulações religiosas; foram algumas teorias, que parecem explicar alguns pontos, deixando, no entanto, inúmeras dúvidas, verdadeiro desconhecimento. O mínimo de bom senso nos leva a considerar que o início de tudo se deve à criação de uma capaCidade infinita, totalmente desconheCida. Se não é possível conhecer o início, como conseguir explicar e compreender os efeitos?
A genética transmite hereditariamente várias características entre gerações. No entanto, a particularidade de cada indivíduo é inquestionável. É evidente a diferença entre irmãos, criados juntos, no mesmo ambiente, sofrendo as mesma influências. Por que?
Por que o ser humano, com tamanho potencial inteligente, despreza essa capaCidade, limitando-se a seguir caminhos traçados por outros, sem questionamento, aceitando preconceitos como verdades absolutas. Quando questionado a esse respeito, foge da discussão como se ela pudesse causar-lhe grande mal? Outros aceitam discutir, mas na realidade, só estão interessados em fazer prevalecer seus pontos de vista, suas verdades, deixando de considerar o que lhes é dito, desprezando, totalmente, qualquer coisa que contrarie sua crença, tanto religiosa, como cultural. Isso não ocorre somente entre os ignorantes, aqueles que não tiveram oportunidade de maiores conhecimentos; é comum entre os que tiveram acesso à educação e ao conhecimento que ela propicia. Mesmo assim, preferem aceitar preconceitos que atrever-se a questionar e buscar conhecimentos novos, reformar conceitos e substitui-los quando verificar que perderam a validade que acreditaram que tivessem. Se as pessoas fossem totalmente felizes e não tivessem problemas, o questionamento não teria o menor sentido. No entanto, a humanidade vive se queixando, reclamando da vida. Muitos problemas poderiam ser sanados com relativa facilidade se os indivíduos se propusessem a analisá-los. No entanto, limitam-se a reclamar dos efeitos, fugindo de tentar identificar as causas e fazer algo para conseguir soluções. O que leva a esse tipo de comportamento?
É provável que tudo isso faça parte da criação, que a ação dos indivíduos seja uma imposição, independente deles. Ele já vem programado para uma determinada missão, com o caminho previamente traçado que o guiará na complexidade da vida, fazendo-o percorrer passo a passo o seu programa, acreditando que é ele quem determina o que fazer e suas conseqüências.

03/01
Paginei e imprimi o livro Poesia, que deu cento e vinte e quatro páginas.
Continuo melancólico, sem ânimo, nervoso. Sei que o tempo se encarregará de fazer acontecer alguma coisa, no entanto, a espera é sacrificante. Tenho lido e escrito, o que tem me ajudado a passar o tempo.
Penso nela, na mudança de valores que a levou a me evitar; que essa mudança de valores transformou a admiração que me tinha, em oxeriza. Continuo não encontrando uma explicação lógica para que isso tenha acontecido, o que continua sendo um mistério.
Como considero que tudo na vida é possível, não consigo descartar a possibilidade de que, um dia, ela se transforme novamente, possibilitando uma reconciliação. Isso me parece, cada vez, mais difícil. Essa possibilidade é um problema; se tivesse certeza de que isso não poderia acontecer, acho que a caminhada para o futuro seria mais fácil.

05/01
No final do dia passei na venda e a Jose estava lá com a Lúcia. Pedi-lhe que me emprestasse o cartão do banco para que eu pudesse verificar se o patrão havia depositado mais algum dinheiro e retirar o dinheiro que eu tenho lá. Ela me disse que tirara o estrato ontem e que não constava mais nenhum depósito. Ela ia saindo com a Lúcia, quando lhe perguntei como poderia fazer para pegar o cartão. Ela disse que iriam conversar com alguém e que já voltava. Quando voltaram, disse-lhe que eu iria no Nelson buscar a bateria do trator, se ela demoraria para ir para casa, onde me daria o cartão. Ela disse que iria até a casa do Jensem, conversar com ele, mas que voltaria logo. Fui no Nelson, peguei a bateria e fiquei esperando. Ela demorou mais de duas horas pra chegar.
Quando chegou, me disse que iria pegar o cartão e que já voltaria. Veio me entregar o cartão e me chamou para nos sentarmos na areazinha dos fundos. Me disse que estava estudando com o Fio a possibilidade de estabelecer um bar. Por isso fôra conversar com o Jensem, na tentativa de alugar a casa que ele tem em frente a igreja. Ele não concordou. Disse que o cabeleireiro onde f|ôra cortar o cabelo ontem, em Santana da Luz, lhe oferecera uma salão, onde funcionara um supermercado, no Zé da Rosa, bairro afastado de Sapucai Mirim. Disse que o salão tem uma moradia em cima, um sobrado e que o aluguel seria de trezentos reais. Alegou que essa opção não lhe agradava por ser muito longe, mas que ainda não se decidira. Como última hipótese, haviam ligado para o Zé Alves, sondando a possibilidade de alugarem a casa dele no Caracy, onde já funcionara um bar durante muitos anos. Queria saber minha opinião.
Disse-lhe que era um negócio difícil, pois a região é pouco povoada, o que implica em pequena quantidade de fregueses, que já se servem de duas vendas no local. Que um novo estabelecimento teria que concorrer com os já existentes. Perguntei-lhe se tinham feito um orçamento de quanto precisariam para montar o negócio. Ela disse que sim, mas na verdade, não o haviam feito, realmente. Aparentemente, ela buscava apoio para a idéia. Se era isso, não pude satisfazê-la, pois os dados existentes não eram nada favoráveis. O Fio não tem conhecimento necessário para um mínimo de administração. Além disso, embora acredite que seja ótimo como atendente de bar, por ser comunicativo e simpático, quando bebe, perde um pouco do comedimento. Além disso, há muita gente que não gosta dele, o que levará essas pessoas a freqüentar um bar de sua prorpiedade. Além disso, o capital que ele tem disponível, segundo ela, é de dois mil reais, o que me parece muito pouco para montar o negócio.
Disse-lhe acreditar que ela sofreu uma modificação de valores, relativamente ao que pretendia para sua vida, até a separação: adquirir conhecimento para estruturar sua capaCidade de conquistar sucesso. Dedicava-se a aprender, discutir, questionar, aceitar sugestões, trabalhar mais para crescer como pessoa do que para ganhar dinheiro. Valorizava muito minha contribuição e apoio aos seus objetivos. Agora: abandonara o desejo de aprender, de crescer como pessoa, deixando-se levar por impulsos, agindo sem racionalidade, deixando a vida passar, curtindo o que estiver à mão, dedicando-se ao trabalho para sobreviver. Ela não concorda com isso.
Ela me disse que eles pretendiam promover bailes para atrair fregueses e que, acreditavam conseguir atrair pessoas de outras localidades. Mostrei-lhe que não seria muito fácil que as pessoas se deslocassem distâncias razoáveis para chegar ali, a não ser que o atrativo fosse muito interessante. Que tipo de atração poderia propiciar isso? Ela ficou meio balançada. Notei que não gostara de ouvir o que eu dizia, como se eu estivesse pressagiando só coisas ruins. Infelizmente, os dados disponíveis não permitiam uma análise mais favorável. Percebi que ela não estava mais suportando a conversa e decidi ir embora. Peguei o cartão e ela me pediu que não demorasse para devolvê-lo, pois poderia precisar dele. Prometi devolvê-lo amanhã mesmo.
Sai de lá pensando que, além de buscar apoio para suas idéias, poderia estar intencionando que eu participasse do negócio ou lhe emprestasse dinheiro. Quando não se confia que haja sinceridade, tudo o que é dito é passível de várias interpretações, inclusive a de que a conversa e o que foi dito, é absolutamente sincero.

06/01
Fui na venda, no final da tarde e ela estava lá conversando com o Baiano, do lado de fora. Devolvi-lhe o cartão, informei-a do valor que retirara e perguntei-lhe se tinham tido sucesso na conversa com o proprietário do imóvel que pretendiam alugar. Ela disse que estava tudo muito confuso, que estava de cabeça quente.
Fui levá-la em casa e aproveitei para dizer que eu achava que ela estava me vendo como uma coisa ruim, o que fazia com que me evitasse, fugisse de mim. Ela não concordou. Parei o carro na entrada do sítio e continuamos a conversa. Mostrei-lhe que o importante não eram as palavras e, sim, os fatos. Ela evitara conversar comigo desde o momento da separação, fugira o quanto pudera e, quando não podia evitar, interpretava ao invés de ser sincera e leal. Preferira conversar com qualquer outra pessoa, inclusive o Fio, do que fazê-lo comigo. Disse-lhe o quanto isso me machucou. Que era uma constatação, não uma simples crítica. Ela tinha todo o direito de escolher, uma vez que não tinha qualquer compromisso comigo. As escolhas foram claras e não fui eu o escolhido.
Ela disse que não, que não tinha nada contra mim, que era cisma minha. No entanto, sua conversa traspareceu que se sentia como se qualquer relação comigo, implicasse um compromisso.
Quando lhe perguntei há quanto tempo, antes da separação, ela sentira que o relacionamento estava ruim. Disse que muito pouco tempo, alguns dias. Argumentei que a abordagem do problema poderia Ter propiciado uma solução. No entanto, ela se furtara a acusar o que estava sentindo, evitando discutir o problema na tentativa de solucioná-lo. Mostrei-lhe que ela fôra egoísta e prepotente, internando-se e decidindo nossos destinos, sem me dar a menor oportunidade de participar, principalmente, me defender do que ela teria que me acusar, uma vez que me considerou culpado pelos motivos que levaram à separação.
Ela divaga muito na conversação. Sempre foi assim. No entanto, a conversa foi clareando algumas coisas, dissipando tensões. Ela contou alguns fatos recentes do trabalho e de conversas que teve com algumas pessoas. Conversamos bastante e acredito que muitas bombas foram desarmadas. Sugeri-lhe que nos desarmássemos, tirássemos o peso de cima de nossa relação, que possamos conviver com amizade, sincera. Que pra mim, uma coisa extremamente importante no nosso relacionamento, foi Ter a parceira, amiga, companheira, com quem podia conversar abertamente, sem segredos, sem medos, buscando amparo e compreensão. Que achava um absurdo que, agora, tanto ela, como eu, estivéssemos privados disso, que não tem nada a ver com amor e paixão. É amizade, independente de qualquer compromisso, a não ser a lealdade e a sinceridade.
Me parece que ela entendeu, alegando, inclusive, que ontem tomara a inciativa de conversar para me contar o que estava pretendendo; que hoje me contara várias coisas que não contava a mais ninguém. Em fim, parece que poderemos nos relacionar mais abertamente, sem “pés atrás”, com mais liberdade. O futuro mostrará se isso será possível.

07/01
Na verdade, não tenho conseguido transformar em frases compreensíveis o que tenho sentido e o que tenho percebido pelos sentidos. A análise racional não consegue alcançar essas coisas sentidas. Não tenho conseguido traduzir com fidelidade o que sinto na fala dela e o que eu mesmo expresso. Parece ser uma coisa além da compreensão possível pela razão. Os leitores devem considerar que estou obcecado pelo mistério, de que tanto falo. Não acho que seja uma obsessão, considero como uma palavra que define o inesplicável, o inintelegível. É a constatação do não compreender e, enquanto não for possível compreender, por mais simples que seja o enígma, será um mistério.
As palavras, compondo frases, nem sempre conseguem transmitir o que pensamos e, principalmente, o que sentimos. Noto, amiúde, que querendo dizer algo, não consigo transmitir o que realmente gostaria, não conseguindo ser claro no que pretendo seja entendido e, claro, o ouvinte ou o leitor não terão acesso ao que eu gostaria que tivessem.
Na conversa direta, é pior ainda, pela interferência da emoção, que exalta, deprime, angustia, em fim, interfere no que gostaríamos transmitir, deixar claro. Ao escrever, temos tempo disponível para pensar, procurar as melhores palavras, a pontuação que realce os objetivos, as justificativas. Mesmo assim, é difícil transmitir muitos dos sentimentos, impedidos de encontrar as palavras e a melhor forma de expressa-las.
Se eu, razoavelmente acostumado a questionar, discutir, racionalizar, argumentar; falando e escrevendo, tenho toda essa dificuldade; dá para imaginar a dificuldade da Jose em entender e se expressar, transmitindo fielmente o que pensa e, principalmente, o que sente. Além disso, ela tem que lutar a favor do que pretende fazer crer, inclusive a si mesma; defendendo que não errou, que tudo o que fez foi consciente, racionalizado, sem interferência de terceiros ou do próprio mistério. Esse conjunto de coisas torna praticamente impossível considerar o que ela diz, obrigando a interpretar sua fala, considerando suas ações, tentando identificar a verdade nesse emaranhado de palavras e comportamentos.
Ela tem defendido, veementemente, que não me relegou a planos bem inferiores, relativamente a outras pessoas. A constatação de que ela tem me relegado, é de uma evidência gritante. Quando estávamos nos relacionando, como ela queria, descompromissadamente; ela ocupou a maior parte de seu tempo livre na companhia de outras pessoas, principalmente a mãe e a família do Fio. O número de vezes que optou por eles, em relação às que me preferiu é de uma desproporção enorme. Desconsiderou a necessidade que eu tinha dela e preferiu a companhia de quem não tinha necessidade tão grande. Esse detalhe reforça o valor da desconsideração. Na última vez que conversamos, durante esse relacionamento, vindo de São José dos Campos, quando chegávamos, pedi-lhe que, logo que pudesse, me viesse fazer companhia, pois estava me sentindo muito carente, Isso aconteceu numa Sexta-feira à tarde. Ela, mesmo não tendo trabalhado no Sábado e no Domingo, preferiu ir à casa do Fio com a família, permanecendo lá até as onze horas da noite; ao invés de procurar amenizar minha carência. Ao que tudo indica, alí, ela já havia decidido que aquele relacionamento não estava bom pra ela. No entanto, não teve coragem de expressar isso, preferindo dar motivos para que eu optasse pelo fim. Os exemplos de que ela me relegou são muitos e evidentes; mesmo assim ela teima e negar que isso tenha acontecido.
Outro ponto evidente da sua contradição se refere aos motivos da separação. Ontem mesmo, ela disse que a rotina havia desvalorizado o relacionamento, tornando-o insuportável, alegando que eu sempre tinha pressa de voltar para casa, só para assistir televisão. O outro motivo teria sido minhas reclamações. Aleguei que ela não denunciara isso, provocando a discussão que poderia Ter resolvido o problema. Ela alegou que, durante nossas viagens para São Paulo, teria abordado o problemas várias vezes. Realmente isso aconteceu, no entanto, na conversa sempre ficou claro que os motivos para minhas reclamações existiam e ela não conseguiu argumentar, mostrando que aquilo a estava prejudicando, provocando grande mal estar. Essas conversas nunca deixaram transparecer que o problema fosse significativo, por isso nunca foi considerado de maneira mais enfática.
Quando lhe perguntei sobre o tempo antes da separação em que vinha sentindo esse mal estar, ela disse que foi num tempo muito pequeno, alguns dias antes da separação. Argumentei que não era razoável que um tempo grande de realizações e feliCidade tivesse sido desconsiderado, sendo preterido por um período tão pequeno de descontentamento. Ela lembrou que a Marília, no dia que ela me deixou, recomendou-lhe que listasse, em papel, os prós e contras do relacionamento, para Ter clareza sobre se a decisão que tomara tinha reais motivos para acontecer. Ela não fez isso, nem naquele dia, nem em nenhum outro até aqui. Isso demonstraria a incoerência do seu procedimento, pelo menos no tocante a não dar chance à discussão do problema. No entanto, ela continua a negar que tenha agido por impulso, sem qualquer outra consideração.
Quando alego que ela está agindo irresponsavelmente, sem planos, ou projetos, baseados em pretenções, vontades, desejos, etc., ela se defende que tem sido absolutamente responsável, cumprindo suas obrigações no trabalho, sem falhas, com absoluta responsabilidade. Isso é uma verdade, no entanto, a irresponsabilidade a que me refiro, é no tocante a aventurar-se no vazio, sem necessidade, uma vez que poderia tentar encontrar o caminho procurado, contando com minha ajuda, ainda que só para servir de papél ou quadro negro onde ela colocaria suas ansiedades, tentando buscar caminhos que pudessem satisfazê-las. No entanto, preferiu aventurar-se sozinha, sem o mínimo de capaCidade para identificar o que sentia e, muito menos, para planejar o que poderia ser feito. Essa foi a irresponsabilidade: Abandonar a luz que tinha disponível, mesmo que não a considerasse suficiente, para atirar-se na escuridão, procurando às cegas, sem saber o que buscar.
Mesmo nos últimos tempos do relacionamento, a rotina não era tão pesada como ela quer fazer crer. Íamos pra São Paulo fazer compras, conversávamos muito, como sempre; tínhamos a oportunidade de Ter contato com novidades, discutindo-as e analisando-as, ela saia pra vender, o que lhe propiciava contato com várias pessoas, podendo conversar assuntos que não entravam em nossa pauta, usava o trabalho na roça como mais uma alternativa, planejávamos criar galinhas, porcos e plantar alguma coisa; em fim, se não era muito, era muito mais do que está tendo agora. Se não suportou aquilo, até quando suportará a vida que leva agora? E quando ela ficar insuportável, vai fazer o quê?

08/01
Fui na venda no final da tarde e fiquei conversando com o Marílio. Mais tarde chegou o Fio no seu fusca e, logo atrás, a camionete do Jair com a Jose, Nildo, Baiano e o Malco veio com a moto. Ela não entrou na venda e ficou junto à cerca da casa do Marílio. Não me cumprimentou, o que a obrigaria a chegar na porta da venda. Esperei um pouco e sai para vir embora. Quando sai, vi a Jose bebendo cerveja, ali junto a cerca, com o Jair, Nildo, Baiano e Régis. Passei sem olhar e vim embora.
Senti o estômago apertado, uma sensação muito ruim e que continuou até bem mais tarde. Está clara a oxeriza dela por mim. Ela deve estar supervalorizando as coisas ruins que passou a meu lado, desprezando as boas. Ela, realmente, passou por situações muito difíceis, no entanto, sempre teve meu total apoio e proteção. Não consigo identificar motivos que pudessem justificar esse seu comportamento em relação a mim. É um verdadeiro mistério!

09/01
Maldito pensamento involuntário! Me atormentou durante a noite e acordei, pela manhã, com ele me enchendo o saco. Alegando que não tem sentido ela me trocar pelas pessoas com quem está convivendo. É opção dela, que tem todo o direito de fazê-la. Racionalmente, não concordo com os valores que adotou; emocionalmente, considero uma tragédia, pois perdi o maior valor que já tive. No entanto, ela tem todo o direito de Ter optado por isso, alega estar se sentindo bem e, para qualquer indivíduo, é isso que importa.
A racionalidade mostra que está agindo dessa maneira porque algo a levou a me ver como uma coisa ruim, para ela. Não consigo atinar com o que tenha causado isso, o que me leva a considerar um verdadeiro mistério. É uma coisa muito forte, que resistiu a todas as tentativas que fiz de mostrar-lhe a incoerência de suas atitudes. Inclusive tentando fazê-la ver que não optou pelo melhor pra ela e, sim, induzida pela rejeição a mim. As chances, lógicas, de Ter uma vida melhor do que tinha comigo, são muito pequenas, dependendo da sorte. O importante é constatar que não há o que fazer, que o que poderia Ter sido feito, eu já fiz. Tenho plena consciência disso. A racionalidade me mostra que o melhor seria esquecê-la, ou, deixar de ser afetado pelo que ela fizer. O problema é conseguir isso. Tenho me esforçado ao máximo nesse sentido mas, até agora, não tenho conseguido. Sinto-me mal, sem forças para nada, uma espécie de depressão, um cansaço tremendo, fazendo com que a menor atividade física seja um sacrifício. As únicas maneiras de conseguir algum alívio, é a leitura, o escrever e conversar. Como é didfícil encontrar gente para conversar, tenho me dedicado as outras duas atividades, esperando que o tempo propicie a paz necessária, que me livre dessa coisa ruim, que me atormenta.
Deploro minha fraqueza! Estou como um dependente de drogas que, não podendo consumi-las, se sente como estou me sentindo e, se tiver oportunidade, não vacilará em consegui-la e consumi-la, mesmo tendo consciência de que o efeito será breve e, esse alívio breve, lhe custará o aumento da dependência, do sofrimento, do mal que ora sente. Que misteriosa força é essa que nos impele na direção da desgraça, nos dificulta tremendamente a reação e nos escraviza com tanta facilidade?
Os religiosos alegarão que são desígnios de Deus, para provar-nos, para que paguemos algo que devemos, ou um adiantamento pelo que poderemos receber no futuro, em outra dimensão. No entanto, não consigo compreender isso e me revolto contra o que pode causar tanto sofrimento, explorando a fraqueza humana, na mais vil das covardias.
Estou lendo o livro: Médico de homens e de almas, que conta a história de São Lucas. Até onde li, ele se formou médico e é totalmente revoltado com Deus, pelos sofrimentos que ele impinge ou permite que atinja, principalmente, os pobres, os menos favorecidos em geral. Ele não consegue admitir justificativas para que filhos sejam retirados, violentamente, de seus pais; que uma pessoa possa sofrer a perda de um amor e que, pessoas ruins possam vivver com conforto e luxúria as custas do sofrimento alheio. Eu me associo com Lucano nessa revolta. Acredito que esse Deus possa Ter seus motivos e, com certeza os tem, pois não é possível admitir que tamanho poder e capaCidade cometa arbitrariedades dessa ordem. No entanto, não me é dado entender e não me foi dada a capaCidade de compreender, nem a possibilidade de aceitar passivamente tais absurdos. Por isso minha indignação e revolta contra tamanha injustiça. Esse grande poder poderia evitar isso, permitindo-me compreender ou a simples aceitação. Se não me permite isso, deve Ter suas razões e, lógico, saberá que minha revolta é natural.
Tenho consciência de que este sofrimento me propiciou descobrir muitas coisas e compreender tantas outras que estavam obscuras. É um período de grande crescimento intelectual. No entanto, é justo que o pagamento por isso seja um sofrimento tão grande, tanta perda e prejuízo?
No final da tarde fui no Chico buscar o alcóol que ele me trouxera e, quando abria a porteira dele, a Jose passou na garupa do Régis e me fez chauzinho, toda empolgada.

11/01
Por volta das onze horas, fui no Nelson colocar o motor de arranque no trator dele. A Jose estava em casa e perguntei-lhe se queria alguma de coisa de Santana da Luz, uma vez que eu iria lá mandar arrumar o motor de arranque do meu trator, Ela disse que não precisava de nada e me convidou para almoçar. Comi um pouco e ela disse estar pénsando na proposta que lhe fiz no outro dia, a respeito de continuar vendendo coisas. Quis saber qual era a proposta e disse-lhe que o lucro seria dividido em partes iguais, entre ela e eu.
Estou chegando ao final da leitura do livro “Médico de homens e de almas”. Tanto no livro “Ave Cristo”, como neste, existem muitos exemplos de homens que passam quase a vida toda não acreditando em Deus, como único e todo poderoso, acabando por acreditar nele e se dedicando inteiramente ao seu serviço, sofrendo grandes suplícios e enorme sofrimento. Não há lógica; somente um acontecimento, uma crença, há muito rejeitada. Não há explicação, não há racionalidade, é uma conversão pura e simples. Parece que tudo indica que o mistério define o tempo em que isso deva acontecer e, quando chega esse tempo, nada pode impedir a conversão. Continuo não conseguindo acreditar que o todo poderoso aja dessa maneira. Não consigo sentir fé, não consigo acreditar em algo tão nebuloso, tão confuso, verdadeiro absurdo. No entanto, tenho, cada vez mais certo, a existência de um grande mistério que paira sobre nossas vidas, agindo com soberania sobre nós. O considero um grande mistério porque não consigo a menor compreensão sobre o que constato. As constatações são inequívocas, enquanto a compreensão dos fatos é impossível.
Será que um dia serei convertido e passarei a Ter fé e aceitar o que hoje vejo como enormes aberrações? Quem sabe?

12/01
Hoje me ocorreu, com muita clareza, ao valores que mudaram na Jose, em relação a mim. Ela tem sido absolutamente covarde, ao fugir de mim, negando-se a discutir com profundidade tudo o que aconteceu; egoísta, ao desconsiderar totalmente meu sofrimento e prepotente, considerando que é suficiente capaz, podendo prescindir de minha ajuda.

13/01
Sexta-feira treze! Nunca tive problemas nas terças-feira treze. No entanto, a maioria dos meus problemas, pelo que me lembro, sempre aconteceram no final e no começo dos anos, embora, astrologicamente, digam que o inferno astral termina no dia de nosso aniversário. A astrologia popular e as crendices, funcionam como as religiões: pretendem explicar, alegando conhecer o que é um total mistério, principalmente para eles, que não conseguem perceber, nem, que existe esse mistério.
Sonhei com a Jose, não me lembro o quê.

14/01
No final da tarde fui na venda e, conversava com o Chico Bento, quando a Jose passou na garupa do Régis, em direção da casa do Fio. Me deu um adeuzinho sorrindo.
Ela tem o direito de fazer o que quizer, principalmente porque se livrou de compromissos antes de mudar de vida. No entanto, me faz muito mal vê-la agir dessa maneira. Claro que o motivo principal é emocional, o não poder desfrutá-la, não Ter mais o seu amor, a companheira de conversas e análises e, finalmente, o amor próprio ferido, principalmente, sendo preterido em relação a pessoas que considero grandemente desqualificadas, cultural e moralmente. Racionalmente, é totalmente inexplicável o seu comportamento. Nunca lhe dei motivos suficientes para sentir tamanha oxeriza por mim. Em contrapartida, mantém um relacionamento estreito com o pessoal do Fio. Ele tem demonstrado um grande mal caráter e totalmente falso. Disse a ela que teria dinheiro para iniciar a montagem de um bar, quando na verdade, não dispõe desse dinheiro, tanto é que está na eminência de perder o carro por não Ter saldado o pagamento. Ela sabe que, mesmo que conseguissem montar o bar, teriam enormes dificuldades para sobreviver dele, pelo baixo potencial de fregueses, que terão que ser divididos com os comerciantes mais antigos. Isso é tão evidente quanto a luz do sol, no entanto, ela continua iludida. Não é o Fio que a tem procurado, ao contrário, é ela quem o procura. O que a estará levando a agir assim? Já lhe abri os olhos a respeito de tudo isso. Ofereci-lhe a possibilidade de retomar o negócio que vinha desenvolvendo, antes da separação, vendendo produtos para casa. Ela continua relutando em aceitar, mantendo a ilusão que conseguirá se realizar com qualquer outra coisa, sem a menor condição de consegui-lo. É um tremendo mistério.
Estou cada vez mais convencido de que meu comportamento, principalmente, minha conversa, estão sendo insuportáveis para as pessoas. Meus assuntos preferidos são: o comportamento humano, a política e a religião. O problema é que as pessoas não se preocupam em analisar absolutamente nada, conformam-se em defender idéias que não passam de preconceitos, baseados na crítica pura e simples, totalmente irresponsável, o que camufla a realidade. Esse comportamento é comum à maioria das pessoas, não se restringindo aos analfabetos e desprovidos de maior cultura. Como eu não consigo aceitar as coisas dessa maneira, vivo analisando os problemas, recolhendo dados e embasando o que defendo. Portanto, é muito difícil a convivência com visões tão diferentes das coisas. Eles convivem entre si sem maiores problemas, no entanto, é evidente a falsidade desses relacionamentos, onde todos procuram ser agradáveis e fazem tudo para manter os relacionamentos, numa hipocrisia tremenda. O grande problema, é que não consigo progredir nos meus conceitos, percebendo onde posso estar errado, porque não recebo críticas racionais, que me permitam reconhecer onde possa estar errado. Isso me obriga a uma trabalho muito maior, obrigando-me à autocrítica buscando onde posso estar enganado.
Hoje, na casa do Nelson, conversei com o Oscar e o Zé. Começamos falando de política, quando eles acusaram a incoerência do governo ao empreender o conserto das estradas, em ano eleitoral, ao invés de reformá-las, reconstruindo tudo o que fosse necessário. Defendi que não considero que haja dinheiro suficiente para isso e que, as condições em que estão essas estradas, o mínimo que deve ser feito é esse tapa buracos. Que é necessário não perder de vista as condições reais, evitando a irresponsabilidade de imaginar o impossível com factível. Eles não se convenceram, afirmando que existe dinheiro suficiente para fazer o trabalho necessário para a total reforma dessas estradas. Baseiam-se, pura e simplesmente, em “achos”, sem a menor preocupação com a realidade.
Eles acusam a corrupção como origem de todos os males. O problema é que se limitam a considerar corruptos somente os governantes. Defendi que a corrupção é a base da maioria dos males; no entanto, o probblema é que ela está dessiminada em grande parte da população, principalmente, nos que tem alguma importância econômica. Que o número de corruptores é muito maior do que o dos corruptos. Que a base de tudo isso está no egoísmo das pessoas, buscando vantagens pessoais, em detrimento do bem comum. Que, enquanto isso não possa ser modificado, qualquer coisa é simples curativo em doença crônica. Eles concordaram com meus argumentos, mas continuaram a insistir nos seus argumentos que eu acabara de combater. É assim o comportamento dessas pessoas: desprezam, pura e simplesmente, a racionalidade e se entregam por inteiro ao comodismo da crítica irresponsável, isentando-se de contribuir para a busca de soluções. Como esse tipo de comportamento é generalizado, os problemas se tornam crônicoa, por falta de quem os enfrente com disposição para solucioná-los. Para cada um que se disponha, honestamente a esse trabalho, existe um número enorme dos que, defendendo seus interesses com o mais vil egoísmo, trabalham em sentido contrário.

Estou me sentindo muito mal. Procurei descarregar um pouco escrevendo no conto Rita, mas não adiantou muito. Fui continuar a leitura do livro de Sidney Sheldon: Um estranho no espelho. Ele conta histórias de Holywood, dos bastidores da indústria cinematográfica, dos aspirantes a ela e da verdadeira depravação que acontecia nos anos cinqüenta e sessenta. Chega a dar nojo, perceber a que nível de degradação chegam as pessoas para conseguir seus objetivos, desprezando totalmente o mínimo de dignidade que deve constituir os valores de um ser humano. É um comércio totalmente despudorado na busca de valores idiotas, em detrimento do prazer e feliCidade que é possível, simplesmente, não fosse essa deturpação a que os indivíduos se entregam, causando grandes desastres aos outros e a si próprios. Quando a gente está mal, emocionalmente, tudo fica escuro, nebuloso, tétrico. É muito ruim!

19/01
Passei os dias passados, desde o dia quatorze, lendo e escrevendo um conto (Rita), no arquivo contos. Relatei, novamente, os motivos e os acontecimentos da separação, acompanhados da análises.
Ontem, no final da tarde, fui devolver livros da Marília e pegar outros. Tinha esperança de que a Jose me abordasse, mas ela nem apareceu. Como a Suza estivesse no seu sítio, parei para dar-lhe um alô. Ficamos conversando, sobre leitura e sobre o que tenho escrito. Ela emitiu opiniões sobre a separação entre eu e a Josi. Fez várias colocações, sempre baseadas em conceitos ou preconceitos tradicionais, mostrando dificuldade de compreender a excepcionalidade do caso. Ela está bastante política, evitando extremismos e, pareceu, que considerava o que eu dizia, os dodos que fornecia e as análises que apresentava.
Ela colocou uma coisa que não me era novidade, no entanto, ressaltou-a e foi bom Ter ouvido aquilo. Ela defendeu que a Jose se rebelou contra minha proteção, buscou libertar-se de mim para tentar demonstrar que era capaz de viver sem a necessidade de alguém que a amparasse, principalmente que pudesse tolher-lhe as iniciativas. É muito provável que seja isso. Já reconheci essa possibilidade anteriormente e acho bastante plausível. Isso explicaria o me evitar, o fugir de mim, o recusar qualquer ajuda minha. Ela pode Ter passado a me encarar como o pai que coloca dificuldades em tudo que o filho pretenda, tentando impedir que se arrisque, tencionando protejê-lo, considerando-o incapaz de Ter sucesso e de arcar com as responsabilidades dos fracassos. Essa concepção é totalmente aceitável e razoável, se eu fosse um homem normal, como a maioria. Não parece justo em relação a mim. Já demonstrei muitas vezes o apoio ao seu crescimento, à busca de realizações, incentivando-se a arriscar-se, encorajando-a. Reconheço a necessidade de sentir-se totalmente livre para tentar vôos solo. Já admiti isso para ela mesma, considerando que essa separação teria que acontecer e seria benéfica para eliminar a possibilidade de que eu seria um entrave a sua vida, que haveria maiores e melhores possibilidades de vida sem mim. No entanto, desde que ela foi embora, já teve oportunidade de verificar o tamanho das dificuldades enfrentadas e de sua fragilidade frente as grandes dificuldades que a vida coloca. Está se sacrificando em trabalhos que já conhecia e que não são de seu agrado, muito pelo contrário. Está acumulando problemas financeiros, aumentando-os. Está se refugiando em convivência com amizades que deveria saber, sem condição de ajudá-la, com risco de causar-lhe prejuízos. Continua acreditando encontrar luz no fim do túnel, tropeçando até nos menores obstáculos. No entanto, teima em recusar a verdadeira amizade que sabe Ter em mim. Continua sem crescer, acumulando escoriações, procurando escondê-las sob curativos demonstrativos de feliCidade, apoiando-se na certeza de estar fazendo o melhor, no caminho que a levará ao sucesso.
Lembrei que, desde criança, sonhei em ser camioneiro, dirigir caminhões pelas estradas. Meus pais eram totalmente contra a idéia. Consegui um emprego como motorista de caminhão. Cheguei em casa com o caminhão carregado para pegar roupas para a viagem. Minha mãe quase teve um troço, não queria deixar, fez um escândalo. Não adiantou, eu estava decidido e fui, contrariando o bom senso alegado pelas pessoas. Eles eram contra algo que desconheciam, achavam que era perigoso, sem saber porque e isso bastava pra que se opusessem. Eu poderia Ter quebrado a cara, mas isso não aconteceu. Não foi a Fio que eu esperava, mas tive a oportunidade de verificar isso e pude partir para outra, livre da ansiedade de realizar aquele sonho, conhecendo o resultado. Da mesma maneira, me aventurei em várias outras tentativas e sonhos. No entanto, sempre fui em busca de algo identificado e, não, em busca de não sei o quê. Nunca tive alguém que me apoiasse nessas aventuras. Por isso, posso dizer de cátedra, que a Jose está perdida, buscando sem saber o quê, desprezando uma verdadeira raridade. que á minha amizade e a ajuda que eu posso lhe oferecer. Aparentemente, o único motivo racional que justifica isso, é a necessidade de provar para si mesma que é capaz e pode prescindir de ajuda. Tenho tentado evitar esse conceito: É uma desmesurada BURRICE!

Você pode achar que é uma imbecilidade, e é, realmente, no entanto, não depende de mim, acontece contra minha vontade, contra minha lógica. Ao saber que a Jose está com problemas financeiros para propiciar fundos a cheques que emitiu, me voltou a esperança de que apareça aqui, que venha me procurar e que, finalmente, compreenda as bobagens que está fazendo. Isso não deixa de ser uma possibilidade, no entanto, não deveria me despertar ansiedade. Deveria ser encarada como uma possibilidade, só, e não evidente. Aparentemente, ela só vai apelar pra mim, em último caso, o que não é nada lisonjeiro. Maldita emoção e pensamento involuntário! Por que não me dão um pouco de sossego?

20/01
Tive dificuldade para dormir. Sonhei com ela. Eu estava numa venda à beira da estradinha, de onde saia outra, em subida, com uma curva logo no início da subida. Ela estava com outras pessoas, ao lado dessa curva. Não conversava com os outros, simplesmente estava junto a eles. No início estava de costas e reconheci-a pelo cabelo. Logo as pessoas e ela, se afastaram para um dos lados da estradinha e ela continuou alheia aos outros. Calçava sapatos de couro acamurçado e procurava não me olhar.
Depois, estávamos no banco trazeiro de um carro, de quatro portas, com alguém ao volante. O carro estava estacionado. Eu, com minha maneira imbecíl de me expressar quando estou contrariado, disse-lhe – “Muito obrigado pela demonstração de amizade!”. Ela saiu do carro pela porta do seu lado e eu pela do meu. Ela disse algo como: - “Não quero, mesmo, nenhum contato com você!”. Acordei, muito mal.
O fato de ela desprezar minha amizade, principalmente, numa situação em que esta poderia ser-lhe de grande utilidade; podendo usar-me como conselheiro, mas, principalmente, como ouvinte de suas dúvidas, ânsias, espectativas; alguém com quem poderia dividir suas frustrações e desencantos; que poderia ajudá-la a buscar caminhos que lhe possibilitassem atingir seus objetivos, ajudando-a, inclusive, a identificar o que quer; Isso é incompreensível. No entanto, desconsiderando a interferência o mistério, isso é só uma tremenda burrice. Na minha cabeça é que o fato toma dimensões extraordinárias. Isso acontece, acredito, por causa do meu estado emocional, da carência que estou vivendo, do desejo de tê-la de volta. A análise racional demonstrando o erro em que ela está incorrendo, me parece pura justificativa para tentar esconder o verdadeiro motivo. A análise é lógica, no entanto, não estou conseguindo aceitar que ela tenha o direito de fazer o que está fazendo, até o direito de ser burra, desprezando a inteligência. Além de ser um direito natural, ela o consolidou agindo honestamente; livrando-se, primeiramente, do compromisso que tinha comigo, reavendo a total liberdade. É cada vez mais evidente a possibilidade de que o que a incomodava era a dependência do meu protecionismo, do amparo que eu representava. Além disso, no tipo de relacionamento que tínhamos, era praticamente impossível que nos dispuséssemos a qualquer coisa que não pudesse ser questionada, ainda que fosse verdadeira loucura. Algumas vezes, inclusive, aceitamos que algo deveria ser feito, baseados no mistério, no instinto, sem qualquer outra explicação lógica para aquilo. Porém, isso era admitido e aceito como aceitável. Outras vezes, decidimos por algo que tinha mínimas possibilidades de sucesso, mas, mesmo assim, decidimos arriscar. No entanto, tudo isso acontecia depois de análises racionais, que consideravam, até, o irracional, a emoção, o mistério. Ela decidiu que tinha que fazer algo, que não sabia como, não se viu capacitada a defender o que pretendia e, talvez, nem mesmo, tivesse idéia a respeito do que queria. Foi um impulso, pura e simplesmente. Não teria como discutir comigo, o que nem ela sabia o que era.
Encarou as possibilidades que apareceram, como verdadeiras tábuas de salvação, esforçando-se para desconsiderar as grandes possibilidades de fracasso, que tinham o maior percentual nas probabilidades. Pode Ter depositado muita crença no mistério, considerando que ele propiciaria a solução do problema, encaminhando-a para o que ela mesma não sabia o quê.
Acreditando que teria sucesso, fez o empréstimo bancário para a mãe, assumindo a responsabilidade pelo pagamento. Acreditou que a remuneração pelo seu trabalho, seria suficiente para cobrir as despesas. Encontrou na turma do Fio apoio para o que vinha fazendo e valorizou a convivência com eles, aceitando isso como massagem ao ego e aproveitou o prazer que essa relação propiciava. No entanto, desconsiderou que as dificuldades, principalmente, financeiras, não prometiam futuro promissor.
Não acreditando que poderia fracassar nos seus intentos, não cuidou de evitar compromissos que poderiam comprometê-la no futuro. Ao que tudo indica, vem acumulando deficites financeiros, mês a mês, devidos a despesas maiores que as receitas.
Agora, somada à crença de que é capaz de dirigir a própria vida, sem interferências, pode estar a incapaCidade de admitir o fracasso, principalmente para mim. Isso faz com que busque ajuda de terceiros, evitando recorrer a mim, evitando confessar que tivesse errado.
É evidente que isso é um direito dela, principalmente, apoiada no conceito de que ela assumiu a responsabilidade pelos seus atos e não acha justo que, na dificuldade, recorra a quem nunca concordou com a atitude tomada. Pode haver uma grande dignidade nisso!
Admitir que possa Ter errado, dispor-se a discutir o assunto na busca de soluções, despida do medo de assumir o maior direito do ser humano que é a falibilidade; parece ser o melhor caminho. No entanto, é preciso considerar a força do emocional no impedimento da ação da razão.
Essa é minha análise racional sobre a questão, embasada nos dados disponíveis, enfocada por vários ângulos. No entanto, meu julgamento pode estar errado, principalmente, porque não tenho como desconsiderar a influência da emoção nesse processo. De qualquer maneira, está claro o direito que ela tem de agir como vem agindo. Que não tenho o direito de forçá-la a questionar-se, nem aceitar minha interferência.
Ocorre-me o que acontece quando do aprendizado de muitas atividades: Num determinado momento, nos sentimos capazes para executá-la com total autonomia, dispensando ajuda e, principalmente, conselhos e advertências. É o caso de quando aprendemos a dirigir automóveis. Iniciamos o aprendizado com muito medo e, à medida que vamos verificando que podemos dominar o carro, nos sentimos mais a vontade. Quando conseguimos dirigir com autonomia, sem ajuda, acreditamos que já aprendemos tudo e estamos plenamente capacitados para dirigir, enfrentando qualquer tipo de dificuldade. Enquanto não sofrermos um acidente ou, pelo menos, um susto suficientemente grande, continuaremos acreditando que somos o melhor motorista do mundo, ainda que estejamos entre os piores. O mesmo acontece quando aprendemos a voar, no vôo livre. O medo incial, em determinado momento, é substituido pela autosuficiência. Nesse ponto, procuramos fugir do instrutor, considerando que ele é cuidadoso em demasia conosco e que é um entrave ao nosso desenvolvimento. Nós, que a princípio o tinhamos como um guru e não conseguíamos realizar absolutamente nada sem a sua presença e apoio; passamos a vê-lo como um verdadeiro entrave. Portanto, o que a Jose está fazendo, é algo parecido com isso. Tomara que possa se assustar antes que aconteça um desastre.
Se eu estiver certo, enquanto ela teimar em prosseguir no caminho que vem trilhando, colherá frustrações comulativas e, aumentará cada vez mais a probabilidade de fracasso, o que implicará na perda do que ela mais anseia: A liberdade. O fracasso escraviza, sujetando-nos, obrigatoriamente, ao que não gostaríamos.
Perceber isso, me faz muito mal. No entanto, repito: pode ser que tudo isso não passe de camuflagem para a verdadeira razão da minha amargura, que seria a carência dela, o não poder desfrutar da sua companhia. Esta carência é inquestionável. A análise que faço da questão é lógica, embora não possa ser rotulada de inquestionável; o problema é: Qual o percentual de influência de cada uma em mim, no que sinto?
Uma coisa é inquestionável: A esperança de que ela mude é um fator de grande agonia para minha emoção. Ela impede que o processo de resignação se vá acentuando, aliviando, paulatinamente, o sofrimento, caminhando para sua extinção. Se eu pudesse não Ter esperança, talvez já estivesse muito melhor, no entanto, continuo recaindo a cada mínimo indício de que situação possa ser revertida, criando ilusões, agarrando-me a possibilidades tão improváveis quanto as que acuso ser o erro dela. Considerando por esse lado, estou errando tanto quanto ela. A diferença é que eu estou totalmente aberto a discutir a questão, enquanto ela foge desesperadamente dessa possibilidade.

No início da noite passei na venda com o Nelson e a Jose estava conversando, do lado de fora, sentada junto à garagem do Marílio, com o Baiano e outros meninos, inclusive o Petro. Quando passamos de carrro, não olhou para nós.

21/01
Ontem, depois que a vi na venda, me senti mal. Claro que o ciúme é natural. Eu gostaria que ela estivesse comigo e não com aqueles rapazes. Vê-la desfrutar outras companhias, enquanto me relega é motivo mais que suficiente para despertar o ciúme; no entanto, isso só deveria causar o mal estar, o desagrado. Porém, o pensamento involuntário insiste em provocar revolta, crítica. Me provoca a considerar um absurdo que ela prefira conversar com “moleques” do que comigo ou outras pessoas de maior cultura, com mais assuntos, mais inteligência. Como alguém que gostava de discutir vários assuntos, questionando, analisando, mostrando capaCidade para isso; se contenta em conversas fúteis, vazias?
Gosto é gosto! Se isso lhe está fazendo bem, lhe dá prazer; que recriminação ela pode merecer. É o tipo de conversa descompromissada, onde não se esmiuçam problemas, portanto, não causam desconforto. É uma conversa leve, em busca de passar o tempo em companhia agradável, sem esforço mental, sem a obrigatoriedade de ser coerente, responsável e outras chatices.
O pensamento involuntário me provoca, alegando que esse tipo de conversa não leva a nada, não constrói, não ajuda no crescimento e, ainda por cima, dificulta que ela enfrente seus problemas, na busca de solução. É preciso considerar que ela optou por mudar de vida. Pode-se concordar ou não com essa opção, no entanto, é um direito dela. Se ela acredita que essa vida é melhor do que a que viveu, assumiu-a, inclusive a responsabilidade por isso; não há o que possa ser criticado.
A única crítica que posso fazer-lhe, é no que diz respeito a ela dizer que aceita minha amizade, quando na verdade, minha presença lhe é desagradável. Deveria Ter coragem de me dizer a verdade. No entanto, isso deve ser-lhe muito difícil, principalmente, porque não teria motivos para tanto. Como optou por fugir de questionamentos, é lógico que evite qualquer coisa que possa provocá-los. Ela está agindo como a maioria das pessoas, usando a hipocrisia para se livrar de problemas.
O grande problema é a incompatibilidade entre os valores que ela adotou e os meus. Como eu não consegui mudar e não tenho o direito de opção, em relação a ela; sinto revolta, por não conseguir o que gostaria de Ter, sentindo-me impotente e derrotado. Eu deveria conseguir aceitar o fato, impedindo que ele me causasse sofrimento. Conseguir isso, é problema meu e não dela. Ela não tem nenhuma obrigação de mudar para me satisfazer, prejudicando-se, ao abrir mão do que está acreditando ser melhor pra si. Eu é que deveria aceitar o fato e livra-me dos males que ele me causa. Se não consegui, ainda, o problema é meu e não tenho direito de incuti-lo a mais ninguém, a não ser ao mistério. Culpar o mistério também não leva a nada. Se ele for o responsável, só me resta esperar que deCida o futuro, fazendo o que me for possível para suportar o presente.
ERRADO?
Me peguei pensando no que foram meus ideais de vida. Lembro que quando criança, meu pai tinha um amigo que era desenhista projetista. Ele ia bastante à nossa casa e ficava horas conversando com meu pai. Falavam sobre comunismo e sobre ateismo, coisas que defendiam. Lembro que minha mãe, católica, detestava aquelas conversas. Eu, ao contrário, adorava. Não entendia nada, mas gostava de ouvi-los falando. Uma noite, esse homem trouxe um desenho industrial, de alguma máquina ou componente e me deu. Eu adorava aquele desenho e vivia rabiscando papéis tentando imitá-lo. Passei a sonhar em ser desenhista projetista.
Eu, ainda criança, meu primo começou a trabalhar como motorista de caminhão, viajando. Ele contava muitas histórias e eu, que já era seu fã, por empatia, passei a vê-lo como um verdadeiro ídolo e mudei o sonho de desenhista para o de camioneiro. Esse sonho me acompanhou até a juventude. Realizei-o e desisti da profissão por verificar que as possibilidades de ganhos econômicos era muito difíceis.
Passei a sonhar com ganhar dinheiro.
Desejava poder comprar carro, casa e muitas coisas que acreditava me realizariam, me fariam feliz. Não tinha consciência do que era realização, nem considerava a feliCidade como uma emoção propiciadora de prazer. Pretendia ganhar dinheiro para demonstrar que era capaz e conseguir consumir o que me apetecesse.
Dediquei-me ao trabalho com afinco, em busca do sucesso financeiro. Depois de tentar várias atividades, considerei que a melhor opção seria capacitar-me para atividades mais lucrativas e que exigissem menor esforço físico e propiciassem maior liberdade. Resolvi estudar, fiz supletivo de primeiro e segundo grau e conclui a faculdade.
Na faculdade, constatei que o curso que fazia propiciava capacitação profissional, mas não oferecia status. Era uma profissão nova, para executar um trabalho antigo. Era uma adaptação de cursos que já existiam, procurando ser mais objetiva, buscando atender as reais necessidades do mercado de trabalho. No entanto, o corporativismo enraizado, fez com que os profissionais tradicionais, detentores do poder sobre a regulamentação profissional, empenharam-se em reservar o máximo de mercado para eles, restringindo o máximo possível o acesso dos novos profissionais a esse mercado. Aquilo me pareceu uma injustiça exorbitante. Passei a encarar a luta contra tal injustiça, como principal objetivo de minha vida. Enquanto estudante, evitei participar da política estudantil, dedicando-me ao máximo aos estudos, pretendendo aproveitar ao máximo os ensinamentos, no menor prazo possível. Depois de formado, entrei de cabeça na luta pelas reivindicações de minha categoria. Acreditava que o problema estava no âmbito da legislação que criara esses cursos e que, era nessa área que a luta deveria se concentrar. Passei a participar ativamente do movimento estudantil, numa época de muita repressão, imposta por governos ditatoriais e que faziam de tudo para sufocar reivindicações que não lhes interessassem. A luta por tais objetivos e o destaque que eu conseguia nesse meio, eram uma motivação enorme e eu me desdobrava entre trabalho e atividades políticas, num empenho feroz.
O principal objetivo do trabalho deixou de ser o ganho financeiro e passou a ser o sucesso profissional, na tentativa de demonstrar na prática que as reivindicações que fazia eram justas. Buscava o sucesso profissional na tentativa de provar a injustiça cometida contra esses profissionais.
Foram vários anos de uma luta inglória, com muito trabalho, com reconhecimento da capaCidade profissional, no entanto, sem avanços na conquista de justiça, nem no sucesso financeiro.
Desde o sonho de camioneiro, sentia uma atração pelo campo e uma contrariedade pela Cidade. Provavelmente, porque as estradas cortavam muito mais campo do que Cidades. Embora eu tivesse uma verdadeira obsessão por caminhões, acho que o que mais me atraia era a possibilidade de viajar, de conhecer lugares, de viver situações diferentes. Em algum momento na minha vida, bem lá atrás, comecei a sonhar com a vida no campo. Só sabia dela o que ouvia, as histórias contadas por pessoas origináreas dessa área. Essa atração pela vida no campo foi se acentuando no decorrer dos anos.
As frustrações causadas pela luta em busca de justiça na área profissional, me levaram a questionar a sociedade, os sistemas políticos, a concentração de renda, a exploração de muitos por poucos e coisas assim. A revolta contra o sistema, causador de tanta injustiça, promotor de tantas aberrações, foi aumentando minha revolta contra tudo isso. Foi crescendo em mim a verificação de minha impotência na luta, do quanto a racionalidade, bom senso, solidariedade e humildade; eram frágeis diante da emoção, irresponsabilidade, egoísmo e prepotência. Passei muitos anos escoiceando o criador, responsabilizando-o por tanta coisa ruim, alimentando uma revolta infinita contra ele.
As lutas travadas, mostraram a importância da hipocrisia no sucesso de uma batalha, no entanto, não consegui aprender, não aprendi a me defender e atacar com o uso de artimanhas. Sempre encarei as lutas de peito aberto, exposto, como um verdadeiro idiota. Ao mesmo tempo que eu acumulava fracassos na luta contra as injustiças, observando a impunidade a seus causadores; era castigado impiedosamente pelos erros que cometia. Cometi muitos, ms não me lembro de Ter recebido clemência por algum deles. Na área financeira, desprezei notas graúdas, enquanto me cobraram os trocados até o último centavo.
Tudo isso fazia aumentar minha atração pelo campo, atraído pela inocência das pessoas, que eu imaginava existir ali. Com a observação da natureza, o verde e o frescor das matas, o canto dos pássaros, a água límpida escorrendo por pedras. O desejo dessa fuga para o campo foi se acentuando na medida que as frustrações políticas, econômicas, sociais e, principalmente, emocionais; foram crescendo. Quando surgiu a oportunidade de morar e trabalhar no mato, não tive a menor dúvida, entrei de cabeça, assumi aquilo como uma dádiva, como certeza de um futuro feliz.
Logo descobri que a natureza, embora bela, perdia seu atrativo pela abundância, pela presença constante e, por mais que me esforçasse para impedir que a constância e a quantidade a desvalorizassem, não tive sucesso e ela deixou de ser um grande atrativo. Por mais que eu não quisesse ver, não pude deixar de constatar o quanto aquelas pessoas simples eram portadoras dos defeitos humanos, principalmente o egoísmo, a prepotência e a falsidade. Foram golpes doloridos, frustrações que se somaram às anteriores. O pior foi verificar a falta de alternativas. Ir pra onde? Fazer o que?
A morte como solução me voltou à cabeça, como já acontecera em outras vezes. No entanto, a covardia se colocou, novamente, como obstáculo para essa saída. A possibilidade da existência do mistério foi se acentuando em mim, tornando-se praticamente uma certeza. Saltou-me aos olhos a fragilidade do ser humano diante de forças independentes dele, agindo contra sua vontade, provocando coisas inesperadas. Comecei a considerar que essa influência misteriosa era significativa, talvez a principal causadora de tudo, relegando o ser humano ao papel de marionete, manejado por cordéis comandados pelo desconhecido.
Não me foi dada a graça de tornar-me um alienado, poder desfrutar o possível, desprezando as contrariedades, agindo irresponsavelmente, sem problemas de consciência, curtindo o prazer sem se deixar atingir pelo sofrimento.
Como posso criticar quem vive alienadamente, cobrando responsabilidade, consciência, bom senso e todas as outras coisas de que sou testemunha do mal que causam numa sociedade como a que vivemos? Cada vez se acentua mais a concepção que me acompanha há vários anos: Não tem sentido que eu esteja certo, enquanto a esmagadora maioria seja considerada errada. A lógica diz que o contrário mostra coerência. O errado sou eu!

22/01
Ontem à noite, fui na festa de aniversário nos Leme. Havia muita gente, música e um terreiro cimentado para dançar. A Jose chegou com a mãe, irmãos, Lúcia, e Lais. Elas ficaram num canto do terreiro, encostadas na casa. A Jose dançou várias músicas com o irmão Petro. Eu observava de longe, morrendo de vontade de dançar com ela. Pensei esperar que o baile, realmente, começasse, esperando várias músicas, para depois tirá-la para daçar. No entanto, a ansiedade não permitiu e convidei-a para dançar, antes do baile começar.
Dançamos no canto do terreiro, onde ela estava com as outras mulheres. Nossa dança chamou a atenção de várias pessoas que olhavam com certa admiração. De parte das mulheres que estavam com ela, partiu uma espécie de ovação, como quem comemora algo desejado e esperado. Houve a ovação, a intenção não estou seguro de qual foi.
Perguntei-lhe se ela não se importava em dançar comigo. Disse que não, que o problema era que não acertava os passos comigo. Alegação que sempre fez, embora me acompanhe razoavelmente. Dancei com ela mais duas ou três vezes, em momentos diferentes. A maior parte do tempo, manteve-se naquele canto, junto às mulheres que a acompanhavam, dançando com o irmão, o gaguinho e, de vez em quando, com outros homens que a tiravam pra dançar. Ela evita me olhar e dançou comigo como se estivesse fazendo algo que não podia evitar, mas que a contrariava. Notei que ela tem um carinho especial pelo Baiano e é bem provável que esteja rolando algo entre eles. Se não rolou ainda, é muito provável que role. Ele é um menino de dezesseis ou dezessete anos, o que contraria a tendência dela de evitar homens jovens. No entanto, se rolar emoção, esse detalhe é insignificante. Claro que sinto ciúmes disso, no entanto, considero que seria uma boa relação, para os dois. Não será fácil que tenham uma relação mais duradoura, pela diferença de gênio, principalmente por ele que é um menino muito bom, mas muito conservador. Não lhe será fácil conviver com uma mulher independente, que não aceita cabresto. A dificuldade financeira também é uma dificuldade. Porém, é uma relação que me parece agradável, que pode propiciar boas emoções aos dois.
Eu continuo incomodado, não conseguindo me livrar de pensar nela. Saí da festa antes da meia noite, quando ela prometia avançar madrugada a dentro. Me sentia mal vendo-a dançar com a Baiano e, principalmente, pelo que tem demonstrado em relação a mim. O incômodo que sentia me obrigou a deixar a festa e vim pra casa ler e assistir televisão. Ocorreu-me que ela pode Ter pensado: “Se eu estivesse com ele, teria que acompanhá-lo e perder o resto da festa”. Se estivéssemos juntos, com certeza, eu teria ficado até a hora que ela pretendesse, podendo fazer tudo o que estava fazendo e dançando com quem quisesse. No entanto, na sua rejeição, tudo deve ser motivo para justificar seu comportamento em relação a mim.

25/01
Ontem, no final do dia, fui no Nelson para telefonar, pois o telefone da venda não estava funcionando. Como não havia energia elétrica, esperei para ver se ela voltava. Vi a Jose pela janela da cozinha da casa da mãe. A ansiedade me levou a té a janela do lado da cozinha e perguntei-lhe se me emprestaria, na semana que vem, o cartão do banco para que tirasse o dinheiro do pagamento do mês. Ela disse que iria hoje à Cidade e, que se o dinheiro já estivesse lá, poderia trazê-lo. Disse-lhe que ele só seria depositado no final do mês. Retirei-me e voltei a esperar pela volta da luz. Pouco depois, o impulso me levou novamente à janela da cozinha e perguntei-lhe se decidira a respeito da proposta que lhe fizera para voltar a vender atilidades domésticas. Ela disse que, por enquanto não pretendia voltar a fazê-lo, que estava tentando um negócio. Falou friamente, nas duas vezes. Pareceu-me que está pálida.
Como tem acontecido invariavelmente, senti-me mal, angustiado, tremores e o peito apertado. A luz não voltou até as dez e meia da noite. À luz de velas, tentei ler, mas não consegui. Peguei um caderno e caneta e comecei a escrever. Escrevi sobre o domínio da emoção, indiferente à racionalidade, dominando tudo, impondo-se absoluta, impedindo interferências na sua ação. Sinto-me fraco, totalmente impotente diante da emoção e, embora faça grande esforço para racionalizar, o resultado do raciocínio não consegue se impor e, por mais lógico que seja, é inutilizado pela emoção, que o despreza e aprisiona, tornando-o inócuo.
Recordei que a Jose não foi a primeira a me abandonar, fugindo de mim. A outra fez a mesma coisa. As duas me deixaram como quem corre de uma peste. Ocorreu-me que elas fizeram isso para fugir de si próprias. Eu sabia muito a respeito delas, principalmente o que elas não queriam ver, procuravam esconder até de si mesmas. Passei a ser um espelho que lhes mostrava o que realmente eram. Não suportando ver-se, optaram por livrar-se do espelho e, não podendo destrui-lo, fugiram dele, evitando-o como o diabo evita a cruz.
A outra foi uma fantasia, incentivada pelo que ela interpretava ser. Portanto, nunca fôra humilde nem solidária. A Jose, ao contrário, tudo indica que, realmente, fôra detentora de todas as qualidades que lhe reconheci. Portanto, continuo acreditando que a transformação tenha sido provocada pelo mistério. No entanto, ela é a personificação do mal que me acometeu, por seu comportamento. Por isso, minha revolta tem que se dirigir a ela. Se ela é a personificação do mal, é razoável que seja o objeto destino da minha revolta, decepção, merecedora do maior desprezo. Acredito Ter mostrado com abundância de dados e análises a tentativa de compreender que ela é uma vítima. No entanto, ela o é inconscientemente e não sofre por isso. Eu, ao contrário, sou vítima e tenho sido castigado terrivelmente pela emoção. Agora abre-se uma brecha que me permite desprezá-la. Se puder substituir o sofrimento da perda pelo desprezo, o que acontece na emoção, pela simples substituição; é o que vou alimentar. Sou humano e fraco! Não tem cabimento que a tentiva de compreender os outros seja um instrumento de martírio para mim. Não sei até quando vou conseguir sustentar esse sentimento mesquinho, mas, enquanto puder, é o que vou alimentar e usá-lo como linitivo para meus males.
Elas estão fugindo de si próprias, não conseguem suportar o que são e são incapazes de tentar mudar. Ofereci-me para ajudá-las, mas não quiseram ou não puderam aceitar essa ajuda. Portanto, são fracas, covardes, egoistas e prepotentes. Gente assim não merece consideração, muito pélo contrário, devem ser descartadas, desprezadas, consideradas inúteis e fonte de mal. Que pena!

Passei a vida me desapontando, me decepcionando, percebendo que o respeito que dediquei a tantas pessoas não era devido. Que pena!
A Josi foi a última pessoa a quem dediquei o maior respeito. Dediquei a ela a minha vida, desde que começamos a nos relacionar. Ela foi a tábua da salvação para quem estava tão desiludido de tantas pessoas que conhecera. Ela merecia tudo e qualquer sacrifício era suave quando o objetivo fosse ampara-la, encoraja-la, estimula-la, perceber seu crescimento. Eu sentia tanto orgulho e prazer em verificar seu desenvolvimento, que o que fizesse por ela, na realidade, o fazia por mim. Eu recebia a grande recompensa, o prazer e o orgulho de poder desfrutar de algo tão valioso.
Ela foi cruelmente assassinada! Da maneira mais monstruosa que poderia acontecer. Não lhe deram o direito a uma morte dígna, usaram seu corpo para instalar ali uma personalidade medíocre, covarde, egoista e prepotente; exatamente o oposto do que ela fôra. Roubaram-lhe a oportunidade de ser lembrada com glória, de merecer todas as homenagens devidas a alguém que foi capaz de mostrar tanta coragem, solidariedade e humildade. Impediram-na de receber o tributo devido. Condenaram-na a arcar com com o peso da mediocridade da personalidade refletida num espelho sujo, distorcido, mostrando o avesso do que ela fôra.
Fomos condenados no mesmo tribunal. Minha pena foi Ter que verificar o que lhe fizeram, incapaz de evitar, só me restando a possibilidade de chorar sua morte e, principalmente a medonha injustiça cometida contra ela, sendo obrigado a ver o seu avesso arrastando sua memória na lama da mediocridade. Será que depois de tudo, ainda conseguirei respeitar alguém?
Ao escrever isto, chorei muito, convulsivamente, como há algum tempo não fazia. Não chorei a perda de um grande amor, chorei a impossibilidade de continuar respeitando a humanidade, incapaz de dignidade, de amar verdadeiramente, de respeitar o semelhante, ajudando a viabilizar a felicidade geral ao invés de tentar impor sua prepotência, num egoísmo exagerado, destruindo enormidades para conseguir insignificâncias. O criador deve Ter tido seus motivos para construir assim a humanidade, no entanto, como não me permitiu conhecer suas intenções, nem capaCidade para aceitar impassível o que me parece a mais absurda excrescência, me permito gritar meu protesto, o mais alto possível, contra o criador e suas criaturas, das quais me envergonho participar.

26/01
Ontem foi um dia muito importante. A emoção cedeu bastante e a razão pode influencia-la, mostrando que a Mari não existe mais e que não tem sentido buscar revivê-la na Mara.
A Mara faz parte da maioria das pessoas, encarnando a covardia, egoísmo e prepotência. Usa e abusa da hipocrisia na busca de seus interesses. Ela sabe que a conheço e isso lhe faz muito mal porque, além de saber-se conhecida por outra pessoa, na minha presença, ela é obrigada a ver-se e tem que fazer um esforço muito grande para não admitir que é medíocre.
A Mara, além do corpo, permanece com o conhecimento e alguns valores da Mari. No entanto, olhando para o computador, me ocorreu uma analogia: A Mari era um computador cuja capacidade vinha sendo aumentada no decorrer do tempo. A Mara roubou esse computador, no entanto, deixou pra traz o processador que foi substituído por um antigo e contaminado de virus.
A princípio, a emoção tendeu à revolta, ao ódio, desejando que ela fracasse em suas tentativas de sucesso, como castigo por Ter matado a Mari. No entanto, a razão mostrou que esse não é o melhor sentimento para este caso. A Mara me merece a mesma consideração que dedico a grande número de pessoas: pena e desprezo. Ela é tão perniciosa para a humanidade e para si mesma, como a enormidade de pessoas que são como ela. São verdadeiros criminosos, matadores de vida e de felicidade. São verdadeiros urubus que só se alimentam de carniça. No entanto, eles são maioria, infelizmente; e é praticamente impossível eliminá-los. O melhor que temos a fazer é desprezá-los, procurar esquecê-los, evitando ser atingidos por eles.
Só me resta torcer para não recair. Ainda sinto esperança de que a Mari possa voltar. No entanto, enquanto isso não acontecer, tenho que evitar ver na Mara o que ela destruiu. Ela não merece o mínimo de consideração, somente desprezo. Espero conseguir me manter assim, seguindo a vida e esperando que ela me reserve algum motivo de felicidade, procurando esquecer esse episódio tão negro e causador de tanta infelicidade.

01/02
Ontem fui com o Chico Bento, Silvinho, Oscar e Nelson, pescar em São Francisco. Na volta, no final da tarde, ao chegarmos no sítio do Nelson, Pedi ao Felipe que pedisse à Mara o cartão do banco para que eu pudesse retirar meu pagamento hoje. Ela me mandou o cartão e vim embora sem vê-la.
Hoje pela manhã, fui com o Chico Bento em Santana da Luz. O pagamento ainda não havia sido depositado. Na volta comentei com o Chico que estava pensando em vender a moto para, com o dinheiro, pagar a quitação da firma que está em nome da Mara, arrumar o carro e o trator. Que o que me levara a pensar nisso, era o fato de a Mara não estar usando a moto e deixando o irmão andar com ela, correndo riscos desnecessários.
Passei na casa dela para devolver o cartão do banco e comuniquei-lhe o que havia pensado em relação à moto. Ela disse que não poderia se opor a que eu a vendesse, mas que tinha feito outros planos pra ela. Que pretendia mandar arrumá-la, uma vez que estava muito ruim e que, por isso, não a estava usando. Que pretendia mandar arruma-la no próximo mês, quando acreditava que teria dinheiro para isso.
Disse-lhe que não pretendia voltar atrás na palavra que lhe dera, que lhe emprestaria a moto para seu uso. Que pensara em vendê-la para usar o dinheiro no encerramento da firma e no conserto do carro e do trator. No entanto, se ela pretendia arrumá-la e usá-la, eu não me oporia. Falei-lhe sobre o risco de o irmão usar a moto e ela disse já Ter resolvido isso, impedindo-o de continuar a fazê-lo.
Ela me pediu para levar a moto em Santana da Luz, quando fosse mandar arrumá-la, porque tinha medo que a policia a pegasse pilotando-a, uma vez que não tinha habilitação para moto. Disse que a habilitação de motorista, que demos entrada na renovação em São José, ainda não havia saído. Que procurara o despachante em Santana da Luz e que este lhe dissera que não poderia fazer nada, que deveria procurar uma auto-escola para resolver o problema. Argumentei que o processo estava em São José, que ela tinha um protocolo e que, apresentando-o na CIRETRAN, eles teriam que entregar-lhe a habilitação renovada ou identificar algum problema que pudesse estar ocorrendo. Ela disse que o protocolo estava com a Sílvia.
Ela decidiu não continuar trabalhando no Aurélio e, ao que eu soube, não o comunicou dessa decisão. Ele, quando ela não apareceu para trabalhar, teria mandado o Jacinto ir chamá-la em casa. Ela teria lhe dito que não iria mais. Ao saber disso, o Aurélio foi procurá-la e passou-lhe uma descompostura, acusando o erro que ela cometera ao abandonar o trabalho sem aviso prévio.
Infelizmente ela continua metendo os pés pelas mãos, cometendo erro em cima de erro. Este, poderá resultar na perda do processo da renovação da habilitação, obrigando-a a outras despesas para consegui-la.
Ela conversou comigo normalmente, sem demonstrar repulsa nem afeto.

02/02
O Chico esteve aqui depois do almoço. Veio a cavalo. Contou que, no Domingo, quando a Mara, Fio e sua turma, estavam na venda, beberam e fizeram bagunça e que o Malco acabou apanhando do irmão da Siriema. Que a Marta lhe contou na Segunda feira, que a Mara só chegou pela manhã e que foi trabalhar direto.
É um saco! A Mara é outra pessoa, o oposto da Mari. Tenho certeza disso e, portanto, não deveria me incomodar com o que a Mara faça. No entanto, as atitudes da Mara me incomodam, me fazem mal, me sinto mal. Talvez porque ela use o corpo que amei tanto, que me deu tanto prazer. Talvez porque tenha esperança de que a Mari volte e o que a Mara está fazendo vá pesar para a retomada do relacionamento. O problema é a maldita esperança! Ela gera todos os problemas, faz com que a Mara me incomode e me impede de desconsidera-la, despreza-la totalmente. É um saco!

05/02
Desde ontem estou me sentindo tomado de profunda melancolia. Sinto saudade de ser amado e poder amar. Sinto pena e raiva da Mara, que me ocupa o pensamento e não me deixa em paz.

06/02
Tive uma recaída forte. Sonhei com a Mara, alguém me disse que ela teria voltado para o Rodrigo.
Essa recaída deve Ter começado na Sexta-feira, quando a encontrei em Santana da Luz em companhia do Fio, Lais e Marta. Ela usava brincos de aros grandes, parecidos com os que usava quando a conheci.
A maior revolta estou sentindo em relação ao Fio. Ele está demonstrando, cada vez mais, o quanto é falso. Reafirmo que não acredito que eles estejam tendo algum tipo de relacionamento amoroso. Ele está se aproveitando de uma situação para massagear seu ego. Deve estar curtindo muito desfrutar da companhia dela. Mas o problema não é esse. Ele traiu a amizade que lhe dediquei e que afirmava ser recíproca. Ele optou pela amizade dela, com quem não tinha maior relacionamento, deixando-me de lado. Não precisaria Ter feito isso, bastava que não tivesse me excluido. No entanto, me excluiu, em favor dela e continua fingindo amizade, que está claro, é uma mentira.
É claro que o ciúmes está influindo na emoção que estou sentindo pelo Fio, mesmo considerando que não há relacionamento amoroso entre eles. No entanto, a partir dessa atitude dele, pude rever comportamentos anteriores, em relação a outras pessoas e pude verificar que ele sempre foi falso e hipócrita. Na verdade é um coitado, um ignorante e prepotente que interpreta ser humilde e inteligente.
Quanto a ela, é outra pessoa e, quanto a isso, não resta dúvida. Não consigo acreditar que haja explicação lógica para o que a levou a Ter a personalidade tão mudada. Pra mim, continua sendo um grande mistério. Para quem sabe que a vida tem tantas possibilidades, limitar-se à vida que ela vem levando, é ininteligível. Portanto, está caracterizado que houve a transformação radical, transformando-a em outra pessoa e permitindo-lhe aceitar esse tipo de vida, que para a Mari seria inadmissível por tanto tempo.
Me ocorreu que eu teria amado a Nair e, ao ser abandonado por ela, passei a sentir ciúmes da Nélia, outra mulher, a quem nunca amara. Claro que o problema é que a Mara está no mesmo corpo da Mari e é difícil admitir que seja outra pessoa. No entanto, é isso que acontece. Ela é, realmente, outra pessoa, o oposto da Mari. Se amei a Mari, o lógico é que sinta aversão pela Mara, afinal, o que era admirável naquela é detestável nesta.
Tive um ataque de choro ontem, que se repetiu hoje cedo. Continuo sem ânimo para trabalhar. Tenho muita coisa para fazer, mecher no trator, no carro, na fazenda; no entanto, falta-me ânimo. Até quando esse martírio deve continuar?

O Chico veio aqui depois do almoço. Contou que na Sexta-feira, enquanto a Lais e a Marta vieram no carro do Fio, a Mara e o Baiano subiram na camionete da compra. Que o Baiano ficou na casa da Marta e que, logo depois o Fio foi até lá, fez a volta com o carro no gramado e fui embora, demonstrando muita raiva. Disse ainda que o Baiano dormira lá, com a Mara.
Ao que tudo indica, o Fio ficou com ciúmes. A Mara confirmou a atração que demonstrara estar tendo pelo Baiano. Pode ser que o clima na casa do Fio fique muito ruim. De qualquer maneira ele deverá sofrer bastante. Terá recebido o castigo por sua deslealdade e por sua esperteza idiota.
A Marta teria dito que os dois terão que arrumar um lugar para morar, pois na casa dela não será possível, que a Marina não concordará. Depois, ela teria dito que ao dizer isso pra Mara, que ela dissera que não pretendia ir morar com ele, que só estava namorando e que dormir juntos não queria dizer nada.
Acho que esse relacionamento teria grande dificuldade de dar certo, principalmente porque o Baiano é muito correto, honesto e trabalhador, porém, mantém conceitos tradicionais e duvido que permitirá a liberdade que a Mara precisa para viver. Além disso, há a dificuldade financeira. A solução para eles, seria arrumar um emprego de caseiros, onde poderiam morar e sustentar-se. Será que o Baiano conseguirá propiciar a liberdade a ela? Será que ela conseguirá viver sem essa liberdade? Só o tempo dirá.

Como escrevi pela manhã, estou angustiado. Não é melancolia é angústia, causa sofrimento e o pensamento involuntário me domina. A informação a respeito da Mara Ter dormido com o Baiano piorou um pouco meu estado.
Eu já esperava por esse relacionamento, afinal de contas, tudo indicava que aconteceria. A admiração dela pelo jeito diferente dele, a carência afetiva, a necessidade de Ter alguém ao lado; tudo isso a levaria a aceitar esse relacionamento.
Ele, há tempo, já demonstrava forte atração por ela, talvez esteja realmente apaixonado, o que não é nada estranho. Eu não deveria me importar com isso. Meu problema é não tê-la e não o que faça com a liberdade a que tem direito. A única coisa a recriminar é o fato de ele dormir com ela, desobedecendo uma determinação tácita da Marina proibindo que isso acontecesse. Eles poderiam praticar sexo em qualquer lugar, evitando de correr o risco de criar problemas. Ele não precisaria dormir ali, depois de se amarem, ele poderia ir embora e evitariam problemas. Más, que diferença faz isso para mim? Estou me agarrando em algo reprovável por não poder criticá-los por qualquer outro motivo. Não importa se ela está certa ou errada, está fazendo o que tem vontade e assumindo a responsabilidade. Teve o cuidado de livrar-se do compromisso que tinha comigo, para poder agir livremente. O problema está em mim, em não conseguir viver sem ela e, isso, me lava a analisar seu comportamento, acusando desvios, tentando acreditar que está agindo errado. A lógica mostra que devo Ter razão, que ela está desperdiçando uma coisa preciosa, que sem falsa modéstia, sou eu. Eu poderia continuar ajudando-a a ser uma pessoa diferente, sem precisar abrir mão de coisas que quisesse fazer. Claro que eu não poderia suportar que vivesse maritalmente comigo e mantivesse um outro relacionamento. No entanto, desligada de mim, como mulher, poderíamos se amigos e eu poderia continuar sendo o amigo que sempre fui. Acho que isso me seria menos ruim do que está sendo agora.
No entanto, a verdade é que ela está sentindo que eu sou um estorvo, que ela precisa de outra coisa e que eu poderia ser um estorvo. Ela está fazendo o que pode dentro do que pretende. Ninguém a está obrigando a qualquer relacionamento, seja amoroso ou de amizade. É isso que ela quer, os motivos que a teriam levado a isso, não são importantes. O que importa é a constatação e ela mostra que ela não me quer. Os motivos ficam em segundo plano. Ela não me quer e acabou. Eu deveria me conformar com isso, no entanto, não consigo, fico remoendo os acontecimentos e sendo perturbado pela esperança de que ela possa voltar pra mim. É um verdadeiro inferno, mas é verdade.


07/02
A angústia foi diminuindo durante o dia e se transformou em melancolia.
Durante a noite fui atormentado por sonhos com ela, despertando várias vezes.
Estou tentando redigir com fidelidade os pensamentos involuntários e percebi que é muito difícil. Quando tento fixá-los eles desaparecem. Parece que eles provocam um vazio na mente para que a emoção promova os pensamentos.

08/02/06
Estou me sentindo bem melhor. A causa é que consegui considerá-la uma coitada. Está perdida e buscando satisfação onde seja possível. Desfrutar da emoção, do contato físico com um rapaz agradável, não é algo para se desprezar. Continua prepotente, desconsiderando o que suas atitudes possam gerar de mal aos outros. Continua não se importando com o sofrimento que possa causar, ostentando o que quer sem qualquer outra preocupação. Está sendo totalmente egoísta, prepotente e covarde, só pensando em si, sem coragem para enfrentar a realidade. É lamentável. No entanto isso me livra, de certa maneira, de buscar compreendê-la, aceitando que é uma pessoa medíocre e digna de desprezo. Não vou questionar isso, vou aceitar pura e simplesmente, aproveitando a pouca paz que me propicia.

16/02
A melancolia continua me atormentando. Não consigo deixar de pensar nela. Do que fez e, principalmente, por que teria feito (a separação).
Voltei a considerar que ela tenha interpretado todo o tempo que esteve comigo, ajudada pela minha adoração que poderia Ter me impedido de perceber sua hipocrisia. É uma possibilidade, no entanto, é difícil acreditar que tenha sido assim. A maior probabilidade continua sendo a mudança de personalidade, realçando defeitos que ela tinha mas controlava e anulando qualidades que evidentemente tinha e que a faziam diferente da maioria.
O motivo dessa transformação fui eu. Alguma coisa a fez agir como agiu e, continua agindo, para me prejudicar, considerando-me uma coisa ruim, de quem deve fugir, evitar. Por mais que reconsidere os dados e análises, não consigo encontrar um motivo que a tenha levado a me considerar tão prejudicial.
Lembrei-me da última vez que fomos a São José. Estava tudo bem até o meio da tarde, quando passamos em um supermercado. Dalí em diante, me lembro de Ter comentado com ela que não estava sendo carinhosa, não pegava em mim ou qualquer outra demonstração de carinho. Mesmo depois desse comentário, ela não foi capaz de me pegar na mão, pelo menos. Aconteceu alguma coisa, que não atino o quê.
Pra mim, continua tudo sendo um verdadeiro mistério.
17/02
Encontrei o Chico na venda e ele me disse que a Mara mandara me avisar que tinha dado um cheque de trezentos e cinqüenta reais para o Tiãozinho, para dia dez de março. Que como meu pagamento seria depositado em sua conta e que eu deveria deixar oitenta reais para pagar a parcela do ourocard, que bastava que eu não retirasse nada e ficaria tudo certo.
Que ela não queira ser minha amiga e evite conversar comigo, é um direito dela. No entanto, tomar decisões e assumir compromissos por mim, sem me consultar, é abuso. Devo procura-la e dizer-lhe isso. Afinal, eu havia pensado em conversar com o Tiãozinho e combinar o fechamento da firma para maio quando vence a carência do ourocard.

Escreverei abaixo o texto da conversa que pretendo Ter com a Mara:

Mara, é uma pena que você tenha desconsiderado o que foi nosso relacionamento. Ele foi uma coisa excepcional, verdadeiro modelo demonstrando que seria possível a convivência harmônica da sociedade, desde que as pessoas fizessem o que nós fizemos.
Infelizmente, alguma coisa muito forte te fez mudar, tornando-te igual a maioria. Isso fez com que o grande valor que você via em mim, se transformasse em motivo para me repudiar, vendo-me como um grande mal a ser evitado.
Procurei fazer tudo que esteve a meu alcance para te mostrar a irracionalidade do que estava acontecendo, oferecendo toda a ajuda que me fosse possível. Não te exigi nada além de sinceridade, Te ofereci minha amizade e a possibilidade de voltar para mim, se esse fosse seu desejo. Em fim, me coloquei como um verdadeiro amigo, solidário e disposto a enfrentar o que fosse necessário para te ajudar.
Você fez todo o possível para me prejudicar, abandonando-me sem maior explicação, evitando conversar comigo. Mandou encerrar a firma, sabendo o quanto eu dependia dela. Me impediu de usar a conta do banco e mandou cancelar a conta no posto de gasolina. Mesmo estando morando com um cara que te oferecia todo o conforto, tentou se apropriar dos bens a que achou que tinha direito. Fez tratativas com o Fio sem me consultar ou me dizer o que pretendia. Mandou buscar em casa o que considerou ser seu, esquecendo-se que, se deveria haver partilha, tudo aquilo deveria entrar na conta.
Não teve coragem de dizer que não queria minha amizade, fingindo aceitá-la. No entanto, seu comportamento em relação a mim, demonstra com extrema clareza que não me suporta, deixando claro que me despreza, considerando-me algo pernicioso.
Quando, percebendo que você não estava usando a moto, que estava deixando o Reginaldo andar com ela, correndo o risco de algum acidente; te consultei sobre a possibilidade de vendê-la, usando parte do dinheiro para pagar o encerramento da firma. Você alegou que pretendia reformá-la e que já proibira o Reginaldo de usá-la. Concordei, para não faltar com a palavra que te dera de deixá-la a tua disposição.
Pensei em conversar com o Tiãozinho e combinar com ele para deixar o encerramento da firma para maio, quando vence o ourocard e poderá ser feita a retirada. Você, sem me consultar, foi lá, deu um cheque no valor de trezentos e cinqüenta reais, mandando-me recado para providenciar sua cobertura.
Que você não aceite minha amizade e evite conversar comigo, é um direito seu. No entanto, assumir compromissos em meu nome, sem me consultar, é um abuso. Você tem todo o direito de fazer o que quiser com sua vida, entretanto, não tem direito de invadir meus direitos, assumindo compromissos por mim, sem me consultar.
Estou seriamente desconfiado de que você está acreditando e, talvez, até divulgando, que eu tenha te prejudicado na partilha. Isso seria uma tremenda covardia, pois te mostrei a planilha e me dispus a esclarecer qualquer dúvida, com quem você indicasse, uma vez que sei da sua dificuldade com contabilidade.
Acho que você extrapolou todos os limites da coerência nesses meses em que estamos separados. Gostaria que você pudesse reagir, voltando a ser o que já foi. No entanto compreendo que isso não depende de você e lamento que esse mistério tenha causado tamanha catástrofe.
Estou te apresentando novamente a planilha da partilha e, novamente me colocando a disposição para qualquer esclarecimento. No entanto, se for confirmado que você tenta me difamar, alegando que foi ludibriada na partilha, me darei o direito de divulgar a planilha, procurando reabilitar-me perante as pessoas.

19/02
Ontem fui no Chico Bento, no meio da tarde, e não havia ninguém. Passei na Marta para conversar com a Mara e, também não havia ninguém.
Encontrei as filhas do Fio na estrada, que me disseram que ele estava na casa do Valdeci. Passei lá e falei com ele. Ele disse que estavam cortando a madeira, que era fina, por isso estavam rolando-a, sem necessidade do trator. Perguntei-lhe se a Mara estava lá e ele disse que não. Que achava que tinham ido a um casamento no Junco, que o Luizinho, também teria ido.
Desde Sexta-feira estou revoltado e me sentindo muito mal, com o fato da Mara Ter decidido pagar o Tiãozinho sem me consultar. Fui procurá-la ontem para dizer-lhe o que escrevi acima. Não a encontrando, a revolta e a angústia diminuíram.
Considerei que dizer-lhe aquilo não teria maior efeito, ela ouviria e desprezaria, alegando que tinha direito de tomar providências, uma vez que era seu nome que estava envolvido. Claro que, como eu é que teria que pagar, não tinha o direito de agir sem me consultar.
Ela está se achando a fudidona, totalmente prepotente, considerando que pode resolver tudo, desconsiderando o bom senso e a justiça. Considerei que talvez seja melhor agir de maneira mais sintética: dizer-lhe que só pagarei quando puder retirar o ourocard e que ela deve procurar o Tiãozinho e refazer o trato feito. Dessa maneira ela terá que se humilhar a renegociar ou arcar com o ônus até que o investimento possa ser resgatado.
Continuo sendo assediado pelo pensamento involuntário. Ontem à noite ele me atormentou, repetindo o que eu deveria dizer a ela: que desprezara o que desfrutamos de bom durante o relacionamento, desprezou meu amor e minha amizade. Que tinha direito de fazer isso. No entanto, não tinha direito de Ter assumido compromisso em meu nome sem me consultar. Vem me repetindo isso desde Sexta-fera, incessantemente, insistentemente. Por mais que me esforce, não consigo me livrar disso.
Acordei hoje com a visão dela nua, em pé, de meio perfil com destaque para seus pêlos pubianos. É um saco! Tenho plena consciência da imbecilidade disso, de que devo me livrar desses pensamentos, no entanto, todo o esforço até aqui tem sido inútil. Só consigo me livrar disso quando escrevo e leio, mas, mesmo assim, ele acaba interferindo, me desviando do que estou fazendo.
É uma mistura de amor, amor próprio ferido, sentido de injustiça, revolta contra o mistério; resultando num mal estar terrível.
Por volta das nove e meia da manhã, já me sentia bem melhor. Pensei no bem e no mal e no como podem aparecer numa mesma pessoa. A Mari representou o bem, o melhor dele. A Mara representa, para mim, um grande mal. Tanto uma como a outra ocuparam o mesmo corpo. Todos nós somos assim, bons e maus, dependendo da situação e dos interesses, das influências que sofremos.
O tempo, o aprendizado e a experiência, vão nos modificando durante a vida. No entanto, também são possíveis modificações instantâneas e muito grandes, como aconteceu com a Mara. Sinto arrepios só de pensar que a prudência recomenda que tomemos cuidado, mesmo com as melhores pessoas que conhecemos, pois o tempo poderá modificá-las e poderão usar nossas confidências para prejudicar-nos.

20/02
No final da tarde fui no Chico Bento e, na volta, passei na casa da Mara e disse-lhe que só poderia pagar o cheque que ela dera ao Tiãozinho para dia dez de março, quando resgatasse a aplicação no ourocap, em maio. Disse-lhe que como ela decidira sem me consultar, que procurasse o Tiãozinho e refizesse o acerto. Ela saiu sem se despedir.
Sinto que ela não me afetou. Acho que estou sentindo o que a razão já me expôs há muito tempo: que é outra pessoa, que não tem nada a ver com a Mari. Essa é desprezível.
Ela tem o direito de fazer o que está fazendo, mesmo porque suas ações não tem porque ser condenadas. Não está prejudicando ninguém e parece estar feliz. O meu prejuízo se deve a sua excepcionalidade, uma coisa que acabou e de que ela não pode ser responsabilizada. Ela foi afetada de alguma maneira e teve os valores, em relação a mim, totalmente alterados. Está obedecendo a seus sentimentos, deixando a emoção comandar sua racionalidade para justificar suas atitudes.
Além do meu prejuízo emocional, a grande prejudicada poderá ser ela mesma e como está assumindo a responsabilidade pelo que está fazendo, não há como condená-la.
A única coisa de que ela pode ser acusada, é de Ter desprezado minha amizade, sem Ter motivos que justificassem isso. Do resto, ela não fez nada, até aqui, que eu saiba, que dê motivos para condená-la.
O que me incomoda e não consigo compreender, é o fato de Ter passado de ídolo a anti-herói. Isso é incompreensível!

21/02
Continuo com a sensação de ontem: parece que a Mara não me afeta mais. É como se a Mari tivesse morrido e eu começasse a me conformar com isso.
A intensidade da relação que vivi com a Mari, me deixou mal acostumado. Agora sinto uma tremenda falta de amor, amizade, companheirismo e cumplicidade.
Estou considerando que não poderei continuar aqui por muito tempo. Sinto necessidade de me deslocar, de mudar. Não nasci para ficar parado. Nas condições em que estou vivendo aqui, estou condenado a desfrutar de sossego exagerado e isso não é bom. Preciso de motivação, de conversar com gente inteligente, de expor o que penso, ser contrariado e poder questionar e reexaminar minhas teses.
Este tipo de vida e ambiente foram bons nestes últimos meses, porque me propiciaram escrever, registrando emoções, análises e visão poética da situação vivida. No entanto, a emoção está se estabilizando e o escrever já não atende minhas necessidades.
Não sinto disposição para trabalhar. Não tenho coragem de pegar a égua para correr os pastos e verificar o gado. Não me atrevo a pegar o gancho e roçar, nem de capinar a horta e plantar. Só tenho conseguido tratar os porcos e galinhas. Tiro leite para consumo e para alimentar o cachorro. Com um pouco mais de coragem, poderia tirar o suficiente para, pelo menos, fazer um queijo por dia. No entanto, não sinto disposição para isso e não estou afim de me pressionar para fazê-lo.
O ideal continua sendo o que venho sentindo há alguns anos: fazer palestras e participar de seminários e discussões, sendo provocado a pensamentos objetivos, livrando-me dos pensamentos involuntários. Isso me permitiria continuar escrevendo com mais facilidade e com maior motivação. Sei que isso é difícil, que dependo de ajuda mas, principalmente do mistério possibilitando que a sorte me favoreça.
Só sei que tenho que sair. Me deslocar em busca de algo diferente, de motivação. Estou me sentindo atrofiado e o pior; velho, o que nunca tinha acontecido até aqui.
Vou esperar uma resposta do Nakano a respeito da publicação dos livros. Preciso vender o trator, para pagar algumas dívidas. Ele é o maior impecilho no momento. Espero que até o meio do ano possa ir embora, para algum lugar, em busca de alguma coisa.

22/02
A quase eliminação da possibilidade de que a Mari volte, está me fazendo bem. Além de saber, racionalmente, que a Mara é outra pessoa, passei a sentir isso também. Portanto, o que a Mara faça não está me incomodando mais (espero que continue assim).
Desde ontem vem me batendo a idéia de que a Mara agiu como quem muda de religião, de uma hora para outra. É como se um católico praticante, convencido de que aquela era a doutrina certa, dedicando-lhe a maior fé; se atirasse de cabeça na doutrina evangélica, renegando a anterior e assumindo a outra como a mais absoluta verdade. É como sentisse repulsa pelo padre com quem se confessara e partilhara seus problemas, pedindo-lhe conselhos e sentindo-se confortada por ele, por tanto tempo; desprezando-o e passando a idolatrar o pastor da nova religião, a quem mal conhece ainda.
A diferença, é que a Mara não passou de uma crença a outra. Ela passou da racionalidade, do esforço para controlar a emoção; para o fanatismo emocional, deixando-se dominar como qualquer fanático religioso, acreditando que o mistério lhe propiciará tudo o que quer, desprezando toda e qualquer racionalidade.
Me parece que a Mara, considerando o mito da caverna, Tendo a oportunidade de sair dela e conhecer a realidade, desfrutando-a; optasse por voltar ao mundo das sombras.

Estou me questionando sobre meu futuro. Vejo que será difícil continuar aqui, da maneira como estou. Acho que estou vivendo a maior liberdade que um indivíduo pode Ter, no que diz respeito a falta de maiores obrigações, de compromissos com o trabalho, ganhando o suficiente para sobreviver, podendo ler e escrever a vontade. No entanto, falta-me o contato com pessoas inteligentes, ver coisas diferentes, poder discutir, conversar, movimentar-me por ambientes diferentes.
Será que conseguirei algo melhor que isto?
Poderia voltar a trabalhar com socorro mecânico para seguradoras, mas não sinto a menor vontade disso. Voltar a trabalhar com engenharia será muito difícil. Até aceitaria para trabalhar fora de São Paulo, de preferência em algum lugar distante. Outra opção seria vender alguma coisa, salgados ou doces em comércios, oficinas e coisas assim. Também não sinto maior atração por isso.
Como primeira opção, devo tentar editar os livros e conseguir palestras. Sei que é difícil, mas tudo é. Se vou tentar algo, que seja o que me atrai. Estou pensando na possibilidade de fazer mestrado em filosofia, por exemplo, o que me introduziria no meio acadêmico. Se não conseguir nada, farei o que aparecer, trombarei no mistério.
O que está cada vez mais forte é o sentimento de que não devo continuar aqui, inerte.
Tenho liberdade em relação a compromissos familiares, só preciso cuidar de mim, de sobreviver. Um dia cheguei a pensar que isto seria o ideal, mas não é! Uma coisa é Ter liberdade e falta de compromissos; outra é sentir-se só, sem objetivos, sem motivação. É preciso analisar tudo isso e tentar compreender o sentido da vida.

Me peguei pensando no bem e no mal. Enquanto alguns se empenham em fazer o bem, ser solidários, estar sempre dispostos a ajudar, outros vivem armando e tramando maneiras de prejudicar a quem estiver em seu caminho. Enquanto os primeiros são cheios de solidariedade, os segundos transbordam de egoísmo.
Como regra geral, os solidários são pobres. Quanto aos egoístas, os mais competentes costumam acumular capital, no entanto, grande parte deles, continuam tão pobres quanto os solidários, não conseguindo se beneficiar das maldades que cometem. Muitos deles, passam a vida toda prejudicando os outros, sem conseguir maiores vantagens.
Ninguém é absolutamente bom ou mal. Até os mais maldosos cometem bondades; enquanto, até os mais solidários, praticam algum mal e são vítimas do egoísmo. A diferença é que os maus cometem muito mal e raramente o bem; enquanto os bons fazem muito bem e pouco mal.
O mal não é resultado da ação só de indivíduos. Muitos indivíduos que geram males, não podem ser responsabilizados por eles. É o caso de uma mulher casada que se apaixona por outro homem. A paixão e o amor não são escolha do indivíduo. Ele acontece, independente da vontade o indivíduo. O empresário que demite funcionários por falta de mercado para seus produtos ou por falta de matéria prima, também não pode ser responsabilizado pelo mal causado aos demitidos, é uma condição de mercado a que a empresa está sujeito. Muitos males são causados por motivos misteriosos e dificilmente se poderá responsabilizar alguém por eles, inclusive indivíduos que participaram das causas.
Os indivíduos, por si só, não poderão por fim aos males porque muitos independem deles. Mas, poderiam contribuir para que os males fossem bastante reduzidos se deixassem de provocá-los.

24/02
Tenho dormido bem. Não tenho mais sido atormentado por pensamentos involuntários a respeito da Mara.
Claro que continuo pensando nela, involuntariamente, só que agora com mais aceitação, sem maior sofrimento, compreendendo que o ser humano é suscetível de ações misteriosas, além de ser dominado por suas emoções. É preciso ser forte e Ter muita coragem para tentar enfrentar as dificuldades que se nos apresentam.
É comum que busquemos culpados por tudo que nos causa prejuízos e, principalmente sofrimento. Acredito que é a emoção quem provoca isso, através do amor próprio ferido, do medo de ser acusado de erro, do desejo de vingança, etc..
Quando uma criança brincando, por exemplo, cai ou se machuca de alguma maneira, é comum que avance sobre outra criança ou adulto que esteja brincando com ela ou, simplesmente esteja próximo, culpando-o e mostrando desejo de vingança.
É muito comum, também, que supervalorizemos o que ou de quem gostamos e exageremos na desvalorização do ou de quem não gostamos. Muitas vezes, passamos de um extremo a outro, odiando o que um dia adoramos. Deixar de gostar já é um prejuízo razoável, passar a não gostar causa um prejuízo maior; a supervalorização, tanto no gostar, como no deixar de gostar, eleva o prejuízo ao extremo.
O amor entre duas pessoas é um bom exemplo disso. Quando se está amando uma pessoa e se é correspondido, é natural que a supervalorizemos, destacando-lhe as qualidades e, não raro, até criando algumas que não tem. Isso acontece, principalmente, na fase da paixão. Com o passar do tempo, a rotina se encarrega de ir diminuindo essa supervalorização, considerando os valores mais próximos da realidade, percebendo os defeitos na sua verdadeira grandeza.
O poder desfrutar a pessoa amada, sentindo-se amado, sem maiores problemas, tende a gerar uma segurança que vai provocando a desvalorização daquilo que é fonte de felicidade e prazer. É um fenômeno natural no ser humano.
Se não houver a percepção dessa possibilidade, as pessoas tendem a ser envolvidas por essa desvalorização, deixando de aproveitar tudo de bom que a relação pode oferecer, começando a supervalorizar os defeitos, ao mesmo tempo que desvaloriza as qualidades.
Chega o momento em que o céu se transforma em verdadeiro inferno, virando tudo de cabeça para baixo, transformando amizade em inimizade, fidelidade em traição, solidariedade em egoísmo, humildade em prepotência, companheirismo em abandono e amor em ódio. Se for feita uma análise imparcial, se verificará que não houve mudanças significativas nem em um nem no outro. Continuam sendo as mesmas pessoas. O que mudou significativamente, foi a maneira com que um via o outro, mudou a interpretação, a emoção.
Esse tipo de comportamento justificaria que ele pode pôr fim ao amor, que é uma emoção. Será que o comportamento é que provoca o fim de um amor ou é o contrário: o término do amor é que gera o comportamento que tende a inverter os valores?
Se considerarmos que o comportamento pode provocar o término do amor; estaremos admitindo que ele poderia criá-lo também. Será que isso é verdade?
Quando considerarmos a grande quantidade de exemplos que podem servir de exemplo; verificaremos que muitos amores foram conseqüência de insistência, de empenho para consegui-lo. Da mesma maneira, muitos amores acabaram por causa do número e gravidade dos problemas surgidos. No entanto, uma análise mais imparcial, nos mostrará que amores acontecem sem que nenhum dos dois tenha se empenhado para isso e que amores deixaram de existir porque um novo amor aconteceu. Tanto em um caso, como no outro; não houve influência dos indivíduos, de suas vontades.
É muito difícil estabelecer o que depende dos indivíduos e o que acontece independente de suas vontades. Muita coisa, talvez a maioria, se encaixa em modelos justificáveis, fazendo crer que tudo depende dos indivíduos. No entanto, sempre aparecem pontos obscuros, inexplicáveis que, aparentemente, não teriam grande importância mas que, no entanto, podem invalidar toda a racionalidade que justifica a análise.
Ações, comportamentos, pensamentos, em fim, a própria vida do ser humano depende dos valores em questão. Um único valor invertido, pode gerar mudanças bruscas na personalidade de um indivíduo. É o caso de alguém solidário que, diante de uma catástrofe, se empenha em procurar ajudar sem medir sacrifícios. Ajuda a resgatar feridos, a cuidar deles, a angariar ajuda material, em fim, dedica-se aos sofredores de corpo e alma. De repente, é tentado a apropriar-se da ajuda destinada aos flagelados e passa a desviar produtos em benefício próprio, desconsiderando totalmente o prejuízo que estará causando aos necessitados. Onde se tem verificado esse tipo de comportamento é na política. Muitos políticos foram líderes comunitários de destaque, têm uma vasta folha de serviços prestados, aos quais se dedicaram sem poupar esforços e sacrifícios. Ao chegar a uma posição que lhes permitiria influenciar significativamente em favor dos objetivos tão perseguidos, passam a usufruir da posição conquistada em benefício próprio, esquecendo os ideais que o conduziram até ali e. não raro, desprezando-os totalmente, passando a defender o seu oposto. É o típico exemplo do egoísmo substituindo a solidariedade.
Os valores do indivíduo são o parâmetro para o julgamento do que seja certo e errado.
Eu, quando saindo da infância e entrando na adolescência, decidi abandonar os estudos, contrariando o desejo de meus pais. Eles insistiram e forçaram o quanto puderam, mas acabou prevalecendo a minha vontade de não estudar. Não havia justificativas para que fizesse isso, simplesmente a minha vontade de não estudar. A justificativa que eu usava, era de que para ser motorista de caminhão, como eu pretendia, não era necessário estudar. Que a maioria das pessoas viviam sem estudar e não morriam por causa disso. O bom senso indicava que o certo era continuar estudando.
Fiquei sem estudar por dez anos. Durante esse tempo, fiz curso de datilografia e de motores diesel, por correspondência, que de alguma forma contribuiram para minha formação.
Durante esses dez anos, trabalhei com mecânica automotiva, fui motorista de caminhão e vendedor ambulante. Vivi e aprendi coisas que, se continuasse a freqüentar a escola, dificilmente poderia Ter experimentado e não há como negar que foram aprendizado.
Não deixei de estudar pura e simplesmente, mudei de atividade e me dediquei ao trabalho.
Depois de verificar que a falta de estudo estava me restringindo as possibilidades de trabalho, impedindo-me de trabalhos menos cansativos e mais rendosos; decidi voltar a estudar. Quando retomei os estudos por acreditar que aquilo era importante e necessário; me dediquei ao máximo, sem medir esforços, me dedicando com fervor ao objetivo. Tinha que trabalhar para sustentar a família e estudar concomitantemente. No entanto, foi menos sacrificado do que na época que decidi parar de estudar. Naquele tempo, me foi muito mais sacrificante ir à escola e estudar, sem Ter outros compromissos, do que agora, que tinha que somar estudo e trabalho, além da preocupação com a família, inclusive com filhas pequenas para cuidar.
Quando abandonei os estudos, comecei a trabalhar em escritório, um trabalho bastante leve. Preferi a mecânica, trabalho mais pesado e sujo, contrariando grande parte das pessoas que achavam que o trabalho em escritório oferecia melhor futuro.
Quando seguindo o bom senso, atendi ao conselho de um amigo para seguir seu exemplo, trabalhando por conta própria, num negócio em que ele estava se saindo bem, embora trabalhasse tanto ou mais que ele, me dedicasse com fervor e não medisse esforços para alcançar o sucesso; fracassei, simplesmente por falta de talento para os negócios. Não faltou vontade de trabalhar, nem inteligência. Faltou talento e, isso, não se adquire, é inato ou não existe.
A análise racional me levou a voltar a estudar, por decisão minha, sem interferências de outras pessoas. Embora a maioria considerasse que aquele era um ótimo caminho; muito poucos acreditaram que eu conseguiria vencer os obstáculos, acreditando que seria mais um entre os que tentaram e desistiram. No entanto, fui até o final e continuei lutando por conhecimento por mais vários anos.
Quando me dediquei à luta social, buscando justiça, me criticaram, alegando que estava perdendo oportunidades de crescer individualmente. Quando dei mais valor a aprender do que a ganhar dinheiro, também fui duramente criticado. Pelo mesmo motivo: deixar de ganhar dinheiro. Todos pretendem justiça social e enaltecem o conhecimento; no entanto, poucos são os que estão dispostos a lutar por isso, abrindo mão de ganhar dinheiro.
Optei pela lealdade aos patrôes ao invés de aproveitar as oportunidades de ganhar dinheiro. Mais uma vez mereci críticas, principalmente de familiares e amigos.
Quando fui envolvido por outro amor, não tive capacidade para resistir a ele; voltei a ser criticado duramente. Aventuras sexuais, que são escolha dos indivíduos, são aceitas; enquanto o amor, que independe de quem se apaixona, é repudiado. Claro que é possível evitar se apaixonar mas, para isso, é necessário conhecer os riscos de se expor, principalmente, provocado pela vaidade. Eu tentei resistir mas não tive capacidade para conseguir. Ninguém quis saber disso, esbanjaram críticas e pronto.
A mulher traida não soube valorizar o amor que continuei lhe dedicando, que declarei à rival dela, alegando que não deixaria a primeira. Que amava as duas, mas que tinha, além do amor, um compromisso com a primeira. Prometi deixar a outra e cumpri. No entanto, ela não conseguiu compreender o que eu passara, nem o que estava disposto a continuar lhe oferecendo. Preferiu ser vingativa, atendendo a sua emoção e ao incentivo de outras pessoas, que não se dignam a tentar compreender, preferindo julgar através de preconceitos. Novamente fui alvo das mais duras críticas.
Quando decidi viajar para outros países, a passeio; novamente contrariei o bom senso comum, que defendia que deveria empregar aquele dinheiro em melhorias para a família. Ninguém deu muito valor ao fato de que a família estava bem assistida. Os críticos se basearam no princípio de que o chefe da família deve se anular em função dela, esforçar-se para oferecer-lhe o máximo possível, interpretando como grande erro que ele aproveite isoladamente alguma vantagem. Poucos consideraram que essas viagens propiciaram conhecimento e crescimento.
Quando, novamente, fui surpreendido pelo amor; ao invés de receber ajuda, fui alvo de mais críticas. Não foram considerados os esforços que fiz para minimizar o problema. As duas mulheres envolvidas desvalorizaram o que poderiam Ter desfrutado, negando-se a compreender, esforçando-se na direção de pretender castigar, vingar-se. Mais uma vez as críticas irracionais abundaram, desconsiderando os dados importantes que poderiam justificar e amenizar a dimensão do erro. Mas, quem é que está interessado nisso?
Paraquedismo e depois, vôo livre, foram consideradas verdadeiras loucuras. Era considerado, além do risco de acidentes, até de morte; as pessoas consideravam que era, mais uma vez, jogar dinheiro fora; dar menos atenção ao trabalho e à família. Dificilmente alguém considerava que, estando melhor comigo mesmo, seria melhor no trabalho e para a família. Criticar, pura e simplesmente, era mais fácil.
Quando decidi deixar a engenharia por não agüentar mais as sacanagens que aconteciam ali; novamente as críticas se apresentaram. Nessa época eu estava de saco cheio com a engenharia, vivia grandes problemas em casa e no relacionamento extraconjugal. O que eu sofria não chamava a atenção. O que eu fazia, sim, eram motivos para muitas críticas. Deixar a engenharia e tudo o que ela poderia me oferecer, em termos financeiros, foi considerada uma verdadeira loucura. No entanto, a promessa dos novos empreendimentos, minimizaram as críticas.
Desisti da firma de manutenção de luminosos, para me dedicar à montagem da clínica para tratamento de drogados. Estava realizando um sonho há muito acalentado: abandonar a cidade grande, vivendo na roça com um trabalho que além de poder ser rentável, prestava um serviço meritório e necessário socialmente. A prática mostrou que os problemas fermentavam enquanto as vantagens se esvaiam. Ninguém se interessava pelos problemas, enquanto não faltavam cobranças de resultados.
Quando decidi assumir o amor apaixonado em que me vira envolvido, o mundo caiu sobre mim. Foi considerada a maior loucura, ato de total insanidade! Novamente ninguém se interessou pelos dados, pela verdade, em analisar minimamente o que estava acontecendo. Se contentaram em criticar, em soma-la as outras loucuras de que me acusaram anteriormente. Muito poucos fizeram algo para ajudar, no entanto, não faltaram ações tentando destruir o maior valor que eu conseguira na vida, até ali. Quem não agia contra, torcia para que o resultado fosse desastroso.
Meu grande crime foi Ter desafiado o senso comum, os preconceitos e Ter tentado ser autêntico, mostrando a possibilidade de mudanças que poderiam ser benéficas para o convívio. Não tive ajuda, muito pelo contrário, enfrentei todo tipo de adversidade, de reações e de tentativas de me derrubar.
Confesso que eu, no lugar das pessoas que me criticaram, observando ações como as que pratiquei, provavelmente as teria criticado da mesma maneira. Por isso, sempre me dispus a tentar explicar tudo o que pensava e fazia, possibilitando que as pessoas pudessem analisar e julgar com racionalidade. No entanto, ninguém quis saber, preferiram a crítica pura e simples.
As únicas pessoas que poderiam se julgar prejudicadas por minhas atitudes, foram minha ex-mulher e minhas filhas. Quanto a ex-mulher, fiz o possível para minimizar os efeitos de meus erros, ela, no entanto, fez o possível para me prejudicar, na tentativa de vingar-se de me fazer pagar pelo que considerou que a prejudicara. Se lhe causei mal, não foi intencional, muito pelo contrário, sempre fiz de tudo para poupá-la. Ela, no entanto, foi vingativa e fez o possível para me prejudicar, usando todas suas forças para isso.
Quanto a minhas filhas, procurei preservá-las o másimo possível. Amparei-as até a idade em que poderiam assumir suas próprias vidas, sabendo que não ficariam desamparadas. Acredito que elas tem mais motivos para se orgulhar do que para se envergonhar de mim.
Nos últimos anos, causei prejuízos financeiros para meu pai e irmã. Não pude arcar com os compromissos financeiros que assumi com eles, não pude pagar o que me emprestaram. Além deles, também não pude pagar dívidas bancárias e com cartões de crédito, além de não Ter, ainda, conseguindo saldar as dívidas do trator e do guincho que comprei para trabalhar no corte de madeira. Fora isso, não vejo que tenha causado maiores prejuízos.

O que teria causado minhas atitudes desconformes com o senso comum?
1- Abandonar os estudos.
Nquela época era comum só estudar até o quarto ano priMauro. Eram poucos os que chegavam a concluir o ginásio. Mais raro ainda, os que concluiam o segundo grau. Portanto, não foi um absurdo tão grande Ter abandonado os estudos. Deixei de estudar no ginásio mas me dediquei de corpo e alma ao trabalho e estudei o que me pareceu necessário, para o momento. No trabalho, aprendi mecânica automobilística, dirigir caminhões e experimentei vendas ambulantes.

2- Freguesia de doces.
Valeu a experiência e pude verificar minha falta de talento para negociar. Me possibilitou sentir a necessidade do estudo, a construção de uma carreira.

3- A luta em defesa dos tecnólogos era uma questão de justiça. Não me envolvi nela enquanto estudante para não perder tempo e prejudicar minha formação. Após a formatura, dediquei-me ao que me pareceu uma luta justa, em busca de melhorias para mim e meus companheiros. Essa luta me propiciou aprender muito, além de me provocar a ser bom profissional, para demonstrar que minhas reivindicações eram justas. Cresi como ser humano e como profissional.

4- A lealdade era uma questão de princípios. Fui leal com os patrões. Algumas vezes não foi só a lealdade que me prenderam a eles, foi, também, a falta de capacidade para dizer não.


5- Tive chance de evitar a Rita e não o fiz. Se não a procurei, não fiz nada para conquistá-la; também não a evitei. Quando percebi estava envolvido pelo amor. Mesmo assim, fui sincero com ela, disse-lhe que era casado e que não deixaria minha mulher, a quem também amava, com tinha filhas e um compromisso. Tentei terminar com o relacionamento e só eu sei o quanto isso me doeu. No entanto não resisti à insistência dela. Quando prometi à ex-mulher que deixaria o novo amor, para que pudéssemos retomar nosso casamento, cumpri o prometido, por mais que me custasse.

6- Quando fiz as viagens internacionais, tive condições de fazê-las sem Ter que causar qualquer privação à minha família. Sempre acreditei que consumismo exagerado era mais pernicioso que construtivo; por isso sempre cuidei para oferecer o necessário a minhas filhas, sem exageros, acreditando que estaria contribuindo para seu preparo para a vida. Não me arrependo de Ter agido assim. Se pudesse voltar no tempo, repetiria esse comportamento. Cabe aos pais ajudar os filhos a se prepararem para a vida, possibilitando-lhes conquistar o que desejarem. Os pais tem que aproveitar sua chance de aproveitar o que for possível, desde que os filhos recebam o que têm direito.

7- No caso da Léo, também não soube resistir e me deixei envolver pelo amor. As atitudes da ex-mulher, me prejudicando em tudo o que podia, contribuiu para que eu não resistisse como poderia. Mas, não deixou de ser uma fraqueza, embora tenha confessado à Léo que continuava amando a ex-mulher.

8- Praticar paraquedismo e vôo livre foi o instinto de aventura, a vaidade, o desejo de parecer diferente, de ser admirado. Outra vez, não vejo que isso tenha causado algum problema à minha família, além da apreensão por algum acidente.

9- Abandonar a engenharia foi uma revolta contra a incapacidade do ser humano em ser humilde e solidário. A exploração de operários, de pessoas de boa fé, o sucesso dos exploradores e opressores, sem que eu pudesse fazer algo para corrigir tais coisas; me causaram profundo desânimo. A convivência com a ex-mulher e com a amante pioravam a cada dia. Por isso, a possibilidade de ir embora, isolar-me na roça, foi mais que a realização de um sonho; foi a chance de fugir de um mundo insuportável. Acreditei que continuar lá, naquele conflito, seria pior para minhas filhas do que deixa-las, permitindo que o que lhes pudera ensinar, até ali, lhes servisse para que dessem continuidade a suas vidas. Claro que, mais uma vez, não me deixei influenciar pelo conceito de que os pais devem abrir mão de si próprios em favor dos filhos.
A primeira filha estava bem encaminhada, formada e num relacionamento estável e promissor. A Segunda, terminava a faculdade e trabalhava. A preocupação com ela, se devia ao namorado, envolvido com amizades duvidosas e com comportamento nada recomendável, embora nada de mais sério lhe pudesse ser imputado. O problema era sua aparente irresponsabilidade. No entanto, minha filha insistia em investir nele, lutando para viabilizar a convivência com quem amava. A terceira filha, também não tinha maiores problemas. O problema preocupante era a filha menor. Ela pendia para o lado da mãe e era infuenciada por ela. Nessa condição, eu não tinha nada a fazer a não ser esperar os resultados. Me senti incapacitado de agir de outra maneira e decidi fugir para a vida com que sonhara.
Quando a Segunda filha ficou grávida, achei que era um tremendo erro e recomendei que abortasse. O namorado era instável e ela estava em início de carreira. Um filho seria uma dificuldade naquele momento e naquela situação. No entanto, ela optou por Ter o filho e eu não poderia fazer nada para impedir. Era um direito dela. Mas foi uma decisão contra minha vontade.
Quando a terceira filha também ficou grávida, expressei o mesmo parecer. No entanto, o namorado dela indicava ser mais confiável do que o da outra. De qualquer maneira, fui contra o prosseguimento da gravidez, sugerindo que fosse interrompida. Acredito nos valores adotados até agora e, se necessário, repetiria os mesmos veredictos hoje.
Enganei-me em relação aos dois namorados de minhas filhas. O que parecia ruim, melhorou muito e se tornou um pai e marido bastante bom. O outro, que parecia melhor, não conseguiu manter o relacionamento. Acredito que mais por causa da minha filha do que dele próprio. Analisei os dois com os dados que eu tinha, sem me preocupar em aprofundá-los e buscar outros que possibilitassem uma análise melhor. Errei, agindo como a maioria, deixando-me levar pelas aparências, eximindo-me de maior trabalho para um melhor diagnóstico.
Portanto, não tenho nenhuma segurança de que tenha agido bem com relação a minhas filhas.

10- Em relação a clínica, fui sabotado em todos os sentidos, impedido de realizar um trabalho que acreditei ser capaz de fazer. A experiência foi válida e promissora. O tempo e o aprendizado me possibilitariam melhorar o sistema, poder sobreviver com dignidade e ser útil a quem necessitava. No entanto, a prepotência e o egoísmo dos outros me impediram de prosseguir. Posso Ter sido intransigente, mas não mereci a sabotagem que me fizeram. Portanto, não me sinto culpado por esse episódio.

11- Quando me apaixonei pela Mari, relutei em aceitar isso e me neguei a manter um relacionamento, considerando queera um despropósito, devido a diferença de idade e os problemas que geraria junto aos parentes dela, que eram meus amigos. No entanto, a emoção foi de tal intensidade e os acontecimentos foram se desenrolando de tal maneira que me foi impossível continuar resistindo. Foi algo excepcional, de uma grandiosidade desconhecida para mim e acho que para a maioria das pessoas. Era tão forte e tão verdadeiro que conseguiu sobreviver às maiores dificuldades. Desta vez, não causei prejuízo a ninguém, a não àqueles que invejaram nossa situação, nosso amor e tudo que pudemos desfrutar. A emoção envolvida justificaria até verdadeiras loucuras, tal sua força. No entanto, eu estava livre e ela também, os únicos impecilhos era os preconceitos e a inveja.

Em resumo, as causas e motivações que me levaram a fazer o que fiz e que foi considerado como incoerências:
1- Facilidade inciaial, comodismo, vontade incontrolada.
2- Agi de acordo com o senso comum
3- Solidariedade, sentido de justiça, vaidade
4- Lealdade e covardia
5- Amor, fraqueza para resistir, sentido de responsabilidade.
6- Egoísmo, aventura, vontade de conhecer, ação para educar
7- Amor, vaidade, egoísmo, fuga da insatisfação
8- Aventura, vaidade, fuga
9- Desencanto com a sociedade opressora e exploradora, fuga
10- Desejo de tranqüilidade, solidariedade, egoísmo.
11- Amor apaixonado, valorizar o admirável e tentar investir na sua lapidação. Responsabilidade, egoísmo.

Considero que acertei e errei, nas atitudes que tomei durante a vida. Os valores que predominaram em minhas escolhas foram: amor, amizade, aventura, coragem para enfrentar o desconhecido e, principalmente, o medo. Nunca fui desleal nem hipócrita. É claro que fui influenciado pelo egoismo e, principalmente, pela vaidade. No entanto, sempre me aventurei em busca de algo maior, do desconhecido, em busca de conhecimento e de compreensão. Fui preguiçoso e comodista, também, no entanto, me esforcei para que isso não afetasse significativamente nem a mim, nem aos outros.
Para o ladrão, trabalhar é errado e roubar é certo.
Para o safado, o honesto e leal é troxa.
Para o vigarista, o solidário é “Mané”
Para o prepotente, o humilde é idiota.
Para o egoísta, o solidário é imbecil.
Para o covarde, o corajoso é estúpido.
Todos agem de acordo com seus valores e o certo ou errado, depende deles.
Como muitos dos valores acima afrontam o senso comum, os que os defendem, usam de hipocrisia para esconder os valores que os norteiam, alegando condená-los, enquanto os usam intensivamente. Muitos dos que defendem a fidelidade e não regateiam críticas à traição; enquanto traem sem a menor dor de consciência. Entre os que condenam publicamente a corrupção, estão os maiores corruptos.
Amizade, solidariedade, humildade, lealdade; são os valores mais travestidos que circulam na sociedade.
A ignorância, associada à prepotência, ao egoísmo, ao comodismo e à covardia; levam as pessoas a interpretar devoção a valores que nunca usam. Nem elas mesmas tem consciência disso, enganam-se a si próprias e, pior, acreditam!
A grande dúvida é se tudo isso é culpa das próprias pessoas, ou se elas não passam de vítimas do mistério, não passando de marionetes nas mãos dele.

25/02
Numa desavença entre duas pessoas, ambas acreditam Ter razão, enquanto acusam erros na outra. A questão é a mesma, os valores que cada um usa para analisá-la é que mudam.
Entre religiões cristãs também há desavenças, embora todas se baseiem nos mesmos princípios, defendidos pela bíblia.

02/03
Ontem à noite passei na venda e a Mara estava lá com o Baiano, conversando com o Dito Leme. O Baiano me cumprimentou com um oi e ela me olhou estendendo o dedo polegar em sinal de “tudo bem?”. Peguei o pão e saí.
Eu já vinha me sentindo mal desde domingo quando a Mari, que havia convidado a Lia e Daiane a ir a sua casa; não estava por estar trabalhando. Quando voltamos no final da tarde, ela já havia saído. Absolutamente normal! Estava trabalhando e depois do trabalho, resolveu sair. Afinal, aqui é mais que comum as pessoas convidarem para sua casa por simples vício de pretender ser agradável, quando, no entanto, não tem maior vontade de que o convite seja aceito. Quando na Segunda-feira ela se encontrou com a Lia e Daiane, manteve-se calada, só pronunciando palavras rotineiras de quem não está disposto a conversar.
Ela continua demonstrando a ojeriza que sente por mim, por tudo que me diga respeito e, naturalmente, não iria se arriscar a emitir qualquer conceito a meu respeito ou ao que sente em relação a mim, para a Lia e a Daiane. Ela tem o direito de fazer isso, no entanto, demonstra a covardia em não enfrentar a situação e argumentar em sua defesa. Claro que pode Ter evitado abordar um assunto que lhe é desagradável o que não deixa de ser covardia, somado a boa dose de egoísmo.
Sentindo-me mal, optei por analisar o que vem acontecendo, mais uma vez, tentando livrar-me do que estou sentindo.
Está claro que ela me abandonou porque algo a fez sentir que eu era culpado pelo que estava sentindo. É provável que sua insatisfação se devesse à falta de maiores perspectivas de realizações; pode Ter sentido falta de sair mais, de divertimentos ou de maiores emoções. Essa insatisfação deve tê-la provocado a procurar a mãe e dedicar-se mais constantemente à relação com ela. Talvez tenha preparado a festa do aniversário do Malco para quebrar a monotonia. O problema é que ela não teve coragem de me dizer o que estava sentindo, omitindo sua insatisfação e usando minhas reclamações como justificativa para a separação. Se ela tivesse colocado o problema, com a devida ênfase, teríamos procurado alguma solução; como aliás, sempre fizemos. Ao que parece, ela não queria uma solução, pretendia a separação, irremediavelmente. Algo suficientemente forte a levou a assumir essa posição.
Foi uma crise que poderia Ter sido colocada, analisada e buscada uma solução. Quando resolvemos sair de Ribeirão, que ela passaria um tempo com a irmã, enquanto eu procurava recomeçar em outro trabalho; o fizemos para que ela pudesse se analisar e o que vinha acontecendo, considerando se deveríamos continuar juntos ou se o melhor seria a separação. Ela teve oportunidade de conhecer outras pessoas, trabalhar em algo diferente, viver sem mim. Teve oportunidade de verificar que a vida é dura em qualquer lugar, que exige sacrifícios, obrigando-nos a conviver com coisas, pessoas e situações com que não gostaríamos de conviver. No entanto, é impossível livrar-se de tudo o que nos incomoda, de tudo com que discordamos. Ela decidiu voltar para mim. Pode ser que o tenha feito por não Ter força de resistir aos meus argumentos. As dificuldades vividas longe de mim, por não conseguir trabalho que a satisfizesse, por não Ter encontrado pessoas mais agradáveis, por Ter que conviver com a irmã e o cunhado, bem como Ter que conviver com a família dele; devem Ter pesado na sua decisão. Além do mais, era mais uma possibilidade de mudança. Aparentemente, ficou demonstrado que ainda me amava. Ela relutou um pouco. Não foi com grande satisfação que voltou para mim, mas considerou que se não era o melhor, era o menos ruim.
Convivemos muito bem, mesmo com os problemas que enfrentamos e que não foram poucos. A pressão de minha mãe, sobre ela, foi o pior. Ela deve Ter sofrido muito por isso; tanto que decidimos nos mudar e recomeçar tudo de novo.
Enquanto eu experimentava a possibilidade de trabalhar em Campo Grande, ela foi passar um tempo com a mãe e a irmã. Tinha dúvida se ela queria me acompanhar em mais essa aventura, por isso fui sozinho, dando-lhe tempo para refletir, enquanto eu fazia a experiência. Algum tempo depois da separação, ela escreveu uma análise do problema, concluindo que não poderia perder um grande amor por causa de motivos que não eram suficientes para colocar em risco uma relação que lhe era tão importante. Concluíra essa análise decidindo se juntar a mim, o mais rápido possível, retomando o relacionamento. Alguns dias depois, ela se envolveu com um rapaz e resolveu casar. Decidiu isso em menos de um mês e marcaram o casamento para o mês seguinte. Compraram móveis e fizeram todos os preparativos. Menos de um mês antes do casamento, ela resolveu abandonar tudo e voltar para mim. Entre a decisão de casar e a de voltar para mim, o intervalo não foi maior que um mês.
Ela alegou que estivera fora de si, que não tinha consciência do que acontecia. Ficou constatado que acontecera um grande mistério, que a levara a agir como agiu. Sua atitude, nessa ocasião, foi absolutamente estranha, incoerente com a personalidade e, principalmente, valores demonstrados até ali. Alguma força muito maior que a que ela tinha para resistir, levou-a a agir como agiu. Não conseguindo identificar as causas de tão estranho comportamento; ficou constatado que era um mistério.
Desta vez, também não consegui encontrar motivos que justificassem suas atitudes, caracterizando, novamente, um mistério. Em determinado momento, ela alegou que, da outra vez, ela ficara abobada, inconsciente do que acontecia; que no entanto, agora, estava plenamente consciente. Confessou que mudara, que era outra pessoa. As características dos dois episódios foram as mesmas. Se há consciência nela agora, houve na outra vez também. É uma dedução lógica, considerando-se as características dos dois acontecimentos.
Desta vez, ela tem cometido várias incoerências, como da outra. Decidiu deixar o relacionamento sem motivos suficientes para fazê-lo, principalmente com a pressa que o fêz. Atirou-se num relacionamento que tinha informações mais que suficientes de que não poderia dar certo. Quando ele fracassou, em menos de dois meses, voltou para a casa da mãe. Poderia Ter voltado para mim, mas não quis. Preferiu manter-se independente de mim, sujeitando-se a conviver com a mãe e os irmãos, em condições que nunca lhe agradaram. Entregou-se de corpo e alma a amizade do Fio, por quem nunca tivera maior admiração. Além da empatia, pode tê-la influenciado a promessa dele de ajudá-la a montar um negócio, convencendo-a de que um bar seria um bom negócio, que é o que ele sempre sonhou Ter. Conversas, bebida, comida, bailes e festas; deram a ela satisfação.
Acabou se interessando pelo Baiano, que é o contrário do que ela sempre admirou num homem: pelos no peito, mais velho e inteligente. O Baiano é mais novo que ela, não tem pêlos no peito e não tem cultura. No entanto, atração é atração e isso independe de racionalidade ou gostos anteriores. É provável que ela tenha se apaixonado por ele e não haveira nada de errado nisso, pois ele é uma pessoas diferente da maioria e isso é atrativo. Foi o que aconteceu entre eu e ela quando nos conhecemos. Sua atração pelo Baiano poderia estar repetindo o que aconteceu comigo em relação a ela. Pode ser que tenha sido simples carência, associada a seu amor maternal (ela me dizia que eu ara seu bebezinho), associando o amante ao filho, aproveitando a excepcionalidade dele. No entanto, nada do que ela tem feito, foi motivo para que se separasse de mim. Tudo aconteceu após a separação, portanto, não foram motivos para ela.
É bem provável que ela tenha imaginado que poderia Ter maior possibilidade de obter sucesso e admiração, sem mim. No entanto, não tentou nada de diferente, simplesmente se atirou nas possibilidades que apareceram sem analisar-lhes as possibilidades. Está vivendo praticamente a vida que teria se tivesse se casado no Junco, com a única diferença de que ainda mantém a liberdade, já bem reduzida pelo relacionamento que está tendo.
Como das outras vezes, ela demonstra uma tendência à vida no campo, com todas as suas limitações, onde se sente superior aos outros e, provavelmente isso, a atraia muito fortemente. Se for verdade, é lamentável que se apoie na ignorância das pessoas para sentir-se superior. Ela era considerada superior quando estava comigo; provavelmente mais que agora. No entanto, pode ser que se considerasse sob minha sombra e pretendesse provar que continuaria a ser superior aos outros mesmo sem mim. Isso seria de uma burrice absurda, mas é possível se considerarmos do que é possível o ser humano.
A única novidade que me ocorreu hoje, é que se este episódio não é obra do mistério; o anterior também não teria sido. Ambos teriam sido motivados por distorções, pura e simples, de valores, embasados na hipocrisia e na imbecilidade.

05/03
Voltei a me sentir muito mal. Ontem fui no Nelson por volta das dezesseis horas, levar limões que a Marina havia pedido. Ela me disse para esperar porque fariam uma festinha para comemorar o aniversário da Maria Júlia, que será no dia treze. A festinha aconteceria no chalé. Fui lá com o Nelson encher bixigas. Notei a falta do Felipe e da Marta.
Depois de enchidas as bexigas, o Nelson foi buscar alguma coisa e fiquei sozinho no chalé, quando notei que a Marta, Felipe, Mara e Petro, chegavam pela porteira junto ao Oscar, vindos de cima. Continuei como estava, olhando o lago, de costas para onde eles vinham. Ao passar por mim, a Marta me cumprimentou e a Mara nem me olhou.
Eu já estava mal e cheguei a pesnar em não ficar para a festa, logo que cheguei. Acabei ficando. Logo depois chegou o Fio, dizendo que viera buscar a Selma com as crianças, que estava na casa da Marta. Conversamos um pouco a respeito da madeira de Campos do Jordão, quando ele disse que pegaria a Selma e iria para casa dormir.
Quando eles sairam, eu jogava truco com Nelson, Chico Bento e Francis. Eu estava de costas para a saída e não vi que saiu. A Mara foi com eles.
Depois de cortar o bolo, fui embora e passei na venda para comprar velas. A Mara estava lá, bebendo e conversando com a Selma. A venda estava bem cheia. Quando saí, o Baiano que voltava depois de mijar, me perguntou se poderia vir em casa para que eu lhe gravasse um CD. Disse-lhe que não haveria problema e vim embora, sentindo-me muito mal emocionalmente.
O carro morreu perto da porteira e não pegou mais. Cheguei em casa a pé. Não havia luz e, quando abri a torneira da pia, verifiquei que não havia água também. Li um pouco a luz de velas e dormi. Acordei por volta da meia noite, pensando na Mara e me sentindo muito mal. Acendi as velas e li mais um pouco, voltando a dormir.
Acordei com a mesma sensação ruim me incomodando. O maior tormento é sentir o desprezo da Mara. Não consigo enterder a causa e, provavelmente, ela não existe mesmo. O comportamento dela é ocasionado pela coisa ruim que ela construiu em mim. Não tenho certeza se é isso mesmo que me causa mal ou se é o amor próprio ferido, a impossibilidade de desfrutar o amor que me deu tanta felicidade, ou qualquer outra coisa. É provável que o desprezo seja só uma desculpa para encobrir outras coisas. Sei lá!
O caso é que eu não deveria estar me deixando atingir por isso, no entanto, continuo tão impotente como desde o começo. O que sinto é tão forte, que preferiria a morte. É um sentimento horrível, persistente, terrível!
Hoje, com até as duas horas da tarde a luz ainda não tivesse voltado, fui até a venda telefonar para a CEMIG. Fui até o Nelson devolver livros e pegar outros emprestados. Fui no Chico e ele ainda não sabia se desceria para a cidade amanhã. Passei na venda e a Mara estava do lado de fora. O Baiano saiu com uma lata de refrigerante e desceram em direção à casa dele. O vê-la reforçou o mal que eu já estava sentindo.
Quando cheguei em casa, a luz ainda não voltara. Comecei a ler o livro A Entidade de Frank de Felitta. Ele conta que uma mulher é estrupada por algo imaterial, mas que causa traumatismos e dores. A personagem fica atônita e considera que possa estar ficando louca. Eu pensei se não estaria ficando louco também.
Ao que parece, quem fica louco não tem consciência disso. Considerei seriamente se a demência não está me dominando.
Tenho percebido que o Chico Bento, que é a pessoas com quem mais tenho conversado a respeito do meu problema, que sempre me ouviu e me contou o que sabia; me parece diferente, evitando falar a respeito e, parece, evitando que eu toque no assunto. Tenho notado que ele tem evitado me convidar para ir com ela à cidade. Em fim, pode ser que eu é que esteja imaginando coisas, no entanto, essa mudança de comportamento dele é evidente. Ontem, quando elas chegaram, vinham da casa dele, onde estiveram ajudando a fazer pamonhas. Durante o tempo que ficamos juntos na festa, ele não fez qualquer referência a elas.
Agora, estou me sentindo muito melhor. Não sei se é porque a luz voltou, porque tomei banho ou sei lá o quê. Só sei que melhorei bastante e não adivinho o porquê.
Depois de duas horas desde que descobri que tinha deixado de me sentir mal emocionalmente, continuo bem e sem saber porquê, sem atinar com o que teria causado essa melhora!

06/03
O emaranhado de dados nos introduz num verdadeiro labirinto, por onde caminhamos muito e, não raro, voltamos aos mesmos lugares.
Começo a perceber que supervalorizei a Mari. Ela, realmente, foi solidária, humilde, inteligente, corajosa e, principalmente, se entregou a mim totalmente. No entanto, com o passar do tempo, foi forçando sua autosuficiência, o que considero normal. Não teria sentido que se acomodasse sob minha proteção. Percebi que ela sempre teve duas personalidades: uma comigo e outra com os outros, principalmente parentes e amigos. Era uma espécie de camaleão. Socialmente, isso é bastante vantajoso pois possibilita a convivência, evita atritos, desgostos e propicia vantagens.
Ao estar com parentes e amigos dela, me evitava ao máximo, como querendo desvincular o que ela era, de mim, como pretendendo esconder que eu contribuia para seu crescimento. Portanto, essa outra personalidade já existia, sempre existiu.
Ao meu lado ela pôde dar vazão a suas fantasias, pôde falar sobre tudo sem restrições, aventurar-se em várias coisas, aprender outras tantas, conhecer coisas, lugares e gente que nem imaginava existirem. Pôde viver um grande amor e não importa se fantasioso ou não. O que importa é que sentiu; da mesma maneira, não importa se a supervalorizei, o importante é que a senti daquela maneira, com toda aquela intensidade.
O que nos afeta é o que sentimos e não o porquê. Se sentirmos dor, não importa se ela tem causas reais ou somatizadas. O importante é a dor que sentimos e não as suas causas.
Na felicidade e no prazer ocorre o mesmo. Não importam as causas e sim o que sentimos. Isso é uma questão emocional, independente da racionalidade.
As causas são muito importantes à racionalidade. Esta fará anaálises e julgamentos baseada em dados, em causas que provocaram efeitos. A tendêwncia natural da racionalidade é tentar compreender o que provoca os efeitos, embora, muitas vezes, se faça o caminho inverso: tentando descobrir que efeitos uma ou várias causas poderiam acarretar.
É importante perceber que existe uma relativa independência entre razão e emoção. O sentimento pode existir e nos afetar, mesmo contra todas as argumentações da razão, demonstrando que ele não deveria nos afetar.
Está claro que a emoção tem o poder de manipular a razão, fazendo-a produzir argumentos que a justifiquem. Isso ocorre quando supervalorizamos qualidades para justificar o amor que sentimos por alguém. O mesmo acontece quando a raiva usa a razão para justificá-la, buscando vingança. A emoção não só usa a razão para valorizar ou desvalorizar, como para criar e ocultar qualidades, dependendo de seus interesses.
Quanto certeza podemos Ter quanto a quem a razão está servindo? A nossa vontade ou a da emoção?
Quando a emoção usa a razão, ela tenta nos fazer crer nós é que o estamos fazendo. É bastante difícil compreender isso, uma vez que a emoção faz parte de nós. No entanto, não é didícil perceber a dicotomia entre emoção e o resto de nós. Ela age sobre nós nos fazendo sentir e nós, muitas vezes, tentamos reagir, procurando evitar os sentimentos que ela nos provoca, principalmente, os ruins, causadores de tristeza e infelicidade.
Aparentemente. a emoção é influenciada por forças misteriosas, provocando sentimentos, independente de nossa vontade. Podemos amar a quem não admiramos e odiar a quem não nos deu motivos suficientes para isso.
É evidente a existência de um grande mistério. Ele se mostra no desconhecimento sobre nós mesmos e se alastra sobre muitas coisas que nos atingem.
Nossa capacidade racional nos induz a desvendar esses mistérios, formulando hipóteses e defendendo teses. Isso, muitas vezes, nos faz acreditar que compreendemos algo. No entanto, muitas dessas vezes criamos modelos irreais que encontram grande embasamento , mas que são falsas, camuflando o mistério, dando-lhe aparência de conhecido.
O que seria a insanidade mental? Seria o total domínio da emoção sobre a razão? O que causaria isso, o domínio da fantasia sobre a realidade? Dados do passado ausentes da consciência? Causas físicas ou fisiológicas? Existe alguma certeza sobre alguma dessas possibilidades?

Além da emoção pura e simples, a Mari teve motivos para me admirar e se dedicar a mim. Eu a respeitava, considerava suas opiniões e questionamentos com seriedade, sem considerá-los loucos ou despropositados. Amparava-a, procurando ajudá-la a se entender e aos outros, bem como ao que acontecia. Ao mesmo tempo, demonstrava que muito do analisado era misterioso e me associava a ela na imcompreensão. Lhe dediquei o mais forte, puro e sincero amor. Propiciei-lhe conhecimento e aventura. Ela pôde se sentir como a pessoa mais importante para alguém reconhecido e admirado por várias pessoas. Ela teve, em mim, um companheiro leal e prestativo. Ela pôde desfrutar de alguém diferente da maioria das pessoas. Tudo isso era motivo para que sentisse atraída. No entanto, tudo isso deixou de Ter valor para ela. Por que?
Terá sido a simples tendência de enjoarmos do que temos a disposição, por maior que seja seu valor? Será medo de continuar em busca do desconhecido? Será a vaidade provocando a necessidade de demonstar que é autosuficiente?
Por que desprezar a amizade, o que poderia desfrutar sem qualquer outro tipo de compromisso? Sem Ter que dar nada em troca, além da própria amizade?
O que eu tinha de atrativo no começo, continuo tendo. Por que essa guinada de cento e oitenta graus?
Ela demonstrou Ter capacidade suficiente para conviver comigo e com os outros, sem maiores problemas. Por que decidiu abrir mão de mim e se atirar de cabeça no que já conhecia e que abominava em muitos aspéctos?
É um mistério!

À tarde fui na venda ligar para a CEMIG, acusando falta de energia elétrica. Como o Chico ficara de me trazer alcóol para o carro, esperei-o . Quando chegou, verifiquei que ele havia levado a Marta e a Mara. Por isso não me quis confirmar, ontem, que iria até a cidade. Não é a primeira vez que isso acontece. Ele tem demonstrado nos últimos dias que está me escondendo alguma coisa. Provavelmente não seja nada de mais, no entanto, ele deve Ter conversado bastante com a Mara e a Marta e não tem me dito nada. Inclusive, no Sábado de carnaval, quando a Lia passou na venda, a caminho daqui; ele estava com a Mara. Ele tem demonstrado um mal estar na minha presença. Temo por acabar descobrindo mais um amigo desleal. O pior é que não vejo motivo suficiente para que ele tenha esse comportamento. Era só me dizer que não poderia me levar para a cidade porque levaria a Marta e a Mari. Que problema haveria nisso? Depois de tudo o que comentei com ele a respeito do comportamento do Fio para comigo, ele deveria tomar cuidado para não enveredar pelo mesmo caminho. Não tenho certeza, mas os indícios não são nada promissores.

07/03
Pela manhã, desci com o Chico Bento para Santana da Luz, ao enterro do pai do Zeca. No caminho ele me disse que, ontem, não levara a Marta e a Mara, que só as trouxera de volta.
Disse que a Mara ainda não renovou a habilitação e que estava pensando em fazê-lo em Gonçalves. Disse-me que quando disse a ela que a levaria em S.José para pegar a renovação feita lá; ela teria dito que eu não concordaria em acomapnhá-la até lá.
Disse que a Marta comentara com a Martinha que considerava que a Mara fizera uma grande besteira ao me abandonar. Gozado né? Na época da separação, ela deu todo apoio à Mara.
Pelos dados de hoje, o Chico ainda não me traiu como cheguei a considerar. Ele anda guardando segredos, mas é um direito, uma vez que não me parece que qualquer deles me prejudiquem.

09/03

O Mauro me ofereceu a venda, ontem. Eu já tinha decidido ir embora e já me preparava para fazê-lo, uma vez que existe uma grande possibilidade de que o trator já esteja vendido.
Disse ao Mauro que pensaria no caso, pois a maior dificuldade seria conseguir alguém para trabalhar comigo, cuidar do negócio na minha ausência. O preço que eles estão pedindo é razoável e a possibilidade de lucro não é desprezível.
A Mara aventara a possibilidade desse negócio, meses atrás. Disse que concordaria em que o fizéssemos juntos. Agora, com os valores que ela está defendendo, é praticamente impossível que essa associação aconteça.
Não fosse a distorção de valores, essa associação poderia ser bastante vantajosa para os dois. Trabalharíamos juntos, ela assumiria a parte legal do negócio e a conta bancária. Cuidaria do negócio quando eu tivesse que me ausentar e poderia sair quando eu pudesse ficar. Não haveria motivos para desconfiança e poderíamos ganhar algum dinheiro. Infelizmente, o comportamento atual dela, não inspira confiança, principalmente pode que pode resolver abandonar o negócio de uma hora para outra, sem aviso prévio e sem motivos que justifiquem isso.
A análise acima é racional e válida. No entanto, o problema não é esse; pelo menos não é o principal. O maior problema continua sendo emocional. Não é possível convivermos, nem como amigos, enquanto ela me considerar como está fazendo: como algo ruim. Portanto, nem deveria pensar na possibilidade de inclui-la no negócio. É totalmente incompatível!
No entanto, não consigo deixar de pensar que ela pode estar arrependida e que gostaria de voltar a ser o que já foi. Não há como negar que isso é uma possibilidade. Sei que é difícil que isso aconteça e continuo acreditando que não dependa dela, que depende do mistério. O problema é que volto a pensar nela e na possibilidade de retomar o relacionamento. É loucura! Mas é a maldita esperança insistindo em que isso é uma possibilidade, ainda que remota.
Não seria um mal negócio comprar a venda. Poderia conseguir alguém para me ajudar e poderia ganhar algum dinheiro, vendendo o negócio posteriormente. Mas, será que conseguiria continuar vivendo aqui, vendo-a e sabendo dos erros que poderá continuar cometendo?
Por outro lado, ali, não me sentiria sozinho e haveria a possibilidade de acontecer algum relacionamento com alguma mulher. O que não sei, é se conseguirei continuar perto dela, vendo-a, sabendo o que faz, sem sofrer exageradamente. Não sei! Preciso analisar com muito cuidado a questão para não decidir e me arrepender logo depois. Não é um negócio que dê para se desfazer de uma hora para outra.

No final da tarde fui na venda e o Mauro me disse que a Mara se mostrou interessada em entrar no negócio comigo. Ela teria dito que eu não estava conversando comigo.
Pensei que, ao conversar com ela, ela dirá que eu é que estou evitando-a .
O que eu poderei argumentar para justificar que ela é que iniciou o afastamento, é o fato de na festa de aniversário do Antonio Leme, ela dançou comigo como que se obrigada, demonstrando que não é o que queria. Evitava até me olhar. Quando no dia 25 de janeiro fui até a janela da cozinha de sua casa, falar-lhe sobre o cartão do banco, se mo emprestaria no começo do mês para eu retirar meu pagamento e, depois, voltei para lhe perguntar sobre o que decidira sobre a proposta que lhe fizera para vender utensílios; ela me respondeu secamente. Não se dignou a me informar antes que não aceitaria a proposta, quando já havia decidido por isso. O principal é que tem me evitado desde que foi embora. Nunca conseguiu explicar os motivos e se negou a enfrentar os questionamentos. Nunca fez a lista de prós e contras a respeito do nosso relacionamento.


Acabei de ler, ontem, o livro “A entidade” de Frank de Felitta. Ele conta a estória de uma mulher que, aos trinta e dois anos, passou a ser incomodada por uma entidade que a assediava e estuprava violentamente. Descreve o que poderia ser a manifestação de um fenômeno parapsicológico chamado “Poltergeist” (palavra alemã que define, espírito brincalhão).
A protagonista, filha de um pastor protestante, saíra de casa aos dezesseis anos para se casar com um rapaz irresponsável, com quem teve um filho. O marido morreu num acidente de moto, durante uma corrida clandestina. Ele era usuário de drogas.
Ela ficou sozinha com o filho e mudou-se para um vilarejo no deserto da Califórnia. Quando trabalhava em uma lanchonete, conheceu um homem sexagenário e casou-se com ele, com quem teve duas filhas. O homem morreu e ela se mudou para Los Angeles, onde trabalhou como vendedora de cigarros em um club noturno. Ali conheceu um rapaz que viajava pelo país a trabalho e com quem começou a namorar.
Ficou desempregada e passou a viver com a ajuda da assistência social, que a obrigava a freqüentar um curso de secretariado, para fazer jus à ajuda recebida. Ela passou a morar numa casa cujo aluguel era custeado pela assistência social. Era uma casa popular, num bairro da periferia. Foi ali que os fenômenos começaram a acontecer.
O autor aborda o problema da influência do mistério na vida de uma pessoa. A protagonista recorreu à psiquiatria, psicologia e parapsicologia. Esta última captou fenômenos físicos, através de fotografias e medições eletromagnéticas. Testemunhou a ocorrência do ataque à protagonista e a violência com que ele acontecia, mas não conseguiu registrá-lo, muito menos capturá-lo, para o que se haviam preparado com equipamentos sofisticados. Ficou claro o conflito entre os vários ramos da ciência, que relutam em somar esforços na busca de compreensão de fenômenos, preferindo o confronto, buscando denegrir quem defende idéias contrárias as suas. No caso em questão, o conflito acontece entre a psiquiatria e a parapsicologia, ficando claro, também, a força do corporativismo, dando poder muito maior a instituições mais antigas em detrimento das mais novas. No caso em questão, a medicina tradicional empenha-se ao máximo para fazer crer que a parapsicologia seria verdadeiro charlatanismo.
A primeira ajuda buscada pela protagonista foi a psiquiatria, que não conseguiu minimizar-lhe o sofrimento. Buscou o espiritismo e também não obteve resultado. A parapsicologia constatou a existência de fenômenos externos, caracterizados fisicamente o que contrariava o diagnóstico psiquiátrico que afirmava que os fenômenos eram produzidos pela mente da paciente.
A protagonista, ao final da estória, é internada em um hospital psiquiátrico onde permanece sob controle, mas sem cura.
A importância da obra está em mostrar a existência de fenômenos que atingem o ser humano e quanto eles são desconhecidos da humanidade, por mais avanços que a ciência tenha conseguido até aqui. A obra destaca o mistério e a incapacidade dos cientistas e religiosos, prepotentes, em admiti-lo, acreditando conhecer o que desconhecem completamente. Por mais que teorias e dógmas tenham tido suas justificativas desmentidas, invalidadas através de múltiplos exemplos, seus defensores continuam defendendo-as, demonstrando do que a prepotência é capaz.

11/03/06
No final da tarde fui procurar a Mara, para verificar se ela tinha interesse em participar no negócio do bar.
Quando cheguei lá ela estava no Matol do alto com a Marta. Perguntei-lhe se tinha interesse no negócio e ela, com uma expressão de poucos amigos disse que tinha. Convidei-a a descermos para conversar.
Sentamo-nos na taipa da cozinha da Marta e começamos a conversa.
Ela disse que tinha interesse, sim. Que havia recebido um convite do dono de pousadas em Ubatuba, Parreiras e outra localidade. Ele pretendia que ela fosse uma espécie de supervisora, visitando as pousadas e coordenando os trabalhos. Ela alegou que não gostaria de viver na estrada, viajando entre as pousadas, cuja distância entre elas ela julga que é muito grande. Alegou ainda a inconveniência de ir a Parreiras, correndo o risco de encontrar o Rodrigo e Ter problemas.
Logo depois a Marta entrou em casa, enquanto falávamos a respeito do bar. Ela instou a Mara a concordar em participar do negócio.
Aleguei a responsabilidade envolvida no negócio. Que, devido aos problemas que ela costuma sofrer, com mudança de personalidade, havia o risco de, de uma hora para outra, sem mais nem menos, abandonar o negócio deixando-me em apuros. Alertei para o problema do relacionamento que está tendo com o Baiano, que poderá não gostar que ela passe a Ter uma convivência tão próxima de mim. Ela disse que se comprometia a não fugir à responsabilidade e que o relacionamento não era problema que “daria pipa à pipa”. Dando a entender que terminaria o relacionamento, sem maiores problemas.
Durante a conversa ela foi se soltando e me pareceu que a Mari havia voltado. Conversamos por bastante tempo e ficou tudo acertado. Fiquei de dar continuidade à negociação com o Marílio e o Mauro.
Comentei com ela a respeito do mistério, destacando as fases ruins e boas que tenho passado durante a vida. Que os finais de ano tem se mostrado ruins, enquanto a partir de março a fase começa a mudar, propiciando coisas boas. Lembrei de quando ela voltara para mim em Campo Grande, que foi nessa época. Coincidentemente, ela me ligou pedindo para voltar, daquela vez, no dia sete de março. Agora, voltamos a nos entender no dia dez do mesmo mês. Coincidência?
Não me referi a reconciliação, nem forcei qualquer tipo de contato físico. Senti que ela está com vontade de retomar o relacionamento. Se for verdade, espero combinar um relacionamento do tipo: amizade e amor, sem compromisso de casamento ou compromisso equivalente.
Desta vez a ansiedade não me dominou e permaneci tranqüilo, sentindo uma espécie de alívio e bem estar.

12/03
Ontem, no final da tarde, fui na venda. A Mara estava lá com a Marta e o Felipe. Quando cheguei elas já estavam de saída, com pressa de chegar em casa antes da chuva que ameaçava cair.
A Mara me chamou para fora e disse que o Marílio lhe dissera que não poderia atender ao que eu lhe pedira no dia anterior: reduzir o preço do negócio e incluir a marajó. Disse-lhe que isso não seria problema. Que eu havia pedido que ele estudasse a possibilidade, mas que não forçara para que a situação fosse aquela.
Perguntei-lhe se tinha compromisso para aquela noite e ela disse que iriam para a praia, saindo no final da noite.
É evidente que essa viagem já estava marcada a bastante tempo. No entanto, me senti mal, por saber que continua ligada ao Fio e sua turma. O seu relacionamento com o Baiano não me incomoda tanto. Ela declarou na última conversa, quando me referi a que poderia Ter problemas no relacionamento com ele, em virtude da proximidade que passaria a Ter comigo; que “daria linha na pipa”. Foi uma demonstração de que ele não lhe é tão importante, que pode descartá-lo sem maiores problemas.
O importante é perceber o quanto ela influencia o meu emocional. Depois da conversa de Sexta-feira, me senti tranqüilo e sem ansiedade, determinado a esperar o desenrolar dos acontecimentos, acreditando que o relacionamento no negócio favoreceria o nosso relacionamento pessoal. A partir do encontro de ontem (onde não aconteceu nada de extraordinário), a possibilidade de que suas distorções de personalidade possam causar problemas ao negócio e impedir o relacionamento pessoal, voltaram a me incomodar.
Fica cada vez mais claro, que a esperança acompanhada da ansiedade, são grandes inimigas do emocional; impedindo o emprego de estratégias, que combateriam as estratégias do opositor. Elas atacam nossa imunologia emocional, impedindo a ação da racionalidade.
Dois detalhes mostram a permanência da transformação da personalidade dela: o relacionamento com os Fio e sua intenção de continuar morando aqui. Ela considerava que este lugar é muito restrito, impedindo-a de maior expansão e crescimento. Ela já teve duas oportunidades de fazer o que apregoava ser seu objetivo: a possibilidade de trabalhar e estudar em São José dos Campos e a oferta de coordenar as pousadas. A primeira lhe possibilitaria estudar e Ter boa dose de independência; a Segunda lhe permitiria viajar e evitar a rotina. Recusou as duas. Quando lhe propus o negócio do bar, uma das vantagens que alegou para aceitá-la, foi o fato de não precisar sair daqui. O que deve estar atraindo-a tanto este lugar?
Se a compra do bar se concretizar, terei a vantagem do relacionamento com os freqüentadores, a possibilidade de ouvir estórias e escrevê-las; além de Ter maior oportunidade de algum relacionamento amoroso. Se a Mara abandonar o negócio, sempre será possível conseguir alguém para substitui-la, mesmo que seja de qualidade sofrível. Portanto, ela é importante mas sua ausência não causaria uma tragédia.
A possibilidade de acessar a internet me possibilitará a procura de edição dos livros. Dificilmente terei uma possibilidade de me manter melhor que essa. Portanto, farei o possível para realizar esse negócio.

14/03
Por volta das dezesseis horas, fui conversar com a Mara, tentando perceber se sua nova personalidade poderia ser suficientemente confiável para colocá-la no negócio do bar. Disse-lhe que o objetivo da conversa era esse.
Coloquei que a desconfiança se fundamentava no que havia acontecido quando da nossa separação. Ela resolveu, de uma hora para outra, abandonar o relacionamento, negando-se a conversar, tentando resolver o problema, seja pela eliminação das causas ou acertando a melhor maneira, para minimizar os efeitos da separação. Que se ela fizera isso com o relacionamento, é provável que repita o procedimento quando se sentir incomodada com o negócio.
Ela voltou a afirmar que eu poderia confiar, que não se atreveria a faltar ao compromisso que assumíssemos.
Disse-lhe que não era uma questão de palavras, que eu precisava confiar, convencido de que isso não era só retórica. Ela estava tensa e argumentava sem oferecer indicações reais que propiciassem confiança.
Ela me perguntou o que poderia fazer para me convencer. Disse-lhe que ela poderia tentar me dar subsídios para que eu entendesse o que a levara a agir daquela maneira.
Ela confessou que agira por impulso, dominada pela emoção. Admitiu que fôra covarde, fugindo de discutir o problema. Continua acreditando que a separação era a única opção possível e que não se achava capaz de defender isso, logicamente.
Disse-lhe que há uma grande diferença entre o idealismo de sociedade que tenho, e que ela compartilhava, c a sociedade como é. Que é preciso compreender que o convívio exige um mínimo de aceitação das distorções existentes na sociedade, convivendo com elas. Que é importante reagir, mas sem transgredir, ocasionando rupturas que nos causarão grandes prejuizos.
Exemplifiquei com seu procedimento em relação a dois empregadores. Reagiu à incoerência deles, afrontando-os escancaradamente. Considerando que o mercado de trabalho, aqui, é muito pequeno e que ela tem intenção de continuar vivendo aqui; não era bom negócio fechar portas a potenciais contratadores.
Está claro que ela continua confusa, tentando defender sem lógica, buscando ângulos favoráveis e evitando aqueles os que condenam seus conceitos e ações.
Não consegui elementos para que possa confiar no seu comportamento. O dado mais importante nessa direção, é a promessa dela em não se deixar levar pela emoção e pelo impulso. Ela admite Ter errado, por não conseguir argumentar logicamente na defesa do que fez. No entanto, continua acreditando que fez o que tinha que fazer. Claro que o potencial para repetir atitudes está presente nela.
Estou achando que ela não é indispensável para o negócio. Se resolver abandoná-lo, causará só uma dificuldade. Não será um caos. Estou tentado a arriscar, colocando-a no negócio. A pretensão é poder recuperá-la como personalidade e, quem sabe, possamos Ter um relacionamento bom como amigos e, talvez, como amantes. Não tenho maiores esperanças, mas também não me restam outras alternativas. Enquanto não apareça algo melhor, vou tentar recuperá-la.

No final da tarde fui na venda. Liguei para o Tininho que disse que o comprador do trator não ficaria com ele porque o trabalho de corte de madeira estava parado.
O Marílio me disse que o Fio, bêbado, havia feito escândalo ontem a noite, na venda, e que fôra inquirir o Dito Américo, perguntando-lhe se o meu dinheiro valia mais que o dele.
O Marílio disse que, pela manhã, falara com o Rodrigo e este lhe dissera que se ele não quisesse continuar no bar, este seria tocado pelo seu irmão: Gilmar. Que se não fosse assim, seu pai preferia deixar o armazem fechado.
O Marílio disse que a Mara assistira o escândalo ontem a noite. Fui procura-la e ela me contou, o mesmo que o Marílio já me contara.

15/03
Hoje passei o dia bastante deprimido, melancólico. Sentindo um vazio pesado (?).
Até quando terei que suportar esse estado de espírito?

16/03
Sonhos
Para que servem os sonhos?

Sonhando eu fui feliz
Sonhando eu viajei
Por lugares só sonhados
Que em meus sonhos eu moldei
Sonhei gente solidária
Humildade eu sonhei
Sonhei amores ardentes
Muita amizade sonhei
Ah! sonhos como são bons!
Se é feliz ao sonhar
Sonhar realizações
Realizados chorar
Realidade é veneno
Pra sonhos envenenar
Transformando o grande amor
Em motivo pra chorar
A humildade, coitada
Prepotência vai virar
Sonhar solidariedade
Ver egoísmo grassar
A amizade sonhada
Em traição vai virar
Portanto, matar um sonho
É o sonho realizar.

QUEM...O QUE?
Me ocorreu questionar
Quem sou e o que já fui
Sou alguém que quer viver
Já fui muitos, vários fui
Verdades se transformando
Mentiras mostrando ser
Verifiquei quantos erros
Se consegue cometer
Na busca do acertar
Estar certo pretender
Fui constatando meus erros
Sofrendo o constatar
Me sentindo pequenino
Envergonhado ao errar
Lutei para aprender
Sobre os erros caminhar
Usando-os como escada
Para mais alto chegar
Caindo pelo caminho
Retomando o caminhar
Compreendendo que a vida
É um eterno lutar
Buscando realizações
Fracassos acumular
Sorver sôfrego o sucesso
Fracasso minimizar
Deleitar-se com o sonho
Sofrer o realizar
Felicidade vivida
Não causa maior prazer
Se não estiver presente
É apatia ou sofrer
Viver é metamorfose
É um eterno mudar
Desmentindo o que foi certo
Na busca do acertar.

17/03
Fui em São Bento com o Chico Bento arrumar o alternador do carro dele. Enquanto esperávamos o conserto, conversamos sobre a Mara. Ele me disse que combinou com ela que iremos na próxima Segunda-feira em São José tentar conseguir a habilitação de motorista, dela, em que demos entrada lá em novembro passado. Ele me disse que ela lhe perguntara se ele iria junto, pois não queria ir sozinha comigo. Saber disso, me fez um grande mal. Sempre que fico sabendo que ela se refere a mim como alguém perigoso, que lhe possa causar qualquer tipo de mal, me provoca este sentimento muito ruim. Não deveria me deixar influenciar por isso, mas não depende de minha vontade ou razão. O mal estar acontece, independente da racionalidade que diz que eu não deveria me deixar atingir por isso.
Enquanto conversávamos, voltei a verificar que não há lógica no comportamento dela, que alguma força maior a domina. Não é possível que ela não perceba o mal que está se fazendo, da mesma maneira que não tem sentido o repúdio que me dedica, sendo que não lhe fiz nada que pudesse causar isso.
Ela não está, como quer fazer crer, buscando algo novo e diferente; está se entregando à vida que está cansada de conhecer e que sempre repudiou, além de conviver com pessoas do tipo que lhe chegavam a causar repulsa. É um grande mistério!

20/03
O Chico Bento me comunicou, na semana passada, que iríamos em São José na Segunda feira para tentar resolver o problema da renovação da habilitação da Mara. Ele viu-a ontem na venda e ela estava bêbada. Disse-lhe que a pegaríamos hoje as oito e meia e ela concordou.
Passamos para pegá-la e ela lhe disse que não iria. Deu-lhe uns papéis e lhe disse que eu sabia onde era a CIRETRAN. Disse ao Chico que não adiantaria ir a São José, pois só o interessado, pessoalmente, ou um despachante pode tratar de documentos. A que ponto ela chegou!

25/03
Li o caderno em que a Mari escreveu o acontecido quando ia se casar com o Valdir. Senti muita tristeza porque ali ela confessava a todo instante que eu era o seu amor e que me perder seria terrível.
No final da tarde fui na venda e a Mara estava lá com a família, Titica, Pedro e Baiano. Acenei um cumprimento e ela retribuiu com um sorriso. Ela estava bebendo cerveja e conversando com o Dito Leme. Ao sair acenei-lhe um adeus e ela respondeu. Me deixa triste vê-la nessa vida que está levando.
Quando eu ia sair para ir na venda, aconteceu uma coisa estranha: ao entrar no quarto para pegar a blusa, o livro Dom Quixote, que está sobre a cadeira na cabeceira da cama, estava aberto, mostrando uma fotografia da Mari no Uno, no portão da garagem da casa do Gonzalo. Esse livro tem capa grossa, difícil de ser aberta pelo vento. É claro que eu posso tê-lo aberto, ao pegar alguma coisa, mas não me lembro de Ter feito nada que possa Ter provocado isso.
Ontem o Chico Bento veio ajudar a contar o gado e curar dois bezerros. Combinei que levarei as coisas para a casa dele, onde ficarão guardadas até que eu resolva o que fazer com elas. Ele me disse que teme que a Mara queira pegar o freezer, alegando que seria dela. Disse´lhe que esclarecerei isso junto a ela, na presença dele, para que não restem dúvidas.
Pensei no balanço da vida em comum que tive com a Mari. O amor que ela me dedicou não foi maior do que eu dediquei a ela. Minha amizade por ela foi total e irrestrita. Ela me deu sua beleza e eu lhe ofereci minha sabedoria. Portanto, não considero que lhe deva alguma coisa.
Eu disse ao Chico Bento que tenho esperança de que, um dia, ela me procure e possa me contar o que realmente sentiu durante esse tempo e o que a teria levado a agir dessa maneira. Minha esperança (minha?) continua acreditando que ela se arrependerá. É até possível que ela se arrependa, no entanto, o que seria bom que acontecesse é que a Mari voltasse a assumir a personalidade.

26/03
Estou me sentindo um tanto angustiado, oprimido. Penso na possibilidade da Mari voltar e reconhecer os erros cometidos pela Mara. Sei que isso é uma possibilidade, mas enquanto não acontecer, se é que vai acontecer, não há o que fazer. É possível que, se voltar, não tenha coragem de me procurar, envergonhada pelo que a Mara fez; acreditando que eu não a perdoaria.
A atitude da Mara me livrou de compromisso com o futuro da Mari. Compromisso financeiro, o direito que ela teria a bens que eu possa Ter ou herdar e a que ela teria direito. No entanto, o que posso lhe oferecer é muito maior que isso. Posso passar-lhe o conhecimento e compreensão adquiridos em tatos anos e experiências. Isso poderia ajudá-la a compreender a vida e capacitar-se para enfrentá-la.
Será que isso é muito importante? O que eu estou conseguindo com isso?
Sei que não nos cabe decidir o que nos seja melhor e, muito menos consegui-lo. Que é preciso esperar, procurando administrar o sofrimento até que algo bom aconteça. Que não devemos confiar totalmente nas pessoas, mas que não devemos permitir que isso nos impeça de desfrutar o que possam nos oferecer de bom. É preciso desfrutar o bom ao máximo, sabendo que ele é extingüível. Que devemos nos esforçar para usar a razão, contrapondo-se às emoções ruins. Que devemos evitar a sedução da facilidade incial que pode ocasionar grandes prejuízos futuros. Que a amizade é algo muito maior que as pessoas costumam avaliar. Que é preciso Ter esperança, mas que ela não deve nos ancorar, impedindo que procuremos algo diferente.

26/03
Nos últimos dias tenho pensado se falo com a Mara para me despedir e o que diria nessa conversa. Confesso que ainda não tenho certeza do que seria melhor fazer. Reuni algumas coisas que ela não levou como: carteira profissional, diplomas de computação e CIEE, fotos, etc. Coloquei tudo numa pasta para devolver-lhe.
Está me parecendo melhor não conversar com ela, mesmo porque ela não deverá dar ouvidos ao que eu disser. Entrará por um ouvido e sairá pelo outro sem que nada fique registrado. Pelo menos é isso que tem acontecido. Portanto, o que poderia surtir algum efeito, seria dizer-lhe algo por escrito. Se ela não jogar fora, poderá servir-lhe algum dia, quando mude de personalidade. Vou escrever abaixo o que poderia lhe dizer.

MARA

Estou indo embora, triste por acreditar que isso te dará prazer.
Acredito que, hoje, você seja outra pessoa, como você mesmo me confessou. Por isso te chamo de Mara e não de Mari, que foi o meu molinho.
Reconheço o direito que você tem de ser como está sendo. Hoje você é uma mulher adulta e ninguém tem o direito de interferir na sua vida, contra sua vontade. A vida é sua e você tem todo o direito de fazer dela o que bem entender.
Eu detesto criticar. Adoraria só ter motivos para elogiar. Passei sete anos elogiando a Mari e foi maravilhoso. Tive muito poucos motivos para criticá-la e, quando a critiquei, doeu mais em mim do que nela. Infelizmente, em relação a você, aconteceu o contrário. Gostaria que você guardasse esta carta para lê-la no futuro, quando você compreenda que pode ter agido de maneira errada. Não tenho a menor intenção de te agredir. Só gostaria que você entendesse o porquê da minha contrariedade pela maneira como você vem se comportando.
A Mari tinha sede de realizações, de aprender, de crescer como ser humano, de se aventurar em busca do desconhecido, com coragem de enfrentar dificuldades para conseguir seus objetivos. Eu a admirei profundamente, dediquei-lhe o maior respeito que já dedicara a qualquer pessoa, senti muito orgulho pelo que ela foi e pelo que fazia. Amei-a da maneira mais intensa que essa emoção pode alcançar. Ela foi a melhor pessoa que conheci, a melhor amiga, a melhor companheira. Ela tinha defeitos como qualquer ser humano. No entanto, suas qualidades positivas eram tantas e de tamanha intensidade, que seus defeitos podiam ser desconsiderados.
Eu continuo acreditando que a Mari era minha alma gêmea. Nós tínhamos os mesmos valores, os mesmos ideais, a mesma garra de lutar, a mesma necessidade de aventura, a mesma necessidade de encarar desafios, a mesma determinação de encarar dificuldades na luta por objetivos.
Mara, eu te peço descupas por não conseguir aceitar essa sua nova personalidade. Você não é ruim, nem tem feito muitas coisas erradas. O problema é que não posso deixar de te comparar com a Mari. Ela era corajosa, sensível, inteligente, amiga leal, companheira. Ela era excepcional! Você é uma pessoa comum, honesta, trabalhadora. No entanto, não tem coragem de enfrentar a vida, deixando-se levar, acreditando que está fazendo o que quer. Você preferiu voltar a levar a vida que levava antes de me conhecer, desistindo de lutar por algo melhor para você e para as pessoas que te cercam. Preferiu conviver com pessoas do tipo que você cansou de me dizer que não concordava. Voltou a beber, por falta de algo melhor para fazer. Você é totalmente o contrário do que a Mari foi. Por isso não consigo aceitar essa personalidade em que você se transformou.
Pode ser que eu esteja totalmente errado, no entanto, acredito que uma força misteriosa e muito forte é que causou essa mudança de personalidade. Acredito que seja muito difícil para você admitir que está sendo dominada pelo mistério, sem forças para reagir, preferindo acreditar que você é que escolheu essa mudança.
Enquanto você continuar acreditando que está certa, que está fazendo o melhor e que não errou; nada poderá te convencer do contrário. Talvez você nem chegue a ler esta carta até este ponto.
Desde que eu decidi assumir um relacionamento com a Mari, me preparei para perdê-la um dia. Tinha plena consciência das dificuldades que esse relacionamento encontraria e acreditava que ela não suportaria a pressão. O tempo foi passando e ela demonstrando toda sua força, inteligência, sensibilidade e coragem. Compreendi que eu estava me relacionando com uma pessoa excepcional, que além de tudo, era capaz de uma amizade como eu nunca conhecera até ali.
Continuei acreditando que um dia ela poderia se apaixonar por outro homem e que eu perderia uma mulher maravilhosa, uma amante sem igual. No entanto, passei a acreditar, com todas as forças, que nunca perderia a amiga. Eu sabia que dificilmente encontraria outra amizade como a dela. Acreditei que mesmo que ela passasse a viver um outro amor e se dedicasse a ele como se dedicou a mim; que poderia continuar me dedicando aquela amizade maravilhosa, que poderíamos continuar conversando, nos ajudando, nos apoiando nas horas difíceis, torcendo para que cada um pudesse ter o máximo de felicidade, contribuindo para que isso fosse verdade. Imaginei muitas vezes que eu seria amigo do novo amor dela, que lhe daria mil parabéns por ter tido a sorte de poder desfrutar de mulher tão maravilhosa. Imaginei que ela se apaixonaria por um cara muito legal, pois não conseguiria se relacionar com alguém medíocre, que não a merecesse. Imaginei que se ela se relacionasse com outro homem, ao invés de perder a amiga, eu ganharia um novo amigo. Eu faria tudo para que o seu novo amor entendesse que não teria motivos para ter ciúmes de mim, que se ela me deixara e fôra com ele, é porque o amava mais que a mim e, portanto, ele não teria motivos para acreditar que ela pudesse traí-lo.
Eu estava preparado para perder a mulher e a amante. No entanto, não acreditava que pudesse perder a amiga, muito menos que ela pudesse me desprezar. Confesso que isso nunca me passou pela cabeça. Não pensei um único segundo que isso pudesse acontecer.
Quando me senti abandonado, acreditei que ela estava passando por uma crise emocional e que precisaria de um tempo para se recompor e perceber que era só uma crise.
Comecei a procurar motivos que eu pudesse ter oferecido para que essa crise acontecesse. Achei que eu tinha exagerado nas críticas nos últimos tempos e que isso seria motivo suficiente para provocar a crise nela. Me senti muito mal, acreditando que eu era o único culpado pelo que ela estava passando e senti vontade de me agredir, de me castigar por ter sido tão idiota, por ter colocado em risco a coisa mais maravilhosa que eu já tivera. Achei que o que eu estava sofrendo era pouco, que merecia sofrer mais para deixar de ser burro e aprender que não se pode vacilar com o amor, que ele é muito sensível e pode ser agredido por coisas idiotas.
Procurei dar um tempo para que a crise passasse e ela tivesse tempo de se recompor. Esperei que isso acontecesse, que pudéssemos conversar, que eu pudesse pedir desculpas pela minha imbecilidade, confessando meus erros, reconhecendo-os, prometendo cuidar para que isso não voltasse a acontecer.
No entanto, isso não aconteceu. Não tive oportunidade de confessar os erros que eu achava que tinha cometido, não tive oportunidade de pedir desculpas, não pude falar e ouvir as acusações que ela teria para me fazer. Me senti um condenado, sem direito a julgamento.
Continuando a analisar o problema, percebi que eu realmente havia errado. No entanto, os erros que eu cometera não eram suficientes para uma atitude tão drástica como ela tomou. Principalmente porque as críticas que eu fizera não eram gratuitas. Ela havia dado motivos para que as críticas acontecessem. Nem os erros que ela cometera eram grandes nem as críticas que eu fizera eram tão exageradas. Percebi que não havia motivos suficientes para que acontecesse o que aconteceu.
Analisando tudo o que tinha acontecido quando eu estava em Campo Grande, compreendi que não era a Mari quem tinha me abandonado. Era a Mara que ocupara o corpo dela. A Mara não me amou, não me tinha amizade, tinha outros valores, em fim, era outra pessoa. A Mari me amava e era minha amiga. A Mara nunca me amou, nunca foi minha amiga. A Mari me admirava. A Mara me despreza. É mais que natural que a Mara queira distância de mim.
Você não é ruim. É igual a milhões e milhões de pessoas que vivem no mundo. Você é mais bonita e simpática que a maioria, é agradável e não é tão burra quanto os outros. O problema é que eu conheci a Mari e, dificilmente alguém pode ser o que ela foi. Ela era boa demais, excepcional! Comparado com ela, todo mundo fica pequeno, sem graça. Esse é o problema. Não é você que é ruim. Ela é que era boa demais! Eu tive a felicidade de conviver com ela. Ninguém no mundo foi tão feliz como eu, vivendo ao lado dela. Mesmo que eu ganhasse todos os prêmios de todas as loterias do mundo, tenho certeza que não conseguiria a felicidade que desfrutei ao lado dela. Eu tive a sorte de ganhar o maior prêmio que alguém pode ganhar. Tenho consciência de que é praticamente impossível que essa sorte se repita. Portanto, sei o quanto vai ser difícil viver sem ela. Há oito meses venho lutando para descobrir uma maneira de continuar vivendo bem, agradecendo a sorte de tê-la desfrutado e me conformando em não tê-la mais. Não consegui e sei que não vai ser fácil.
Acredito ter feito tudo que eu podia para tentar fazer a Mari voltar a assumir a personalidade desse corpo. Acho que se ela voltasse, eu teria boa chance de tê-la de volta. Se não como mulher e amante, pelo menos como amiga e isso já seria bom demais. No entanto, não tenho direito de forçar a barra, nem acho que isso resolveria o problema. Esperei até agora que ela pudesse voltar e imaginei a cada minuto que ela desse algum sinal de vida, que eu pudesse mostrar a ela tudo que aprendi nesses meses de sofrimento, que pudéssemos usar isso para ajudar outras pessoas e a nós mesmos.
Fracassei! Fui derrotado! Não me considero um fraco, nem insensível, nem burro, nem covarde. O problema é que o mistério é muito forte, poderoso e, principalmente, desconhecido. Se a intenção dele era me castigar, tenho que lhe dar os parabéns! Se ele tivesse me colocado um cancer na cabeça ou em qualquer parte do corpo, não teria causado tanto sofrimento. Se tivesse me deixado cego ou paralítico, também não. Se tivesse me tirado qualquer outra pessoa, também não conseguiria ter me maltratado tanto. Se a intenção dele era me machucar, parabéns! Acertou na mosca!
Como acho difícil encontrar outra pessoa como a Mari, só me resta levar a vida e torcer para que a Mari esteja escondida em algum canto e que, um dia, possa aparecer e eu tenha a oportunidade de conversar com ela e ela possa me contar o que aconteceu e como se sentiu. Se isso acontecer, será como ter ganho na maior loteria do mundo, novamente.
A vida é um grande mistério e não sei o que vai ser da minha daqui para a frente. Já que não consigo esquecer a Mari, seja lá o que me acontecer, estarei esperando que ela volte. Ela saberá como me encontrar.

28/03
Quando passava com o trator, levando parte da mudança para a casa do Chico Bento, ao passar pela porteira do sítio do Oscar, o Petro me parou e disse que a Mara queria falar comigo.
Não posso deixar de confessar que considerei a possibilidade de que, lendo a carta que lhe entreguei ontem, ela quisesse conversar a respeito. No entanto, considerei imediatamente que o assunto deveria ser outro. E foi. Ela me pediu para entregar a sua mãe uma cômoda e cadeiras que estavam em casa.
Perguntei-lhe se lera a carta e ela disse que já a lera três ou quatro vezes. Me pediu para impremir as duas últimas páginas, novamente, porque ela deixara que essas folhas se molhassem e que ficaram borradas.
Disse-lhe que ela estava se escondendo dela mesma, dizendo uma coisa, enquanto suas atitudes demonstram o contrário. Que ela se entregou ao tipo de vida que levara antes de me encontrar. Que estava sendo covarde, se refugiando naquele ambiente, convivendo com pessoas com quem não concordava antes, bebendo, escondendo-se de si mesma.
Ela disse que foi convidada para trabalhar como agente comunitária e que pretendia mudar-se para a cidade, pedindo-me, inclusive, se emprestaria o fogão, uma vez que as outras coisas ela já tinha. Voltou a citar que o que ela queria e ainda quer, é tornar-se independente, morar sozinha. Disse-lhe que ela tem agido contrariamente ao que está declarando. Que ao sair de casa, depois de uma semana foi morar com o Rodrigo, que ela sabia ser uma roubada. Que voltara e estava, até agora, morando com a mãe. Que depois de oito meses, continuava mais dependente dos outros do que quando viveu comigo.
Disse-lhe que o mais ininteligível, é o seu desprezo pela minha amizade. Nesse ponto ela começou a demonstra o quanto a conversa a estava desagradando e eu me despedi e fui embora.


20/06/06
Depois de quase três meses sem nenhum registro neste texto, volto a relatar e analisar o que está acontecendo.
No dia cinco de maio, uma sexta feira, fui acertar a venda do trator. Depois de concretizado o negócio, fui com o Chico na venda. Logo depois chegou a Jose. Fui conversar com ela para dar-lhe a última parcela da aplicação que fizera no banco e pedir-lhe que pedisse o resgate da mesma e entregasse o dinheiro para o Chico, para que ele o transferisse para mim.
O Chico havia ido buscar-me na cidade e, no caminho para a roça, ele me contou que a Jose havia terminado o relacionamento que mantinha com o Baianinho. Que acontecera uma briga no bar, entre ele e um irmão e que, a Jose entrara no meio e o seu companheiro a atingira com um soco no olho que ficara roxo. Ele não tivera a intenção de atingi-la, sendo acidental a agressão. O Chico disse que lhe perguntara a respeito do relacionamento e que ela dissera que: “ Quando uma coisa não vai bem, o negócio é cortar o mal pela raiz.”
Quando dei o dinheiro da última parcela da aplicação para que ela providenciasse o depósito e lhe pedi que entregasse o valor resgatado ao Chico; ela me perguntou se eu irir precisar do total do resgate. Perguntei por que e ela respondeu que estava com alguns problemas financeiros e, se fosse possível, gostaria de ficar com uma parte desse dinheiro, deixando para devolve-lo mais tarde.
Disse-lhe que ela estava se complicando cada vez mais, principalmente no que se refere a dinheiro.
Ela argumentou que não via como a situação poderia ser diferente.
Disse-lhe que, eu próprio já lhe propusera fazer algo para que pudesse ter uma situação diferente mas que ela nunca aceitara.
Ela disse que recebera uma proposta para comprar um bar perto da cidade, na siada para o Zé da Rosa. Que o aluguel era barato e que o negócio parecia ser promissor.
Aleguei que não considerava um bom negócio um estabelecimento comercial, o que exige dedicação integral, o que implica em perda de liberdade, de poder sair; em fim, é praticamente uma prisão.
Ela perguntou se eu teria outra alternativa.
Disse-lhe que a proposta era a mesma que já lhe fizera: voltar a vender produtos para cama, mesa e banho. Que já tínhamos alguma experiência e que esse negócio se mostrara promissor. Além de que, essa atividade permitia liberdade, contato com muitas pessoas e possibilidade de expansão.
Ela se mostrou interessada e combinamos pensar no assunto e voltar a conversar nos próximos dias. Disse que tivera que pagar o cheque que dera ao contador, que devia duzentos reais ao Maravilha, que lho emprestara para os medicamentos que ela necessitara quando foi acometida de uma crise renal. Que ainda devia cento e cinqüenta reais a sua avó.
Voltamos a conversar no sábado e eu disse que seria necessário comprar um carro para efetuarmos o trabalho. Como ela já havia programado ir no Junco no dia seguinte; pedi que ela verificasse se seu tio ainda pretendia vender o carro que havia oferecido tempos atráz, recebendo o que já pagara e transferindo o restante da dívida nas parcelas estabelecidas.
No domingo, ao voltar do Junco, por volta da hora do almoço; ela foi me procurar na casa de sua tia onde eu fazia uma visita. Disse que o tio não venderia mais o carro, mas que um mecânico de Paraisópolis, que consertara a moto que está com ela; lhe dissera que naquela cidade havia vários carros a venda e com bons preços. Eu lhe disse que, se ela quisesse, eu poderia ficar até segunda-feira para irmos lá verificar esses carros. Ela argumnentou que combinara com um casal de amigos para irem a São José dos Campos nesse dia. Que ela ligaria para o mecânico na próxima semana, verificaria o que havia de disponibilidade de carros e me telefonaria para combinarmos a ida até lá se eu julgasse conveniente.
Ela me ligou na sexta-feira, comunicando que o mecânico lhe dissera que tinha um Uno 2000 muito barato. Combinamos ir vê-lo na segunda-feira.
Na segunda-feira, dia dezesseis, passei na casa dela, peguei-a e fomos até Paraisópolis. Os carros que estavam a venda ali, não interessaram e voltamos. No caminho perguntei-lhe se ela teria alguma restrição a que tivéssemos umn relacionamento amoroso. Ela disse que não. Fomos a um motel e fizemos amor, sem muito intusiasmo. Ao final ela comentou a diferença entre a relação entre nós, com a intimidade que desfrutamos e com outros homens, onde a falta dessa intimidade fazia bastante diferença.
Ela me ligou no dia dezoito de maio, ela me ligou dizendo que o resgate da aplicação iria demorar perto de quarenta dias e que suas dívidas precisariam ser pagas antes. Depositei setecentos reais na conta dela para que pagasse o que devia.
Comprei um carro e algumas mercadorias e disse a ela que iria no próximo final de semana experimentar vender alguma coisa na festa da igreja do bairro.
No sábado, dia vinte, fui para lá, me hospedei na casa do Chico e, a noite, fomos na festa.
Ela dançou com várias pessoas, inclusive comigo e, também, com o Baianinho. Jogou bingo e conversou bastante com várias pessoas, muito alegre. Quando sai da festa, ela continuou lá, jogando bingo ao lado da mãe.
No domingo, estacionei o carro na frente da igreja e expus as mercadorias. Ela só chegou por volta das quinze horas porque tivera que trabalhar na parte da manhã no sítio onde prestava serviços como doméstica.
Ficamos na festa até a noite e o resultado das vendas não foi nada animador, mas indicou que o caminho não era impossível e que era promissor.
O Baianinho, seu irmão, mãe e irmãs se mantiveram perto dela por bastante tempo enquanto ela cuidava das vendas.
Ela combinou com a patroa que só trabalharia na segunda, quinta e sexta-feira; dedicando a terça e quarta-feira para viajar para São Paulo para as compras e o sábado e domingo para as vendas.
No dia trinta viajamos para São Paulo afim de fazer compras. Passamos em São José dos Campos e verificamos que o processo da revalidação da habilitação de motorista dela continua sem solução.Passamos na casa de meu pai, jantamos e, após, fomos dormir em um motel na Aricanduva. Enchi a banheira de Hidromassagem e imergimos na água. Sugeri a ela que se posicionasse de tal maneira que o jato da hidromassagem lhe massageasse a área sexual. Ela fez isso durante algum tempo, ajoelhou-se na banheira e me convidou a penetrá-la.
Dormimos e saímos ás três e meia da manhã para irmos à feira da madrugada fazer compras. Fizemos compras durante todo o dia e voltamos à noite para a roça. Como chegamos por volta das dez horas da noite; dormi na casa da Jose, no quarto, enquanto ela dormiu com a mãe e os irmãos, no chão da sala.
Na quarta-feira, liguei para a auto escola Gran Prix, em Campo Grande e pedi á Jane que verificasse o que estava acontecendo com o prontuário da Jose no DETRAN de lá. Ela disse que o problema deveria ser a matrícula que ela fizera para habilitar-se como motociclista e que, por ter sido reprovada no exame prático, ainda permanecia aberto. Ela ficou de providenciar o cancelamento dessa matrícula.

Na terça-feira seguinte, dia seis de junho, saímos por volta das seis horas da manhã, deixamos a irmã e os irmãos dela na cidade para pegarem o ônibus para a casa dela, e fomos para São Paulo. Quase não conversamos durante a viagem.
Como eu teria que providenciar reparos no carro; pedi-lhe que escolhesse entre acompanhar-me à oficina ou ficar com a Darcy na casa da Lílian. Ela optou pela segunda opção.
Depois de trocar um pneu, deixei o carro na oficina para arrumar a suspensão e fui para a casa do meu pai, onde almoçamos. Depois do almoço ela foi comigo até a oficina buscar o carro. Enquanto esperávamos o término do serviço, conversamos e eu lhe disse que estava sentindo que ela estava com expressão pesada, como quem precisa desabafar. Que se isso fosse verdade, eu estava a disposição para ouvir o que ela tivesse para me dizer. O carro ficou pronto e fomos fazer compras, sem muita conversa.
À noite, fomos dormir num motel. Perguntei-lhe se ela preferia tomar bganho sozinha e ela disse que não. Que se eu preferisse isso, não se oporia. Fomos tomar banho e ela foi muito carinhosa, ensaboando-me e acariciando-me o corpo com carinho. Fizemos amor. Eu havia notado, durante a viagem, que ela tinha uma marca no pescoço e, quando acusei o que havia visto, ela disse que em menos de dez minutos de beijos, aquilo havia acontecido, o que a deixara muito descontente com o autor. Depois que fizemos amor, comentei com ela que achava estranho que aquela marca fosse causada sómente por beijos, sem que houvesse acontecido mais nada. Ela disse que se eu não acreditasse no que ela dissera, não poderia fazer nada.
Nos deitamos e eu senti que ela não tinha a menor intenção de fazer qualquer confidência, muito menos abordar qualquer intimidade sua com outros homens. Considerei que ela não tinha a menor confiança em mim, ocultando tudo sobre sua vida, que não se referisse a nós. Acabamos dormindo sem mais conversa.
No dia seguinte, completamos as compras, passamos em São José dos Campos e verificamos que o processo de renovação da sua habilitação de motorista continuava na mesma.
Paramos em Monteiro Lobato para comprar pinceis para a mãe dela. Aproveitei e comprei um para tirar pó do painel do carro. Ela perguntou se um pincel mais largo não seria mais conveniente. Eu lhe disse que não sabia dizer-lhe, por não saber para que a mãe dela usaria o pincel. Ela havia perguntado sobre o que eu comprara para limpar o carro, e falou algo que me pareceu ríspido. Quando entramos na estrada de terra, passei-lhe a direção do carro e comentei sobre a rispidez com que se dirigira a mim. Ela reconheceu que havia errado e aproveitou para comentar o fato de virmos nos agredindo com atitudes e expressões há algum tempo. Conversamos sobre a incoveniência disso e resolvemos nos alertar, um ao outro, toda vez que isso aconteça. O ambiente entre nós, melhorou um pouco mas continuou carregado.
No sábado seguinte, fomos ao Junco, à noite, onde se realizava o aniversário do tio dela. Vendemos algumas coisas para as pessoas que estavam na festa e, depois, fomos dormir na casa da mãe dela. Ela arrumou a cama para mim em um quarto e foi dormir com a mãe em outro. O Renatinho também dormiu lá.
No domingo vendemos no bairro e à tarde voltamos para o Paiol.

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